Joana Pereira Bastos, Lusa, in Jornal Público
Pelo menos 43 mil licenciados desempenhavam em 2007 trabalhos de baixa qualificação ou não qualificados, como limpezas ou construção civil, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Sem emprego nas suas áreas, dizem-se "dispostos a tudo" para sobreviver.
De acordo com números estimados pelo INE com base no Inquérito ao Emprego, 7200 pessoas com formação académica superior estavam, no ano passado, empregadas em trabalhos não qualificados.
Vendedores por telefone ou ao domicílio, pessoal de limpeza, lavadeiras e engomadores de roupa, empregadas domésticas ou estafetas são alguns dos exemplos constantes da lista de trabalhos não qualificados, segundo a classificação nacional de profissões.
A estes, somam-se mais de 35.800 licenciados em trabalhos de baixa qualificação (nas quais se integram, segundo o INE, categorias como "operadores de máquinas e trabalhadores de montagem", "operários, artífices e trabalhadores similares" ou "pessoal dos serviços e vendedores").
No total, são 43 mil os diplomados nestas situações, mais cinco mil do que em 2006. No entanto, o verdadeiro número de pessoas com excesso de formação para o trabalho que desempenham pode ser muito superior, uma vez que aquele conjunto não abrange os 46 mil licenciados que integram o "pessoal administrativo e similares", uma categoria que inclui empregados de recepção, telefonistas ou cobradores de portagem, por exemplo, além de funções mais qualificadas como escriturários ou gestores de conta bancária.
"Estão a aumentar os casos de não correspondência entre as habilitações e o tipo de trabalho", disse à Lusa Marinus Pires de Lima, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e especialista em Sociologia do Trabalho. Isto deve-se, por um lado, "ao aumento do desemprego e, por outro, à falta de articulação entre as universidades e o mercado de trabalho". A formação nem sempre corresponde às necessidades, acrescenta.
Apesar do número de diplomados por ano ter quase duplicado entre 1997/98 e 2005/06 - atingindo os 71.828 -, Portugal continua a ser o segundo país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com a menor percentagem de pessoas com formação académica superior, apenas à frente de Itália.
Ainda assim, os diplomados têm cada vez mais dificuldade em arranjar colocação. A taxa de desemprego entre as pessoas com habilitações superiores mais do que duplicou desde 2002 e hoje são quase 60 mil os que não conseguem um lugar no mercado.
Fartos de esperar por um emprego condicente com os anos que dedicaram aos estudos, muitos jovens licenciados "arrumam" o diploma na gaveta e dirigem-se a empresas de trabalho temporário, dispostos a aceitar qualquer tarefa por qualquer remuneração.
"Cerca de 80 por cento de todos os currículos que recebemos são de licenciados. São sobretudo da área das Ciências Sociais, embora também comecem a aumentar na área das Ciências Exactas", disse à Lusa Sónia Silva, directora da Select, uma das maiores empresas de trabalho temporário a operar em Portugal.
Só no mundo dos call centers, onde o pagamento à hora fica em média pelos 2,5 euros, 35 por cento dos cerca de 7500 operadores têm um curso superior.
Também nos super e hipermercados são cada vez mais os diplomados na reposição de stocks ou atrás das caixas registadoras. O grupo Auchan, proprietário das marcas Jumbo e Pão de Açúcar e um dos líderes no sector da distribuição alimentar, não foge à regra.
Cerca de dez por cento dos seus 7100 colaboradores têm um "canudo"; 270 são operadores de caixa.
PS, CDS e BE reagiram ontem a estes números. Consideram que existe, desde há anos, uma desarticulação entre as necessidades do mercado de trabalho e a política educativa. E o deputado do CDS Pedro Mota Soares defendeu mesmo a "publicação de um ranking das universidades pela taxa de colocação de licenciados no mercado".
Ana Drago, do BE, afirmou que o problema só tem solução se forem tomadas medidas complementares ao nível da "modernização da própria economia". "Grande parte do que é hoje o tecido económico nacional é muito pouco competitivo, muito pouco modernizado e pouco adaptado àquilo que são as exigências do mercado europeu. Isso tem conduzido a que muitos jovens que têm apostado na sua formação não consigam de facto encontrar emprego."
Também o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga, defendeu uma maior aposta em políticas de apoio aos jovens que procuram o primeiro emprego: "Criar condições de igualdade de oportunidades para todos deve ser a primeira responsabilidade dos poderes políticos e das autoridades".
"A realidade do primeiro emprego é uma situação que me preocupa, porque se trata de um problema nacional", disse, lembrando que o "trabalho é um direito para todo e qualquer cidadão".
35% Percentagem de operadores de call centers que possuem uma licenciatura, segundo uma empresa de emprego