8.3.23

A Igreja ou escolhe as vítimas ou os abusadores

Amílcar Correia, in Público


A igreja pode optar por assumir as suas responsabilidades, os erros que cometeu e encobriu e evitar que se repitam ou insistir na sua irresponsabilidade e nas desculpas mais meteóricas.

A Igreja Católica não vai poder fingir que nada se passou e tentar ignorar o devastador relatório que a comissão independente produziu sobre o abuso sexual de menores no interior da instituição. A carta que um grupo de católicos enviou esta quinta-feira à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), um dia antes de esta se reunir para apreciar o relatório, tem esse objectivo.

O grupo que assina a carta, praticamente o mesmo que insistiu na criação daquela comissão, pede a sensatez mais óbvia e incontornável: a Igreja tem de assumir os seus males, afastar de funções os bispos que tenham encoberto casos de abuso, suspender preventivamente os padres abusadores que ainda estejam ao serviço, “sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos”, e criar mecanismo de apoio e ajuda psicológica e psiquiátrica às vítimas, fora do ambiente eclesial.

A tomada de posição do grupo, que congrega os principais movimentos progressistas católicos, tem subjacente a exigência de mudança a uma instituição que permanece fechada sobre si mesma, num estado comatoso, embrulhada num manto de conservadorismo e anacronismo, ao referir, por exemplo, a abolição dos confessionários fechados e o fim do segredo da confissão.

É uma crítica contundente dos movimentos de base a uma hierarquia distante e sobranceira, na senda das mudanças que o Papa Francisco vai tentando promover, ao criticar a negligência da hierarquia que não aplica as penas previstas a quem incorre em crimes. A Igreja deveria levar a sério estas críticas, construtivas e pacíficas, que vêm do seu âmago, sob pena de ainda se afastar mais dos seus crentes.

O que a CEP irá anunciar esta sexta-feira não poderá andar muito longe destes pontos de vista. É evidente que há uma diferença entre o presidente desta, D. José Ornelas, e muitos outros bispos, alguns dos quais se recusaram a colaborar com a comissão, algo que é moralmente inaceitável.

Ornelas, que tem tido a coragem de proceder a esta catarse em curso no interior a igreja, não pode esquecer as vítimas, que deveriam ser indemnizadas, e ignorar que existem abusadores no clero e afins. A Igreja pode optar por assumir as suas responsabilidades, os erros que cometeu e encobriu e evitar que se repitam, ou insistir na sua irresponsabilidade e nas desculpas mais meteóricas. Se a Igreja não tem a coragem de se redimir, vai permanecer em negação e conivente com crimes abjectos. Não há escolha possível entre as vítimas e os abusadores.