27.3.23

D. Carolina ficou órfã aos 11 anos e teve de “lutar sozinha” pela vida

Daniela Lenchyna, in A Verdade

Carolina Amorim, mais conhecida como Dona Carolina, nasceu em 1929 na freguesia de Paços de Gaiolo, em Marco de Canaveses.

Ainda em criança passou por “momentos difíceis, solitários e de muito trabalho”. Na barriga da mãe, Carolina perdeu o seu pai e aos 11 anos viu a sua mãe adoecer. Ao fim de três meses acabou por perdê-la. “Perdi os pais muito novinha, quando nasci já não tinha pai e a minha mãe veio a falecer”, conta.

Perante as circunstâncias da vida, D. Carolina ficou sozinha com o seu irmão, que tinha somente mais quatro anos. “Acabamos a viver numa casa de pedra, mas cheia de buracos, era muito frio, nem sei como sobrevivemos. Durante os primeiros tempos, não ficamos ao abrigo de ninguém”, explica.

As condições “difíceis” em que nasceu obrigaram a pequena Carolina “a crescer muito rápido. Trabalhei muito e passamos muita fome”. Alguns vizinhos, por vezes, traziam “farinha e faziam uma broa de pão” para alimentar os dois irmãos. Para acompanhar o pão, Carolina Amorim fazia “um caldo”. No fundo, a vida obrigou-a a saber “de tudo um pouco” desde cedo. “Tinha oito anos e já fazia caturnos e afiava na roca”, aprendizagens que a mãe lhe tinha ensinado.

Mais tarde, uns familiares foram buscá-los, mas acabaram por não se fixar naquela casa durante muito tempo. Apesar de ter iniciado a sua vida na lavoira, Carolina acabou por se tornar, durante largos anos, empregada doméstica interna, ao mesmo tempo que arranjava trabalho, tinha também um sítio para dormir e comer. Em paralelo toda a vida fez renda. “Dava pilhas até ao teto, toalhas, panos, cobertas. Se pudesse fazia ainda hoje”.

Contudo, nem todas as casas por onde passou lhe proporcionaram condições humanas. “Ficava a dormir num género de palheiro, tinha bichos e percevejos, e comia bolotas. A vida é muito difícil sem um suporte, sem pai, nem mãe”.

À conversa junta-se Susana Silva, a sobrinha e “filha do coração”, que foi acolhida por D. Carolina aos 18 meses. “Era preciso que alguém cuidasse dela, a vinda era apenas durante um período, mas acabou por ser para a vida toda”. Susana refere-se à D. Carolina como “Mimi”, um nome carinhoso que é utilizado, sobretudo, pelo seu filho. Apesar de nunca a ter chamado mãe, porque Carolina Amorim “gosta que as coisas sejam chamados pelo nome e se tem mãe eu não posso ficar com esse título” e, por isso, Susana trata-a por “tia”, porém afirma, em conversa com o Jornal A VERDADE, que é a “minha mãe, ela é que me acompanhou em tudo e, agora, tento retribuir”.

Perto da casa dos 40 e aí em diante, D. Carolina fixou-se numa casa perto do Porto. Apesar de se “ter fechado ao amor”, devido a “um grande desgosto amoroso”, com o passar dos anos acabou por abrir a porta do coração e foi conquistada pelo homem que viria a ser seu marido. “Conhecemo-nos em contexto de trabalho, ele era pintor e ia à casa onde eu trabalhava”. Apesar de ter crescido com pouco, Carolina Amorim não deixou de ser exigente com o seu noivado e pediu duas coisas: “continuar a trabalhar na mesma casa e ter uma lua de mel na ilha da Madeira”. E assim foi, a felicidade durou 15 anos, mas a doença levou o seu primeiro e único marido. No entanto “aproveitamos. Fazíamos questão de irmos todos os anos passear, chegamos a ir ao estrangeiro também”, partilha.

“Custou muito sair do Porto”, diz D. Carolina. Após o falecimento do marido, a mulher natural de Marco de Canaveses regressou à sua terra Natal, desta vez, para a freguesia de Bem Viver. Com esta mudança pretendia deixar Susana Silva mais perto da sua família. “Tinha receio de que a Susana não tivesse uma ligação com a família e, por isso, pudesse ficar sozinha”. No fundo, não queria que acontecesse o mesmo que lhe tinha acontecido quando perdeu os pais. Entre risos diz que “mas nem era preciso, porque ainda estou cá”.

D. Carolina nunca teve a oportunidade de ir à escola, de aprender a ler ou escrever. No entanto, diz que sabe “contar e conhece algumas letras. A escola não era obrigatória e nós eramos pobres, por isso não tínhamos maneira de ir”.

Apesar de ter tido uma vida “dura”, Carolina Amorim “nunca perdeu os seus valores e dignidade enquanto mulher” e, ainda hoje, tenta fazer “tudo em prol dos outros”.

Na casa dos 93 anos, D. Carolina continua a prezar pela sua “independência” e a querer fazer “tudo” pela sua filha do “coração” e pelo neto.