Bárbara Wong, in Jornal Público
Acompanhada pela professora de ensino especial, Ana (os nomes dos alunos são fictícios) atravessa o pátio da escola a correr e entra no bar. Veste uma bata branca e põe uma touca da mesma cor, que lhe tapa o cabelo comprido castanho, preso num rabo-de-cavalo. Calça umas luvas de silicone. Ana está a fazer um estágio no bar da Escola Básica de 2.º e 3.º ciclos Fernando Pessoa, em Lisboa, onde é aluna.
"São dois chocolates pequenos, daqueles", pede uma aluna. Ana olha para o recibo, sem reacção. Do lado de fora do balcão, forma-se uma fila de alunos que conversam e se empurram. Disfarçadamente, um dos mais alvoroçados mostra a Ana onde estão os chocolates, sem uma palavra, ajuda-a. Devagar, a menina entrega-os e passa ao pedido seguinte. Sempre de olhos baixos, calada e sem expressão facial.
Da mesma idade, Bernardo está na reprografia e com a ajuda de D. Celeste vai fazendo fotocópias, carrega os cartões de colegas e professores, vende canetas, faz os trocos. Dá os "bons-dias", pergunta "se faz favor", despede-se com "obrigado". É despachado e brincalhão. "Tens de escrever um "f"", ensina-lhe D. Celeste, apontando para o teclado do computador que é também máquina registadora. Ele escreve um "g" e, face ao engano, atira à orientadora de estágio: "Você engana-me!"
Ana e Bernardo têm um défice cognitivo e estão na unidade ocupacional da escola Fernando Pessoa. Ou seja, além de frequentarem algumas aulas do 6.º ano, têm um plano adaptado e aprendem a ser autónomos. "É feita uma intervenção mais funcional, para os preparar para a vida activa", explica Lurdes Nabais, vice-presidente do conselho executivo e coordenadora do projecto Preparar o Futuro, feito em parceria com a CERCI de Lisboa.
Na Fernando Pessoa há 19 crianças com deficiência. Oito são casos mais graves de multideficiência, com grandes limitações. Todos têm acompanhamento de técnicos. Mesmo para se movimentarem na escola precisam de apoio, só até se sentirem seguros para o fazer sozinhos. Mas há outros que nunca o farão, admite a responsável.
À medida que vão crescendo, deixam de conseguir acompanhar os colegas da turma, porque as matérias são mais complexas. Por isso, a escola vai trabalhando o currículo ocupacional e vocacional com pequenos estágios, que podem ser feitos na escola, como acontece com Ana e Bernardo. Aprendem a andar na rua, a usar os transportes públicos, a identificar uma loja, a usar o dinheiro. "Tal como para os outros alunos, com estes também queremos promover o seu sucesso", diz.
Multideficientes à parte
Na básica de 1.º ciclo Infante D. Henrique, que faz parte do agrupamento, dos 22 alunos com deficiência, seis estão na unidade de atendimento a crianças com multideficiência. Vêm do Barreiro, Seixal, Loures. Passam a maior parte do dia dentro da sala, mas vão aos recreios, ao refeitório e fazem as visitas de estudo e outras actividades com os restantes alunos.
Nuno e Mariana estão a fazer bolas com papel molhado e cola. Mariana mostra os dedos todos e diz: "Tenho nove anos e para o ano vou fazer estes", retira uma das mãos e deixa quatro dedos à vista.
Felicidade e Paula são as professoras de ensino especial da unidade. O que ali fazem é muito semelhante às actividades em jardim-de-infância, com jogos e expressão plástica. Mas vai além disso. Há meninos a quem é preciso ensinar a comer; outros, a deixar as fraldas. As idades das crianças variam entre os sete e os dez anos. As professoras e auxiliares têm de estar atentas porque um aluno pode ter um ataque de epilepsia ou uma das meninas, que usa uma botija de oxigénio para respirar, pode ter uma falha respiratória. "São situações muito pesadas", confessa Lurdes Nabais. A parceria com a CERCI é essencial, diz a responsável pelo projecto. Todas as semanas, as escolas recebem o apoio de uma educadora social, técnica de serviço social e outros técnicos como o psicólogo, fisioterapeuta, terapeuta da fala, técnico de oficina de expressões e um monitor de jardinagem. "Precisavamos de mais apoios, para que as crianças tivessem mais horas com os técnicos", avalia Lurdes Nabais. "Há pouco tempo tínhamos mais recursos e fazíamos ateliers de culinária, artes plásticas, de cidadania, para todos os alunos da escola, onde promovíamos a inclusão, mas foram-nos retirados [pelo ministério] dois professores e ficámos com mais meninos", queixa-se uma das docentes.
No entanto, nenhuma das professoras tem dúvidas de que é melhor para estas crianças estarem na escola regular. "Queremos que se sintam bem, que tenham a maior qualidade de vida e que se sintam felizes. Não é isso que desejamos a todas as crianças?", conclui Lurdes Nabais.