21.6.10

"É por via dos impostos que se devem corrigir os excessos de remuneração"

Por Ana Rute Silva, in Jornal Público

A revisão do código do bom governo das sociedades não é prioridade para o advogado que é o candidato único a líder do Instituto Português de Corporate Governance


Aos 55 anos, o advogado Pedro Rebelo de Sousa lidera a única lista candidata aos novos órgãos sociais do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), que deverá ser hoje eleita. As eleições ocorrem depois da polémica sobre o código do bom governo das sociedades - que nunca chegou a sair do papel e levou à demissão da anterior gestão liderada por João Talone, António Borges e Rui Vilar. O futuro presidente sustenta que o Banco de Portugal esteve aquém das expectativas nos casos BCP, BPP e BPN.

A lista que lidera inclui membros de empresas que se autodesvincularam do IPCG como Proença de Carvalho, pela Zon, ou António Mexia, da EDP. Mudaram de ideias ou o código do bom governo das sociedades definitivamente morreu?

Não. Significa que houve da parte de todos o entendimento de que valia a pena apostar numa solução que mantivesse o instituto vivo, de ultrapassar o impasse criado. A lista de que sou o proponente acaba por dar garantias de que este organismo vai tentar encontrar plataformas de diálogo e de convergência de opiniões entre os que antes divergiram.

Todos os membros continuam ligados ao IPCG ou algum cortou laços?

A única empresa que não se encontrada reflectida nos órgãos é a Sonae.

Porquê?

Terá de lhe perguntar. Todos foram abordados no sentido de se juntarem a esta lista. Se não o fizeram, estarão sempre a tempo. Temos pela primeira vez a Cimpor, com o chairman Castro Guerra. No conselho de curadores, entra a Esmeralda Dourado, o professor João Calvão da Silva e Nuno Amado, do Santander. A assembleia geral é presidida por Daniel Proença de Carvalho e João Talone está no conselho consultivo.

Uma maioria de juristas...

Admito que é uma das críticas que se pode fazer, mas tem dois economistas de peso: Alberto Castro e António Gomes Mota. Depois está o Alexandre Mota Pinto e o Pedro Maia, ambos de Coimbra, e eu próprio.

A revisão do código do bom gover-no das sociedades é inevitável?

É inevitável repensar a formulação do código. No primeiro mandato, a direcção terá de definir uma agenda de prioridades e nessa agenda irá reequacionar a temática que o código tentava abordar. O IPCG tem seis anos, criou alguma densidade institucional e a direcção entende que deve ser um interveniente relevante na opinião pública.

Sempre na orla do bom governo societário?

Sim, ainda que este seja um tema muito mais transversal do que se pensa. Abrange cotadas e não cotadas, sector público e privado. O corporate governance tem de ser perspectivado com outros elementos da realidade socioeconómica do país. É do interesse do IPCG interagir com o mundo académico e as universidades, fontes de ideias e criatividade, mas também com congéneres estrangeiros.

Para dar mais peso a essa intervenção pública não é necessário ter o código aprovado? Seria o primeiro elaborado pela sociedade civil.

Não tenho por definitivo que o IPCG necessite de ter um código para se credibilizar. A temática que o código tentava abranger deve ser objecto de reflexão pelos novos órgãos. Mas para o instituto chamar a atenção para casos como o do BCP, do BPP ou do BPN não precisa de ter um código. Precisa de lançar o debate sobre as questões de governance que estão na génese desses problemas. Para além de ilícitos vários, há muito para reflectir em sede de governance nesses três casos que marcaram os últimos dois anos do sector financeiro português. Não se trata de fazer acusações...

Nos casos que citou, não houve eficácia de actuação do regulador?

Falando como cidadão, penso que está perfeitamente demonstrado que o banco central ficou aquém das expectativas. Qualquer pessoa com conhecimento médio chega a essa conclusão.

Não é prioridade ter um código de bom governo aprovado no primeiro mandato?...

Teremos de nos sentar e conversar com os membros dos órgãos sociais para abordar a temática. O que digo é que a actividade do IPCG não se deve cingir à mera aprovação ou não de um código. Deve ter um papel mais interveniente no quotidiano sobre temas muito concretos de controlo de risco, independência...

Se fosse menos extenso e complexo, como criticaram algumas das maiores cotadas, como o BES, o BCP ou a PT, o documento teria sobrevivido?

Prefiro não comentar.

Há quem defenda que códigos muito detalhados podem ter efeitos perversos e fazer com que as empresas não cumpram boas práticas. Concorda?

Em termos genéricos, penso que não é uma questão de simplicidade ou de complexidade, mas de efectividade. O documento deve ser o compromisso entre aspectos de ordem idealística e o pragmatismo do mercado a que se aplica, entre as melhores práticas e a sua aplicação.

Como viu os apelos do Governo e do Presidente da República à contenção salarial?

É preciso distinguir o que é psicológico do que é demagógico. E uma coisa é o Governo sugerir, outra é decidir. Não falando como possível presidente do IPCG, penso que, no sector privado, é por via dos impostos que se corrige quaisquer excessos de remuneração. As empresas têm toda a legitimidade para definir critérios, e para isso é importante que o regulador e outras entidades possam servir de agentes definidores de boas práticas.

E no sector empresarial do Estado?

Tenho dificuldade em aceitar, sobretudo quando essas empresas estão a concorrer com o sector privado e devem tentar obter quadros de qualidade. Um bom executivo é aquele que, com variações decorrentes das flutuações de mercado, consegue obter trabalho, e hoje de forma cada vez mais transnacional.

O salário de António Mexia suscitou grande discussão, mas a verdade é que foi remunerado com prémios plurianuais, que implicam um desempenho a longo prazo. Afinal, qual é a melhor forma de remunerar?

Fui membro do painel consultivo da CMVM [que avaliou a qualidade do governo societário das cotadas] e reconheço que a EDP foi considerada um dos exemplos mais próximos das boas práticas - não em termos do valor, mas da forma. Privilegio uma remuneração que tenha em conta a sustentabilidade e vejo com bons olhos remuneração diferida no tempo e colada ao cumprimento de objectivos.

Há medo de transparência nos salários?

Há uma paranóia sobre esse tema. A transparência é um valor louvável e importante, mas há limites. Há transparência que é inútil.

Lidera esta lista porque não havia mais ninguém e o IPCG corria o risco de ser um projecto acabado?

Sempre tive a preocupação de não ser presidente da direcção. Fui vogal na primeira direcção e curador na segunda. Não me move nenhum motivo pessoal que não seja o facto de achar que o IPCG estava numa encruzilhada difícil de ultrapassar. Tinha de tentar dar um contributo se todas as pessoas que estão na lista considerassem que havia condições para me apoiarem

Ter um código será uma vitória?

O objectivo é ter o IPCG respeitado por definir as boas práticas de uma forma consistente.