1.3.23

Só 382 famílias ucranianas beneficiam do Programa de Apoio ao Alojamento Urgente

Ana Cristina Pereira, in Público

Até ao final do mês passado, foram identificadas 2128 famílias oriundas da Ucrânia com necessidade de apoio a alojamento, mas só foram submetidas 614 candidaturas.

O anúncio foi feito pelo Governo logo em Março do ano passado, pouco depois do início da ofensiva na Ucrânia: vinha aí um regime simplificado para os refugiados ucranianos terem acesso ao Programa de Apoio ao Alojamento Urgente — Porta de Entrada. Volvido quase um ano, 382 famílias beneficiam dessa medida.

Este programa prevê a possibilidade de apoio à habitação a quem não a tem por força de um “acontecimento imprevisível e excepcional, como é a guerra na Ucrânia”. Todos os ucranianos a quem foi concedida protecção temporária podem candidatar-se.

Em causa pode estar o arrendamento de uma habitação inteira ou apenas uma parte. O valor a atribuir varia de concelho para concelho. O benefício vai até 18 meses, podendo ser prorrogado até 30.

A alta comissária das Migrações, Sónia Pereira, lembra que o programa Porta de Entrada já existia. Tão-somente foi criado um regime simplificado, que implica um protocolo entre o Alto Comissariado para as Migrações, o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e os municípios. Até 31 de Janeiro, 114 municípios tinham manifestado interesse em participar no programa e 2439 habitações tinham sido sinalizadas.

De acordo com o IHRU, até àquela data foram assinados 97 protocolos tripartidos de apoio financeiro para o alojamento de refugiados da Ucrânia. Nesse contexto, foram identificados “2128 agregados familiares oriundos da Ucrânia com necessidade de apoio a alojamento ao abrigo do programa Porta de Entrada”. Nem todos, porém, chegam a avançar. “Foi submetido um total de 614 candidaturas, estando a beneficiar do apoio 382 agregados familiares.” Os restantes 232 estão em avaliação.

“Isso não é nada”, exclama Afonso Nogueira, coordenador do espaço VSI TUT – Todos Aqui, que junta a Associação dos Ucranianos em Portugal e a Câmara de Lisboa na resposta de emergência aos deslocados da Ucrânia, ao ouvir o número de beneficiários do programa Porta de Entrada. “Isso é uma gota no oceano.”

No conjunto de 58 mil cidadãos ucranianos a quem foi concedida protecção temporária cabem muitas situações distintas. “Alguns vieram com algum dinheiro, com uma poupança, mas outros fugiram sem nada”, lembra Pavlo Sadokha, presidente da Associação de Ucranianos em Portugal. A incerteza também não ajuda. “Não conseguem prever a sua vida como um cidadão comum. Como vão assinar contratos num mínimo de dois anos?”

O diagnóstico de Afonso Nogueira é rápido. “A grande dificuldade é o pré-Porta de Entrada.” Aos municípios cabe caracterizar os agregados abrangidos e submeter as suas candidaturas ao IHRU. Mas, antes, as famílias têm de encontrar uma casa disponível e de negociar um contrato de arrendamento.

A oportunidade pode perder-se num instante. “O senhorio tem de concordar com a submissão da candidatura ao programa, o que implica entrega de cópia da caderneta predial e de outros documentos”, sublinha Afonso Nogueira. E o mais comum é exigir um fiador, três meses de renda, uma caução, o que “inviabiliza a candidatura de pessoas que vêm de um contexto difícil, com barreira linguística, sem poupança”.

Até ao final de Janeiro, o centro de emergência de Lisboa tinha registado 135 pedidos de apoio ao arrendamento e fora informado da aprovação de 55. Afonso Nogueira acompanhou vários casos e não se lembra de uma candidatura que tenha demorado menos de dois meses a ser diferida.

Ali, no VSI TUT, toda a gente lhe fala no problema da habitação. “Ao fim de um tempo, as famílias que acolheram [refugiados] precisam de ter o seu espaço e as que foram acolhidas também”, nota. “Só há integração se houver estabilidade na habitação. Estamos a receber cada vez mais pessoas em situação crítica. Todas as semanas temos pessoas a dizer que no final do mês vão ficar sem casa.”

Quando se lhe pergunta por soluções, suspira. “Não há muitas.” Recorrem à Santa Casa da Misericórdia, ao ACM, à linha de emergência da Segurança Social (144). O fundo de emergência da Câmara de Lisboa prevê um apoio que pode ir até três meses, mas “muitas famílias já o esgotaram”. “Tem valido a boa vontade da comunidade.”