Ana Cristina Pereira, in Jornal de Notícias
Levantamento feito por ONG de mulheres indica que com elas morreram três descendentes: dois de 11 e uma de 21 anos
Margarida foi a última - a última mulher a protagonizar uma notícia por homicídio doméstico. Faltavam três dias para o Natal. Henrique pegou na arma e disparou sobre ela, sobre o filho dela, sobre si próprio. O miúdo tinha 11 anos, era o mais novo de três enteados, o único que a mãe trouxera para morar naquele 2.º andar da Rua Fernando Pessoa, em Lisboa.
Pelas contas a apresentar hoje pela organização não governamental União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), ao longo de 2007, 21 mulheres foram assassinadas por homens com quem mantinham ou tinham mantido uma relação íntima. Com elas morreram três descendentes - o filho de Margarida e as filhas de Idalina (uma com 11 anos e outra com 21).
Isabel Rute tinha 36 anos e foi morta à pancada pelo companheiro. Maria do Rosário já apresentara queixa: foi morta por asfixia. Maria José tinha 20 anos e acabara o namoro. Nazaré Fernandes ia nos 50 quando o marido lhe deu um tiro mortal. Carla Cristina foi baleada e atirada à água. O marido, que participou nas buscas, aguarda julgamento em prisão preventiva.
Maria José Magalhães, responsável pelo Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR, não se atreve a traçar um perfil do agressor: tanto é novo como velho, tanto é urbano como rural, tanto mora com a vítima como se está a separar ou já se separou dela. Une-os "a mesma forma de pensar as mulheres, as relações com elas: sentem-se seus proprietários".
O marido de Idalina deu-lhe um tiro de espingarda, o de Maria Domitília também. O ex-marido de Maria do Rosário usou uma faca, o de Adelina também. Cláudia contava 21 anos quando sucumbiu a um tiro disparado pelo ex-namorado, Maria Manuela ia nos 51 quando o marido a alvejou. Paula Cristina estava a divorciar-se de um ex-agente da PSP, o suspeito da morte de Olívia já sofria de Alzheimer. Adelaide morreu por estrangulamento, Lúcia com queimaduras.
Quinze mulheres mortas pelo marido, companheiro ou namorado, quatro por ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado, uma pelo neto. Podia ter sido "ainda pior", como diz Maria José Magalhães. A equipa do Observatório das Mulheres Assassinadas coligiu 40 vítimas de tentativa de homicídio por parte de marido, companheiro ou namorado, 14 por parte de ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado, três por parte de familiares. Aqui, como nos homicídios conjugais consumados, aparecem "vítimas associadas": seis. A lista peca por defeito. Estes são os homicídios noticiados por dois jornais de tiragem nacional. Ora, nem todos os homicídios são objecto de notícia, nem todos chegam aos jornais de maior tiragem. E alguns dos noticiados como tentados podem acabar por se tornar consumados.
Não é por acaso que, na tentativa de quantificar o fenómeno, a UMAR recorre a este tipo de fonte. As estatísticas oficiais portuguesas não atendem às relações existentes entre a vítima e o agressor. A estatística oficial acompanha o sistema legal, que tipifica o homicídio em função da gravidade e do dolo (simples, qualificado, privilegiado, negligente e tentado).