8.2.10

Transferência do cónego da Sé do Funchal para o Machico reacende debate sobre pobreza na Madeira

Por Tolentino de Nóbrega, in Jornal Público

Padre critica bispo por ceder às pressões de Jardim. Governo é acusado de não combater a pobreza


A transferência do cónego Manuel Martins, de vigário da Sé do Funchal para pároco de Machico, fez reacender a polémica sobre a dimensão da pobreza que atinge um quinto da população na Madeira.

Afastado pelo Governo regional do cargo de presidente do Conselho Directivo do Centro de Segurança Social da Madeira, por ter denunciado que 55 mil madeirenses vivem no limiar da pobreza, Roque Martins acusou esta semana o executivo de Alberto João Jardim de não ter " feito nada de relevante" na luta contra a pobreza na Madeira nos últimos anos. "O seu combate foi reduzido a apêndice da estabilidade económica, redundando em iniciativas meramente residuais", diz, apresentando como "mau sintoma" disso as últimas reacções do executivo às declarações do presidente da Rede Europeia Antipobreza.

O governo madeirense admitiu processar judicialmente o presidente daquela organização, padre Jardim Moreira, por ter denunciado que por detrás do afastamento de Manuel Martins da Sé do Funchal estiveram pressões políticas exercidas sobre o bispo António Carrilho pelo facto deste cónego ter falado, nas suas homilias, "na defesa das crianças e dos pobres". O porta-voz da diocese negou a existência de pressões e reafirmou que a saída do cónego, anunciada após uma polémica com o Governo e concretizada antes das eleições autárquicas e legislativas, ficou a dever-se a um pedido pessoal do próprio.

Depois das "denúncias feitas no contexto político que se conhece muito bem que é o da Madeira, mesmo que todos se esforcem agora para provar que não existiram pressões e que o próprio desejava essa transferência, poucos acreditam", comenta o padre José Luís Rodrigues. No seu blogue, este pároco de São José e São Roque, no Funchal, escreve que neste caso "todos estiveram mal". Em primeiro lugar "o próprio cónego, que nunca deveria ter pedido para sair após as suas denúncias sobre a pobreza, que é terrível entre nós". "Noutros ambientes, que não os da Igreja, mas de um qualquer partido político ou grupo social, pensar-se-ia que tal pedido de transferência seria uma armadilha contra o chefe. Seria um golpe de mestre. Mas, em ambiente de Igreja, seria maquiavélico pensar tal situação", acrescenta.

Na opinião do pároco, o bispo da diocese "também esteve muito mal, porque, estrategicamente, nunca deveria mudar um padre ou outro colaborador qualquer quando está sob pressão, mesmo que tenha em seu poder todos os argumentos que salvaguardem a sua tomada de decisão. Agora, mesmo que se derramem todos em milhentas justificações, fica para sempre a polémica e a maior parte da sociedade não acredita".

Quanto ao terceiro interveniente, o Governo regional, "esteve bem na primeira parte da polémica, serenamente calado, porque a transferência assentava como uma luva e vinha satisfazer o seu desejo". Depois, "sem pressões ou com elas, dizer que pondera processar judicialmente o padre Jardim Moreira parece-me dar um tiro no pé e levanta ainda mais desconfianças".

Fundamentalmente, "perdem os pobres que o são de verdade", incluindo "tantos que estão escondidos", conclui o padre José Luís Rodrigues. E apela às autoridades para que "se concentrem em tomar medidas eficazes para acabar com esse verdadeiro flagelo que é não ter o mínimo para viver e ser feliz". Segundo o ex-director da Segurança Social na Madeira, "a persistência, se não o seu aumento da pobreza nos últimos anos, continua a ser um dos maiores desafios do Governo regional e da sociedade madeirense".

Num artigo publicado no Diário Cidade, Roque Martins considera a pobreza uma questão política, tal como a fome é "substancialmente uma questão política, não apenas agrícola ou técnica". "A pobreza", escreveu, "é a face mais negra de uma sociedade injusta que ainda pretende viver do privilégio de uma pequena minoria contra as grandes maiorias, os pobres e oprimidos".