Luís Villalobos, in Público
Ministra da Habitação tinha falado em efeitos retroactivos, mas o Governo explica agora que a suspensão de AL só vai entrar em vigor no dia seguinte ao da publicação da nova lei.
A suspensão de novos registos de alojamento local (AL) é uma das principais medidas que visam o sector no âmbito do pacote Mais Habitação, mas ainda vai demorar algum tempo até ser aplicada. E, ao contrário do que sinalizou a ministra que tutela o sector, Marina Gonçalves, sem retroactividade.
Questionada sobre o momento em que entrará em vigor a suspensão, e sobre os efeitos retroactivos, fonte oficial do Ministério da Habitação adiantou ao PÚBLICO que “o projecto de proposta de lei prevê a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, pelo que a suspensão de emissão de novos registos de AL apenas ocorrerá a partir da data de entrada em vigor da lei que o determine”.
Todas as propostas de alteração ao diploma em vigor “constam de um projecto de proposta de lei, pelo que todas serão objecto de debate e apreciação pela Assembleia República”, refere a mesma fonte, culminando o processo com a publicação em Diário da República. Assim, até esse momento, os novos registos efectuados acrescem ao número de AL já existentes, e que totalizavam no final da passada sexta-feira 110.217 (dos quais 70.899 são apartamentos), embora nem todos estejam activos.
“Sobre a suspensão das novas licenças de alojamento local o processo legislativo vai agora começar”, afirmou a 16 de Fevereiro a ministra, Marina Gonçalves, em declarações aos jornalistas, no âmbito da conferência de imprensa de apresentação do Mais Habitação.
“Vamos ter ainda a discussão pública, vamos fazer nova aprovação e depois o envio para o Parlamento. Portanto, tem o seu processo legislativo, mas aquelas que são as medidas que pressupõem a suspensão da atribuição de novas licenças irão retroagir àquele que é o momento da entrada do diploma no Parlamento, da discussão que se inicia agora”, acrescentou na altura.
Novos registos dão sinais de aceleração
Desde o 17 de Fevereiro (logo após a conferência de imprensa) até à passada sexta-feira, dia 10 de Março, já deram entrada mais 1677 pedidos no registo nacional de alojamento local (RNAL), dos quais 971 são de apartamentos. Este valor é superior em 83% ao mesmo número de dias imediatamente anteriores e em 133% e 98% em relação ao mesmo período de 2019 (pré-pandemia) e de 2022, respectivamente.
O distrito de Faro foi o que teve mais registos no período em análise, com 723 novos registos (destacando-se os concelhos de Albufeira e de Portimão), cabendo outros 242 ao distrito de Lisboa (36 no concelho da capital, abaixo dos 66 de Cascais) e 83 ao distrito do Porto (36 no concelho). Juntos estes três distritos concentraram 62,5% do total de novos pedidos.
Os pedidos de registo de AL têm de passar pelas câmaras, mas estas têm um período de tempo fixado para se opor, e com necessidade de fundamentação.
De acordo com a lei em vigor, pode haver oposição à comunicação prévia de registo “se, num prazo de dez dias contados a partir da sua apresentação ou num prazo de 20 dias no caso dos hostels”, o município verificar os seguintes fundamentos no AL: “incorrecta instrução da comunicação prévia com prazo”; “vigência do prazo resultante de cancelamento de registo”; “violação das restrições à instalação decididas pelo município”, ou “falta de autorização de utilização adequada do edifício”.
As excepções à medida
Na proposta que está em consulta pública, o Governo define que vai suspender a emissão de novos registos de alojamento até 31 de Dezembro de 2030, “com excepção das zonas para alojamento rural, nos termos a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, habitação e coesão territorial”.
A medida não abrange quem ainda tenha hipotecas e, nesses casos, a validade dos registos “pode ser estendida até à data da amortização integral”. Por outro lado, também não se aplica às regiões autónomas.
Depois do final de 2030, passa a haver um limite de cinco anos para os registos (contados a partir da data da comunicação prévia), tendo os titulares de requerer a sua renovação “até 120 dias antes do seu termo, sob pena de caducidade do mesmo”. A renovação, diz o diploma do Governo, “carece de autorização expressa da câmara municipal territorialmente competente”.
Condóminos com mais poder para fechar AL
Uma das outras alterações que o Governo quer aplicar é a que dá mais poderes aos condomínios para fechar os AL que já existem.
De acordo com a proposta, o AL que já exista num prédio poderá ser encerrado, se essa for a decisão de “mais de metade da permilagem do edifício”. O objectivo do executivo é o de, com a aplicação das várias medidas que estão em cima da mesa, incentivar “à transferência de fogos em alojamento local para o arrendamento habitacional”.
“No caso de a actividade de alojamento local ser exercida numa fracção autónoma de edifício ou parte de prédio urbano susceptível de utilização independente, a assembleia de condóminos, por deliberação de mais de metade da permilagem do edifício, pode opor-se ao exercício da actividade de alojamento local na referida fracção, salvo quando o título constitutivo expressamente preveja a utilização da fracção para fins de alojamento local ou tiver havido deliberação expressa da assembleia de condóminos a autorizar a utilização da fracção para aquele fim”, lê-se no documento em consulta pública.
“A partir de agora, cada reunião de condóminos poderá significar empresas de AL encerradas”, constata a associação do sector, a Alep. Actualmente, o que está previsto na lei, desde a alteração feita em 2018, é que a assembleia de condóminos pode, se for essa a intenção de mais de metade dos condomínios “opor-se ao exercício da actividade de alojamento local” que exista numa fracção.
É preciso, no entanto, que haja “uma deliberação fundamentada”, decorrente, diz a lei, “da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio”, bem como “de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”. Uma vez feita essa deliberação fundamentada, a reclamação segue para a câmara municipal em questão, a que cabe pronunciar-se sobre a decisão final.
“Se desde a alteração da lei em 2018, com a criação de um mecanismo de oposição simples e gratuito por parte do condomínio em casos de distúrbios comprovados, apenas se verificou uma centena de pedidos de oposição às câmaras, então acreditamos que seja possível encontrar uma fórmula de convivência equilibrada do AL nos condomínios”, refere a Alep no seu site, em reacção à proposta de lei em consulta pública até ao próximo dia 24 (após o prazo ter sido prolongado).
Para a Alep, a proposta do Governo “contém um articulado legislativo devastador” para o AL, um sector, que, diz, “representa 42% das dormidas a nível nacional”. Esta associação, presidida por Eduardo Miranda, vai apresentar na próxima quinta-feira o que diz ser “um caminho alternativo a este pacote legislativo”.
Esta terça-feira, a Associação da hotelaria, restauração e similares de Portugal (Ahresp), afirmou que proposta do executivo pode “levar à extinção de uma actividade que é das mais relevantes para a nossa economia e para o destino Portugal”, defendendo a reversão de propostas como a da suspensão dos registos e a atribuição de novos poderes dos condomínios, bem como a da criação da contribuição extraordinária sobre o AL.