4.9.23

Há pelo menos uma década que não se reformavam tantos professores antes do início do ano lectivo

Samuel Silva, in Público

Só neste mês de Setembro, 387 profissionais deixam as escolas e, desde o início do ano, são mais de 2200. Aposentações agudizam cenário de falta de docentes.


Quase 400 professores e educadores foram para a reforma neste mês de Setembro, em que arranca um novo ano lectivo. Há pelo menos uma década que não havia tantas aposentações no momento do regresso às aulas – agendado para os dias 12 a 15. Desde Janeiro, saíram das escolas mais de 2200 docentes, quase tantos como nos 12 meses do ano anterior.

De acordo com informação disponibilizada pela Caixa Geral de Aposentações (CGA), passaram a reunir condições para a aposentação neste mês 387 professores e educadores de infância (29 são educadores, os restantes professores). Há um ano, 257 docentes deixaram as escolas no mês de arranque do ano lectivo. Ou seja, há um aumento de 50% das aposentações em Setembro face ao período homólogo.

A análise feita pelo PÚBLICO recua apenas até 2013. Nesse período, nunca tinha havido um mês de regresso às aulas com tantos professores e educadores a aposentarem-se. Em 2021, foram 223 docentes a deixar as escolas neste mês.

Este número tem vindo a crescer desde 2019, quando se reformaram 128 professores em Setembro. No ano seguinte, foram 155. Antes disso, é mesmo preciso recuar dez anos para encontrar um arranque de ano lectivo com mais de 100 aposentações – foram 114 nessa ocasião.


Recorde até final do ano

Entre Janeiro e Setembro deste ano, aposentaram-se 2207 docentes (destes, 158 são educadores). Em igual período do ano passado, saíram das escolas 1666 professores.


A grandeza do número de aposentações ganha ainda mais força se for levado em consideração que, em todo o ano de 2022, reformaram-se 2401 docentes – e esse era já o número mais elevado desde 2013. Ou seja, é muito provável que se atinja um novo máximo de professores reformados da última década.


De acordo com previsões feitas pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), o total de aposentações de professores e educadores deve ultrapassar os 3500 até ao final de Dezembro. Se assim for, “quer dizer que, em dois anos, o número de professores que se reformaram aumentou 80%”, valoriza o secretário-geral da organização sindical, Mário Nogueira.



É um cenário “brutal”, classifica o dirigente, e que “vai continuar, a seguir”. O “Estudo de diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030”, feito por investigadores da Universidade Nova de Lisboa e que foi apresentado em Novembro do ano passado, antecipava a necessidade de contratar 34 mil professores para o ensino público até ao final desta década, atendendo à progressão das reformas dos docentes e tendo já em conta a evolução da natalidade. “Isto é reflexo do envelhecimento a que se deixou chegar a profissão” docente, lamenta Mário Nogueira.



“Queria ter um ano calmo”

O PÚBLICO analisou os dados disponibilizados pela CGA agrupamento a agrupamento, sendo notório que, um pouco por todo o país, há várias escolas que perderam sete, oito ou nove professores desde o início do ano civil. Já a maioria dos agrupamentos onde se aposentaram dez ou mais docentes situa-se na Área Metropolitana de Lisboa, que é não só a área mais populosa do país, mas também aquela que se tem deparado com maiores problemas de falta de docentes nos últimos anos.

Nenhum agrupamento perdeu tantos professores como o da Caparica, no concelho de Almada. Desde Janeiro, 15 docentes foram para a reforma. O ano lectivo passado foi “complicado”, com novas saídas todos os meses, conta a directora, Isabel Santos. “As pessoas estão cansadas e, assim que podem, saem”, sublinha, ainda que um par de colegas tenha aceitado continuar em funções até ao final do 3.º período para evitar que os alunos ficassem sem turma, face às dificuldades de encontrar substitutos.
A cada nova reforma, a escola teve de encontrar um professor, um processo cada vez mais “difícil”, segundo a directora. No ano passado, conseguiu suprir as necessidades recorrendo à contratação de escola. Mas “cada vez é mais escasso” o número de docentes disponíveis, pelo que Isabel Santos teme que os próximos meses sejam atribulados.

“Eu queria ter um ano lectivo calmo”, confessa, “mas não sei se vou conseguir”. Para já, as indicações não são positivas. Dos 60 horários que a escola indicou ao Ministério da Educação necessitarem de um professor, um terço ficou vazio no primeiro momento das colocações.
AumentarA cada nova reforma, a escola teve de encontrar um professor, um processo cada vez mais “difícil”, segundo a directora. No ano passado, conseguiu suprir as necessidades recorrendo à contratação de escola. Mas “cada vez é mais escasso” o número de docentes disponíveis, pelo que Isabel Santos teme que os próximos meses sejam atribulados

Por exemplo, no grupo de recrutamento de Físico-Química, ficaram sem professor dois dos três requisitados. A Inglês, o cenário é ainda pior: só foi preenchido um de cinco horários. Mais uma vez, a solução terá de passar pela contratação de escola. “Vamos ver se daqui a uma semana estamos melhor.”

O ano lectivo passado não foi tão complexo no Agrupamento de Escolas Pioneiros da Aviação Portuguesa, na Amadora, porque os 13 docentes que, nos últimos nove meses, passaram a reunir condições para se aposentarem decidiram continuar a dar aulas até ao final do ano lectivo. “São professores com mais de 30 anos de casa, com uma forte ligação à escola e aos alunos”, justifica fonte da direcção.

Para já, todos os horários pedidos pela escola foram preenchidos. Agora, segue-se um ano lectivo de “muitas mudanças”, com “muitas caras novas” no corpo docente. “Não é um problema, o sangue novo era necessário”, precisa a mesma responsável.

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