Manuel Cardoso, in Expresso
Antigamente, era comum vermos cidadãos a serem apanhados a roubar no supermercado. Hoje, são os supermercados que são apanhados a roubar o cidadãoAntigamente, era comum vermos cidadãos a serem apanhados a roubar no supermercado. Hoje, são os supermercados que são apanhados a roubar o cidadão. A julgar pelas recentes fiscalizações à grande distribuição, são os portugueses quem tem de aumentar as precauções face ao furto em loja. Da próxima vez que for tratar das compras do mês, vou fazer-me acompanhar de um segurança da Prosegur, colocar câmaras de videovigilância no trolley e instalar um alarme na carteira para ter a certeza que não me a surripiam. Mais vale prevenir do que remediar, porque, apesar de não ser à mão armada, é um furto em que se aproveitam das distrações da incauta vítima.
É verdade, leitor, é possível que eu esteja a exagerar. Olhemos para as irregularidades relatadas pelos inspetores da ASAE: há produtos que têm um preço na prateleira e outro, mais caro, na caixa. É escandaloso? Claro que não. Os portugueses têm de perceber que a inflação faz com que o bife da rabadilha fique logo mais caro, só ali no caminho entre o talho e a caixa. Ainda são uns bons vinte metros. Bife da rabadilha? Estava a brincar. Já ninguém come carne bovina desde a última primavera. Por outro lado, estamos fartos de levar no lombo.
Depois, há vários produtos que têm um peso real inferior ao indicado na etiqueta. E qual é o mal, ter menos peso? Agora emagrecer é um problema? Se o polvo perdeu uns gramas, é dar-lhe os parabéns e dizer-lhe que está muito melhor assim. Faz algum sentido estar a falar do peso do polvo? Qualquer dia, estamos a criticar-lhe a celulite nos tentáculos. Não vamos fazer bodyshaming a cefalópodes.
Quem está muito gordinho é o setor do retalho alimentar. Criou-se a ideia de que, com a inflação, os preços aumentaram todos muito. Não é verdade. Julgo que os preços de atracar um iate na marina de Oeiras ou de jogar padel no Jamor aumentaram muito, sim. Mas os preços dos bens essenciais aumentaram imenso. A inflação é de 8,6%, o aumento do cabaz básico alimentar é de 21,1%. Dos 10 produtos que mais encareceram, 6 são vegetais. Em cima disto, os supermercados ainda recorrem a truques para ter mais lucro? É preciso ter tomates e um coração de boi.
Repito, a maioria dos alimentos que mais aumentaram de preço são vegetais. Ainda dizem que a dieta vegetariana sai mais em conta. Neste momento, o único método económico de nutrição é mesmo comer gelados com a testa. Atualmente, uma pessoa que deixe um refogado queimar já só come no mês que vem. A polpa de tomate - essa sofisticada iguaria - aumentou 87%. O novo prato favorito dos portugueses é o Arroz Malandrinho de Água da Torneira. Ah, espera. Nem isso dá, porque o carolino duplicou de preço. Lembram-se da expressão “outra vez, arroz”? Já não é dita com enfado - expressa agora um desejo irrealizável. Os portugueses já só podem jantar dobrada de preços, acompanhada de salários ultracongelados.
Para além dos laboratórios de análises, os supermercados foram o único setor que não perdeu clientes na pandemia. Há precisamente três anos, estávamos coletivamente a açambarcar todas as latas de atum e papel higiénico que havia nas prateleiras das grandes superfícies. Meses a fio a encomendar toneladas de farinha para bolos e fermento para satisfazer o nosso stress eating pandémico e a desesperar com o facto de uma caixa de 50 máscaras custar 100 euros. Para nós, tudo aquilo foi um bocado desagradável, mas ainda bem que a seguir veio uma guerra e uma crise inflacionista. Seria extremamente insensível da nossa parte olhar para estes acionistas famintos e não os alimentar. Não é à toa que o setor se chama “grande distribuição”. De lucros, claro.
Será desta que a minha geração deixa de ter supermercados favoritos? Sim, porque há pessoas que são fãs de determinado grupo retalhista. “Ai, eu sou da equipa LIDL!” É? Eu também. Gosto imenso das bolachas de aveia do LIDL, dos iogurtes proteicos do LIDL e daquela vez em que levaram uma idosa de 72 anos a tribunal por ter levado inadvertidamente um creme de olhos que custava 2,79 euros, que ela se ofereceu para pagar quando se apercebeu do lapso. O creme do LIDL. O crime do creme do LIDL. Ai, o LIDL.
Vá lá, malta. Sejam fãs da Guerra das Estrelas, da Taylor Swift ou do Sport Clube Leiria e Marrazes. De supermercados, não faz sentido. Se é para serem entusiastas de alguém que vos vende um bem do qual precisam a um preço inflacionado, sejam admiradores do vosso dealer. Quer dizer, há limites: longe de mim comparar um traficante a um supermercado. É que um faz parte de um cartel, outro simplesmente comercializa estupefacientes com honestidade.
Resta-nos beber para esquecer. Mas como?, pergunta o leitor, se as promoções dos vinhos nos supermercados são também uma manha? Aquelas garrafas com 60% de desconto no preço de 9,99€, que não custam 9,99€ nem num bar de praia da Côte d’Azur. Ai, ai. Acham que 4 euros é pouco para uma garrafa de Mateus? Está bem, está. Devem julgar que vemos todos o Mundo com óculos cor-de-Rosé.