Joana Nabais Ferreira, in ECO
O facto de (ainda) não existir igualdade de género no setor tech, continuando a ser os homens quem mais intervém no design e na construção dos produtos tecnológicos que moldam a nossa vida, pode estar não só a reforçar a desigualdade e os preconceitos como a impactar a economia europeia. Se a percentagem de mulheres em empregos tecnológicos duplicasse até 2027, o PIB da União Europeia (UE) poderia aumentar em até 600 mil milhões de euros. Esta é uma das principais conclusões do relatório “Women in tech: The best bet to solve Europe’s talent shortage” da McKinsey & Company.“A falta de talento no setor tecnológico pode colocar a capacidade de crescimento da Europa e das suas empresas em risco, e os líderes estão conscientes desse problema: 77% dos executivos citaram o défice de competências como um obstáculo à implementação da transformação digital, e apenas 16% dos líderes afirmaram que as suas empresas estão preparadas para colmatar esta lacuna”, afirma André Osório, diretor de client capabilities da McKinsey em Portugal e em Espanha.
Atualmente, apenas 22% das mulheres europeias ocupam atualmente cargos tecnológicos em empresas, sendo o desenvolvimento e gestão de produto (46%) e a engenharia, ciência e análise de dados (30%) as áreas com maior representação feminina.
Por outro lado, os cargos com maior procura atualmente, relacionados com DevOps e Cloud, são também os que têm o menor número de trabalhadoras: apenas 8%. Seguem-se as áreas de sistemas (15%) e de engenharia core (18%).
O gap ao nível de género está diretamente relacionado com a percentagem de mulheres no ensino superior nas áreas da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). Segundo o relatório, a média europeia de mulheres licenciadas em cursos STEM é de 32%, sendo que, no caso de Portugal, o país fecha o top 10 europeu com valores na ordem dos 35%.
“Ao contrário do mito de que a falta de mulheres em STEM se deve a uma menor predisposição das mesmas para o tema, em termos gerais, em todos os países europeus, as alunas e os alunos pré-adolescentes não mostram diferenças nas competências científicas e matemáticas, tal como refletido no teste TMMS, realizado aos nove anos, e no teste PISA, realizado aos 15 anos”, refere a consultora.
Os quatro R’s de atuação
Para colmatar esta lacuna, a análise da McKinsey indica que a Europa deve aumentar o seu talento tecnológico feminino em mais de 1,6 milhões e alcançar um equilíbrio de 40/60 até 2027. Para que isso aconteça, é crucial atuar com base em quatro pilares chave, começando, desde logo, pela redistribuição, que significa “impulsionar a formação STEM e recrutar mulheres com potencial em papéis não tecnológicos que tenham competências indiretamente relacionadas com a tecnologia”.
Segue-se a remodelação, através da eliminação preconceitos no processo de contratação, que deve facilitar o equilíbrio entre a vida profissional e familiar.
Um terceiro pilar está relacionado com a retenção de talentos, criando oportunidades de liderança feminina, eliminando disparidades salariais e abordando as razões culturais para o abandono do talento feminino do setor.
Finalmente, o redimensionamento, aumentando a taxa de mulheres inscritas e licenciadas em cursos STEM.
“Se as empresas tiverem presentes estes pilares, poderemos ter uma presença feminina de 33% a 45% em cargos tecnológicos nos próximos anos. A atual falta de diversidade na tecnologia europeia resulta em desvantagens significativas para a Europa em toda a força de trabalho, na sociedade e mesmo ao nível da inovação. Neste sentido, é de particular importância aumentar a presença de mulheres nos cargos de topo: por exemplo, empresas em que a presença de mulheres nos conselhos de administração ultrapassa os 30% têm em média um investimento em I&D quatro vezes superior ao resto da economia”, refere André Osório.
Integrar mulheres fora do mercado de trabalho
Para além da atuação sobre estes quatro pilares, o relatório revela uma oportunidade adicional para reintegrar mulheres atualmente fora da força de trabalho. Mais de 13 milhões de mulheres europeias, com idades compreendidas entre os 25 e os 54 anos, estão fora do mercado de trabalho, representando 18,5% do total da população feminina.
Quase metade (46%) deste grupo afirma que as responsabilidades familiares são a principal razão pela qual não podem trabalhar, revelando que existe espaço de atuação para as organizações, sugere o estudo da consultora.
“Assumindo que a taxa de sucesso das mulheres que reentram no mercado de trabalho tecnológico se situa entre 15% e 20%, com as empresas a oferecer políticas de conciliação e flexibilidade, tais como cuidados infantis e apoio familiar no trabalho, estamos a falar de 140.000 a 200.000 talentos tecnológicos que poderiam ser incorporados nesta indústria a nível Europeu“, conclui André Osório.
O relatório “Women in tech: The best bet to solve Europe’s talent shortage” teve por base os dados de mais de 60 milhões de trabalhadores na Europa.