António Vitorino, in Diário de Notícias
Uma das características mais salientes da vida contemporânea tem a ver com o uso (e às vezes abuso) das estatísticas.
Pode-se dizer que nenhum sector da vida nacional está isento de levantamentos estatísticos ciclicamente divulgados pela comunicação social.
Quer se trate de aspectos da vida pública quer do próprio domínio privado dos cidadãos.
Em alguns casos dispomos de séries longas que permitem uma avaliação mais consistente das tendências de evolução. Noutros, contudo, o subjectivismo dos critérios usados na recolha dos dados torna mais difícil a sua leitura e comparação.
Em qualquer caso, os dados recolhidos e a sua avaliação desenvolvem-se cada vez mais no plano europeu como padrão de comparação.
Temos, aliás, estatísticas para todos os gostos. Desde as que se fundam em dados objectivos e, por isso, facilmente mensuráveis, até àquelas que se fundam na (tentativa de) quantificação de percepções subjectivas.
Nesta verdadeira cascata de estatísticas avultam os denominados indicadores sociais referentes ao ano de 2006, que esta semana foram divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Baseados em dados recolhidos por entidades públicas, estes indicadores assinalam algumas tendências evolutivas da nossa sociedade sobre os quais vale a pena ponderar.
Diz o INE que entre 2004 e 2006 a taxa de pobreza da população portuguesa baixou dois pontos percentuais, situando-se nos 18%, dois pontos ainda acima da média europeia.
Descontando os subsídios sociais, que naturalmente minoram a incidência da pobreza, regista-se também uma diminuição da pobreza de 27% para 25%.
Outro dado significativo, em linha com as previsões da evolução demográfica, regista o aumento do número de reformados e pensionistas na população global, que passou de 30 em cada 100 empregados para 32.
A conjugação destes dois dados revela naturalmente a importância dos sistemas de protecção social em Portugal e a pressão crescente que sobre eles decerto continuará a incidir nos próximos anos.
Os progressos na luta contra a pobreza exigem esforços suplementares para que progressivamente nos alinhemos (e desejavelmente superemos mesmo) a média europeia na matéria. O peso relativo crescente dos reformados exige garantias de sustentabilidade do sistema público de segurança social e a dinamização do emprego para salvaguardar a sua componente contributiva. Eis dois exemplos de solidariedade social que justificam as políticas de saneamento das contas públicas, por forma a garantir uma efectiva rede de protecção aos que mais necessitam (desde logo os pobres) e uma solidariedade intergeracional que constitui a base do nosso modelo de coesão social.
Ao mesmo tempo, os indicadores sociais dizem-nos que as famílias sem filhos ou constituídas por uma só pessoa estão a aumentar substancialmente, tendo-se registado um aumento de quase quatro pontos percentuais entre 2000 e 2006, representando agora quase metade do conjunto dos agregados familiares nacionais.
Este dado deve ser lido em conjugação com outro, que assinala o aumento dos nascimentos fora do casamento, que passaram de 22,2% para 31,6% no mesmo período.
Estes dados apresentam-se em linha com a evolução registada na quase totalidade dos países europeus e mostram uma sociedade em acelerada mutação, com profundas consequências nos padrões culturais, de comportamento afectivo e de consumo dos cidadãos.
Esta mudança do perfil da nossa sociedade impõe adaptações das políticas públicas que contemplem, quer no plano dos serviços quer no das prestações sociais, uma adequação às novas necessidades das populações, tanto nos meios urbanos como nas zonas rurais.
Por isso, as novas fronteiras da solidariedade social passam cada vez mais por serviços de proximidade, por prestações sociais diferenciadas e adequadas às necessidades dos destinatários segundo rigorosos critérios de equidade e de justiça relativa, bem como por incentivos selectivos à natalidade e ao apoio às famílias monoparentais. No fundo, uma nova geração de políticas sociais para uma sociedade em mudança.