Por João Manuel Rocha, in Jornal Público
O mundo está mais humano em algumas regiões, mas os avanços têm sido mais lentos do que o desejável. ONU apela à mobilização
O retrato tem pontos de luz, mas muitas zonas de escuridão: há países e regiões que têm conseguido resultados em áreas como a escolarização infantil, mas a pobreza e a fome, que pareciam recuar, tendem a agravar-se. Os progressos são muito desiguais conforme as regiões. Quando restam cinco anos para cumprir os Objectivos do Milénio fixados em 2000, e muitas metas parecem difíceis de alcançar, as Nações Unidas apostam no toque a reunir.
A necessidade de andar mais depressa é vincada no relatório Keeping the promise, divulgado em Março pelo secretário-geral, Ban ki-moon. O documento identifica êxitos e lacunas no caminho percorrido e pretende servir de base a um programa de acção a adoptar pelos dirigentes mundiais quando, em Setembro, se reunirem na cimeira das Nações Unidas em Nova Iorque. "Não podemos desiludir milhares de milhões de pessoas", afirma.
Um balanço actualizado será feito em Junho, mas os dados disponíveis indicam que há muito por fazer. "Se falharmos, os perigos no mundo - instabilidade, violência, epidemias, degradação ambiental, crescimento populacional descontrolado - vão multiplicar-se", receia Ban.
A convicção das Nações Unidas é de que é preciso mudar. "Se as coisas continuarem como estão, não vamos atingir todos os oito objectivos, mas houve sucessos magníficos proporcionados pela criação de metas claras", disse ao PÚBLICO Maria Martinho, da Unidade de Indicadores para o Desenvolvimento da organização, e que se declara optimista desde que quer países em desenvolvimento, quer desenvolvidos cumpram a sua parte.
O combate à pobreza e à fome, Objectivo 1, é crucial. Um fracasso condiciona o êxito de todos os outros. As estimativas do Banco Mundial divulgadas em 2008, utilizando como indicador do limiar de pobreza já não o rendimento de um dólar mas de 1,25 mostram que a situação era pior do que se pensava: 1,4 mil milhões de pessoas viviam em 2005 em pobreza extrema nos países em desenvolvimento. A preocupação actual é de que a crise tenha agravado ainda mais a situação. A subida de preço dos alimentos aumentou também a fome, que afectaria mais de mil milhões de pessoas em 2009.
A redução da mortalidade infantil e a melhoria da saúde materna serão os objectivos em que menos se avançou. A redução em dois terços da mortalidade de crianças será das metas mais difíceis de alcançar. O principal problema está na África subsariana, onde se perdem metade dos menores de cinco anos que morrem em países em desenvolvimento. Uma criança que nasça num país em desenvolvimento tem uma probabilidade 13 vezes maior de morrer até aos cinco anos do que uma que nasça num país desenvolvido.
A saúde materna é assumidamente o "domínio em que os Objectivos do Milénio avançaram menos". Também aqui é na África subsariana que mais longe se está dos objectivos: o risco de morte por complicações de gravidez ou parto ameaça uma em cada 22 mulheres, contra uma em 7300 nos países desenvolvidos.
Os quase dez anos que passaram sobre a proclamação de 2000 permitiram tirar lições. "Os países com melhor desempenho adoptaram combinações pragmáticas de políticas, reforçando as capacidades nacionais. A cooperação internacional deve apoiar o reforço das capacidades internas", refere o secretário-geral no seu relatório. No novo "pacto", Ban quer envolver governos, sociedade civil, empresas, filantropos e entidades multilaterais, e deseja que cada um use o melhor dos seus meios de modo "eficiente, efectivo e colectivo".
Numa entrevista ao PÚBLICO em Novembro, Helen Clark, administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, defendeu uma análise "país por país" e a troca de experiências. "O que faz uma tremenda diferença é o nível de liderança do país", porque "honestidade, ausência de corrupção, boa governação, boa liderança, boas instituições, lei são aspectos com impacto na concretização dos objectivos.
Só em 2015 serão possíveis balanços finais, mas a convicção das Nações Unidas de que o mundo tem condições para alterar o rosto do planeta não mudou em dez anos. "O nosso mundo possui os conhecimentos e os recursos necessários para realizar os Objectivos", diz o secretário-geral no relatório. A frase reproduz quase na íntegra as palavras do seu antecessor, Kofi Annan, quando, no início da Cimeira do Milénio, em Setembro de 2000, afirmou que "temos meios e capacidade para resolver os problemas, se encontrarmos a necessária determinação". Essa determinação fará a diferença entre o êxito e o fracasso.