Nelson Morais, in Jornal de Notícias
A nova lei das partilhas litigiosas de heranças, que as transfere dos tribunais para conservatórias ou notários, ainda não entrou em vigor e já foi alterada duas vezes.
Com a lei anterior moribunda, nem os tribunais nem os outros tratam dos processos de inventário.
"Há milhares de processos de partilhas parados, as pessoas querem resolvê-los e não conseguem. Todos os dias, recebo contactos de cidadãos, de advogados, a queixarem-se. E o problema tem-se avolumado mais nas últimas semanas, desde as férias judiciais", conta o bastonário da Ordem dos Notários, Alex Himmel.
Segundo informações obtidas de fontes diversas, os tribunais deixaram de instaurar processos de inventário. A nova lei retira-lhes competências nesta matéria e, pela iminência (formal) de entrar em vigor, poderia constituir um desperdício de recursos instaurar novos processos, tanto para os tribunais como para os cidadãos, obrigados a pagar custas judiciais.
Por outro lado, o próprio Ministério da Justiça, em nota enviada ao JN, em Julho, pediu "a cooperação de todos os profissionais forenses para a não instauração de processos de inventário nas conservatórias ou cartórios notariais", até a nova lei (n.º 29/2009, de 29 de Junho) ser regulamentada e entrar em vigor.
Caiu-se numa espécie de vazio, sem lugar para resolver os conflitos de herdeiros e proprietários incapazes de se entenderem na partilha de bens. O impasse tem quase um ano e deve-se a dificuldades de regulamentar as mudanças substanciais que foram impostas pelo novo regime jurídico, nomeadamente, na desjudicialização e na desmaterialização dos processos de inventário.
O novo regime devia ter entrado em vigor a 18 de Janeiro de 2010. Mas, três dias antes, foi alterado pela Lei n.º 1/2010, de modo a produzir efeitos só a partir de 18 de Julho. Se chegou ou não a entrar formalmente em vigor, é uma questão interessante para os juristas, mas que nada adianta aos outros, pois a realidade não se alterou.
Com efeito, (só) a 3 de Setembro seria publicada a terceira versão da Lei nº 29/2009, a determinar que esta entraria em vigor 90 dias após a publicação da portaria que há-de regulamentar aquele diploma. Não disse é quando será publicada a portaria.
Quase dois meses volvidos, o JN quis saber se o Ministério já podia estimar a data da resolução do problema, mas a resposta foi negativa. "Foi constituído um grupo de trabalho, de composição alargada, que tem como incumbência preparar todas as alterações necessárias à entrada efectiva da Lei, nomeadamente a base tecnológica e a preparação da formação de todos os intervenientes, especialmente conservadores e notários", lê-se na resposta escrita pela tutela.
O bastonário Alex Himmel confirma a criação daquele grupo de trabalho, mas esclarece que ele ainda não começou a trabalhar. Está pois criada uma situação que "não prestigia" o legislador, observa Alex Himmel. O bastonário, de resto, não partilha as reservas da sua antecessora no cargo, Carla Soares, quanto à desjudicialização do inventário, mas admite o óbvio: "Antigamente, os processos andavam mal; agora, não andam".
Há dias, o Governo aprovou medidas para simplificar a legislação, no âmbito do programa Simplegis, e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público torceu o nariz, desconfiado de estar perante mera propaganda.
Agora, questionado sobre o presente imbróglio, o dirigente sindical António Ventinhas, autor de pareceres críticos para com a reforma do processo de inventário, responde com ironia: "Pergunte aos autores do Simplegis!".