22.12.09

Passar baixas retira tempo aos médicos

in Jornal de Notícias

Ordem e sindicato querem que qualquer clínico possa passar certificado


Obrigar os doentes a ir ao centro de saúde pedir baixa retira tempo assistencial aos médicos. E não evita fraudes, garantem os profissionais. Defendem que qualquer clínico possa assinar certificado de incapacidade temporária.

A obrigatoriedade nasceu da necessidade de combater "aquilo que muitas vezes acontecia", justificou ontem a ministra da Saúde, confrontada com a sugestão da Ordem dos Médicos (OM) e da Federação Nacional dos Médicos (Fnam) de retirar aos centros de saúde a exclusividade na passagem de certificados de incapacidade temporária. "Havia algumas situações de fraude e por isso o Ministério do Trabalho tem vindo a fazer diligências e auditorias dessas mesmas incapacidades", explicou Ana Jorge.

Por muito bem intencionado que seja, o actual modelo, em vigor desde 2007, só veio atrapalhar, garantem os médicos. E "não é afunilando a passagem das baixas no centro de saúde que se resolve o problema das fraudes", diz Mário Jorge Santos, da Fnam. Embora admita não conhecer casos concretos, acredita que, "como em qualquer sistema, este tipo de medidas podem ser contornadas". E o que resulta é um aumento da burocratização prejudicial para utentes e para o funcionamento das próprias unidades.

Os doentes atendidos por médicos privados ou até mesmo no hospital acabam por ter de ir ao centro de saúde pedir um simples papel ao médico de família. Que nem vê o utente, mas tem de perder tempo com "papelada". "O aumento da sobrecarga dos médicos de família dos centros de saúde resulta numa diminuição da capacidade assistencial, porque ficam afogados no preenchimento de papéis e mais papéis, que rouba uma fatia importante do horário de trabalho. E a isto acresce a carência de médicos de família para cobrir toda a população", explica Mário Jorge Santos.

"Os prejuízos para o funcionamento dos centros de saúde foram bem maiores do que os ganhos no combate à fraude", diz o sindicalista, lembrando ainda a situação dos subsistemas públicos de saúde. Os utentes podem ir a qualquer médico e devem seguir, depois, para o médico de família. Quando não o têm, resta-lhes os "poucos" clínicos com contratos para o efeito com os subsistemas. "Há regiões onde são um ou dois, como em Mafra, por exemplo".

Do seu lado, Pedro Nunes, bastonário da OM, lamenta o "absurdo" de se ir a um médico para se ser tratado e ter de ir a outro "só para pedir o papel!" Pior ainda: "vão à urgência, são atendidos por um médico que, sendo uma situação banal, trata-os e depois reencaminha-os para o médico de família para pedir o atestado, quando este nem os viu". Trata-se de uma repetição de "procedimentos burocráticos-administrativos", a que se somam declarações e afins "para a caça, para a pesca, para a universidade ou para a escola de futebol". E os doentes, nisto, perdem dias no centro de saúde só para pedir um papel e, não raras vezes, em condições de saúde precárias.

A solução passa por qualquer médico, "público ou privado, que acompanha um indivíduo doente com uma doença crónica ou que necessita de uma cirurgia, poder, sob compromisso de honra, passar a declaração", diz Pedro Nunes. Como prevê, aliás, o regime especial criado para a gripe A (ver caixa). Até porque, recorda Mário Jorge Santos, "todo o médico está obrigado aos mesmos princípios éticos e deontológicos e tem alçada disciplinar por via geral e da OM". Restará, depois, pôr em campo um sistema que responsabilize efectivamente quer o médico, quer o doente, o que só é possível com efectiva fiscalização, agora "quase inexistente", garante o dirigente da Fnam.

Já Santos Cardoso, do Movimento dos Utentes da Saúde, sugere que se crie uma consulta específica para estes fins. Não retiraria tempo a consultas, nem obrigaria os doentes a gastar horas desnecessárias nas unidades.

Certo é que a ministra da Saúde não pondera alterar as regras do jogo no imediato, até porque o assunto teria de "ser trabalhado com o Ministério do Trabalho".

Gripe tem regras excepcionais

Foram ontem publicadas em Diário da República medidas excepcionais de certificação da incapacidade temporária para o trabalho ("baixa"), para vigorar até 31 de Janeiro, altura em que se espera que um pico da gripe A deixe de ameaçar o funcionamento dos centros de saúde. O despacho dos ministérios da Saúde e do Trabalho permite que as "baixas" sejam passadas pelos serviços de urgência hospitalar, públicos e privados, bem como pela rede de centros de saúde. Os médicos com convenções com a ADSE também podem passar baixa, tal como os de empresa e medicina do trabalho.