17.4.23

Acesso à bonificação de juros no crédito à habitação vai ser mais difícil

Rosa Soares, in Público online

Para o cálculo da taxa de esforço, é considerada apenas a prestação da casa e não os encargos de outros créditos, o que reduz as possibilidades de apoio às famílias.

A medida de apoio às famílias com crédito à habitação que estão a sentir um forte agravamento das prestações, em resultado da subida das taxas Euribor, ainda não está disponível. Os clientes só deverão poder começar a entregar os pedidos em meados de Maio, e a chamada bonificação parcial de juros só deverá chegar em finais desse mês ou mesmo apenas em Junho.

O protocolo a estabelecer as condições concretas em que vai assentar o apoio estatal ao pagamento de juros, apenas a partir de um determinado nível das taxas Euribor, foi fechado esta sexta-feira, dentro do prazo inicialmente previsto — de 15 dias úteis a partir da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 20-B/2023 —, e poderá ser assinado ou anunciado já esta segunda-feira, ou muito brevemente.

A demora na implementação da medida, dadas as alterações que os bancos têm de fazer, nomeadamente nos sistemas informáticos, é um problema para quem já está com dificuldades em pagar a prestação da casa, apesar de estar garantido o pagamento de juros retroactivos a Janeiro de 2023, ou à data em que os créditos se tornaram elegíveis. Mas a maior dificuldade está no acesso à medida. E aqui, além da necessidade de cumprir um conjunto de critérios de acesso muito restritivos, ao nível dos rendimentos e outros, a redacção final do diploma “esconde” uma limitação significativa.

Um alerta feito pela directora do Gabinete de Protecção Financeira da Deco, Natália Nunes, tendo em conta que a fórmula de cálculo da taxa de esforço para aceder à medida é mais limitativa face ao que estava inicialmente previsto, excluindo um maior número de famílias que precisam de ajuda no actual contexto.

Em causa, o apuramento da taxa de esforço — que corresponde à fatia ou percentagem do rendimento (líquido de impostos e contribuições) que o detentor ou detentores de créditos destinam ao pagamento da prestação da casa. E que para garantir a bonificação de juros terá de ser igual ou superior a 35% do rendimento anual do devedor.

Ao contrário do que estava inicialmente previsto, o cálculo da taxa de esforço para aceder à bonificação de juros considera apenas a prestação do crédito à habitação. Assim, uma família com crédito à habitação e outros créditos pode ter uma taxa de esforço elevada, bem acima dos 35%, mas só poderá beneficiar da medida se o encargo isolado do crédito à habitação cumprir aquele requisito.

Este critério, mais restritivo, pode ainda prejudicar algumas famílias mais endividadas. Isso porque as famílias que apresentem uma taxa de esforço igual ou superior a 50% podem aceder à bonificação em condições mais vantajosas, uma vez que a bonificação é feita a partir do momento em que as taxas Euribor ultrapassam os 3%, nível em que já se encontram as taxas usadas no crédito à habitação, a três, a seis e a 12 meses. Se fossem considerados todos os créditos, mais famílias atingiriam os 50%.

Nos casos em que a taxa de esforço é igual ou superior a 35% e inferior a 50%, a bonificação de juros incide sobre a diferença entre a taxa Euribor e o patamar dos 3% ou, se for superior, a partir da taxa de stress, que resulta da soma de mais três pontos percentuais ao valor da taxa no momento da contratação.
Banco de Portugal esclarece

A redacção do diploma é confusa, uma vez que limita a medida a beneficiários que “tenham uma taxa de esforço igual ou superior a 35 % do seu rendimento anual com os encargos anuais de pagamento das rendas ou das prestações creditícias abrangidas pelo presente decreto-lei”, leia-se crédito à habitação, mas também remete para outro decreto-lei, o Decreto-Lei n.º 80-A/2022, de 25 de Novembro, que estabelece o cálculo da taxa de esforço significativa, e que obriga a consulta à Central de Responsabilidade de Crédito, o que só serve para apuramento de todos os créditos e respectivos encargos dos particulares

Entretanto, para o Banco de Portugal (BdP) não há dúvidas de que a medida considera apenas o “peso” do crédito à habitação. “De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 20-B/2023, de 22 de Março, o regime aplica-se a agregados familiares que tenham uma taxa de esforço igual ou superior a 35% do seu rendimento anual, considerando os encargos das ‘prestações creditícias abrangidas pelo presente decreto-lei’.” “Ora — acrescenta o supervisor —, o diploma em causa aplica-se apenas aos contratos de crédito para aquisição, realização de obras ou construção de habitação própria permanente, abrangidos pelo Decreto-lei n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, razão pela qual o apuramento da taxa de esforço, para estes efeitos, só considera estes créditos.”

O BdP remete ainda para o entendimento divulgado no Portal do Governo, onde refere que “são elegíveis para beneficiar desta medida todas as famílias com rendimentos até ao 6.º escalão do IRS, inclusive, e que tenham neste momento uma taxa de esforço com a habitação superior a 35%”.

Além da taxa de esforço, o acesso à medida, que pode garantir no máximo um apoio de 720 euros ao longo de 2023, está limitado ao valor inicial do empréstimo, que tem de ser igual ou inferior a 250 mil euros, e tem de se encontrar em situação regular. O rendimento do titular do contrato ou dos dois titulares, se for o caso, terá de “caber” no sexto escalão do IRS, ou seja, não pode ser superior aos 38.632 euros brutos anuais. Ou, estando acima desse valor, no caso de ter sofrido uma quebra superior a 20% do seu rendimento, que o enquadre até ao limite máximo do sexto escalão. E ainda não possuir património financeiro acima de 29.786,66 euros (62 vezes o Indexante de Apoios Sociais, de 480,43 euros por mês, deste ano), onde se incluem depósitos, instrumentos financeiros, seguros de capitalização, planos poupança reforma ou certificados de aforro ou Tesouro.