Marta Henriques Pereira, opinião, in Expresso
Num mundo dominado por interesses geopolíticos, estratégias para aumentar o número de portugueses na União Europeia e nas Organizações Internacionais são sem dúvida necessárias.
A Resolução do Conselho de Ministros n.132/2022, de 23 dezembro de 2022, veio aprovar as Estratégias de Reforço da Presença de Funcionários Portugueses nas Instituições Europeias e em Organizações Internacionais, devido ao decréscimo no número de funcionários portugueses nas organizações internacionais. Propõe assim ações de desenvolvimento individual e de competências para um maior sucesso nos processos de recrutamento de candidatos a postos quer na União Europeia(UE) quer em Organizações Internacionais (OI).
A minha reflexão neste artigo baseia-se nos meus 20 anos de trabalho internacional com as Nações Unidas, União Europeia e cooperação australiana, na área da Boa Governação. Na minha experiência, o sucesso das políticas públicas é determinado pela identificação dos objetivos estatais que se pretendem alcançar, a forma como os trabalhos preparatórios são realizados, e a alocação dos adequados recursos humanos e financeiros para a implementação.
No meu ponto de vista, a Estratégia parece errar o alvo. Quer dizer, há uma clara preferência pelo apoio da entrada de portugueses nas instituições europeias em detrimento das OI. Se considerarmos o sistema das Nações Unidas como um dos grandes empregadores dentro das OI, constatamos que emprega cerca de 37.000 pessoas, para um universo de população global de 8 mil milhões, enquanto o sistema da União Europeia emprega 60.000 pessoas, para servir cerca de 747,6 milhões de europeus.
Em termos percentuais, o sistema da ONU apenas emprega 0,00046 % da população mundial, enquanto o sistema da União Europeia emprega 8,02% da população europeia. É fácil de entender que a concorrência para postos na ONU é significativamente superior. Assim, o esforço do Estado português deveria ser proporcional para “garantir uma representação equitativa, equilibrada e sustentada”.
As estratégias internacionais de colocação de nacionais nas diferentes OI não é uma prática nova e tem sido parte integrante das políticas externas de inúmeros países. A título exemplificativo, o programa australiano Australia Assists e implementado pela organização Red R. Esta organização, independente do governo australiano é responsável pela colocação de peritos (australianos e de outras nacionalidades) em diferentes organismos internacionais ou diretamente em sectores governamentais de países considerados estratégicos, de acordo com as políticas internacionais delineadas previamente pelo governo australiano.
Esta estratégia é usada por muitos países, incluindo a Noruega, através do Norwegian Refugee Council (NRC). Outros países, como a Suécia, optam por incluir nas suas contribuições extraordinárias para a ONU uma verba para recrutamento de nacionais do seu país afeto aos programas que pretendem financiar.
Além disso, os nacionais colocados nas OI e nas missões da UE têm reuniões com os respetivos Ministérios dos Negócios Estrangeiros ou com as agências que fazem o recrutamento e enviam relatórios regularmente de forma a dar conhecimento do trabalho que fazem, contribuindo para gerar informação a ser usada na preparação de dossiers de políticas externas. Nos processos de recrutamento internacional, os países com défices de representação são enumerados, de maneira a revelar transparência e a salientar que candidatos desses países terão prioridade no recrutamento. Nas múltiplas candidaturas que submeti nunca vi Portugal como sendo referenciado.
O que parece ser uma tendência internacional de sucesso é a criação de plataformas institucionais para a colocação de indivíduos cujas competências estão alinhadas com áreas e países preferenciais, previamente identificados nas respetivas políticas externas. A arquitetura da estratégia portuguesa parece muito centrada para a preparação e desenvolvimento de competências e atitudes individuais dos potenciais candidatos, mas sem o complemento da criação de parcerias institucionais para facilitar o recrutamento, assim, na mentalidade: “vai e que Deus te acompanhe.”
Ressalvo que a minha carreira foi conquistada “a pulso”, sem qualquer apoio do Estado português. Mas contar apenas com a capacidade individual de cada um dos portugueses de trilhar o seu próprio caminho não parece uma boa estratégia para aumentar o número de portugueses nas OI.
A seriedade com que Portugal encara esta necessidade identificada devia ser traduzida em políticas públicas na matéria que reflitam um maior amadurecimento das estratégias internacionais portuguesas e, acima de tudo, maior conhecimento do que outros países já andam a fazer há anos, com altas taxas de sucesso.