27.3.23

Humanos, mas pouco

Lisa Gambini, in Penacova Actual

Em teoria, o residente de um qualquer lar de idosos deve ser tratado com dignidade e humanidade, receber os cuidados de saúde e bem-estar de que necessita e ser estimulado a ter uma vida social ativa com os restantes residentes. Deve ainda ser promovido o envelhecimento ativo, com atividade física e/ou cognitiva adequada. Isto, em teoria.

Deploravelmente, a realidade revela-se bem diferente (exceções à parte) e as últimas noticias de negligência e maus tratos em lares de idosos, não podem deixar de nos chocar profundamente enquanto cidadãos e enquanto sociedade.

Notícias destas, infelizmente, não são novas. Muitas outras têm vindo a surgir ao longo dos últimos anos e não só reportam que não há qualquer estimulação física, cognitiva, nem são proporcionados os adequados momentos de socialização ao idoso, como, muito mais grave, que os básicos dos básicos não são minimamente assegurados e que, para além disso, ainda é infligido ao idoso um sofrimento desumano.

Um o idoso que não é alimentado e hidratado condignamente, que não recebe cuidados de higiene adequados e ao qual não são prestados os necessários cuidados de saúde, é um idoso negligenciado. Ora, isto já por si é altamente reprovável e preocupante. Mas, como se não bastasse, a estes atos de negligência juntam-se, muitas vezes, graves situações de maus-tratos, físicos e psicológicos, que vergonhosamente existem (e existirão) por detrás de tantas fachadas aparentemente insuspeitas.

Ora, cada vez que são divulgados e conhecidos casos de negligência e maus-tratos a idosos nas instituições que os “acolhem”, a sociedade acorda para este problema e choca-se (com toda a razão)… mas por pouco tempo.

Tamanha desumanidade, falta de respeito pelos mais velhos e total ausência de empatia, por parte de quem se espera a prestação dos devidos cuidados, atenção e até carinho, é também inevitavelmente imputada a todo o sistema, que tem mostrado pouca visão estratégica para o problema do envelhecimento das sociedades e da resposta a dar às necessidades das pessoas idosas. Estamos a falar de seres humanos, com uma história de vida, que já contribuíram de alguma forma para a sociedade e que têm (obrigatoriamente) de ser tratados de forma condigna e humana. Caso contrário estamos a desrespeitá-los e a desrespeitarmo-nos.

Com o aumento significativo da esperança média de vida, o envelhecimento da população é inevitável, mas quer-se saudável, digno e com respostas sociais adequadas. De nada serve prolongar a vida se o seu fim se perspetiva tão cruel.

É, pois, vergonhoso e assustador para todos nós, enquanto sociedade e enquanto filhos, netos, familiares, amigos, mas também (não nos esqueçamos!) futuros idosos, que situações destas ocorram por detrás de portas que nos fazem crer ser instituições sérias e profissionais. E isto continua e continuará a acontecer se não houver sensibilização, investimento e implementação de medidas efetivas de mudança.

Face à nova realidade da sociedade, onde se verifica o aumento do número de pessoas idosas e a incapacidade de resposta por parte das famílias, um planeamento estratégico, com planos de ação coordenados e articulados entre a Segurança Social, o SNS, os prestadores, as autarquias, as famílias e o próprio idoso (que notoriamente é o mais vulnerável dos intervenientes), é urgente.

Sejamos humanos, respeitemos os nossos idosos e não nos esqueçamos que seremos, nós próprios, os próximos velhos da sociedade.