28.10.10

Reclusas desconhecem perigos do cancro do colo do útero

Ivete Carneiro, in Jornal de Notícias

A cadeia feminina de Santa Cruz do Bispo iniciou anteontem, terça-feira, o programa de visitas íntimas. E o acaso fez com que fosse seleccionada ontem, quarta-feira, para uma acção de sensibilização sobre cancro do colo do útero. Sim, a maioria tinha ouvido falar. Quase todas muito por alto.

"Não sabia mesmo quase nada, principalmente que era mais perigoso na nossa idade. Agora vou falar com a minha médica aqui." Ali é o Estabelecimento Prisional Especial de Santa Cruz do Bispo, Matosinhos, e a idade é 23 anos. Sem marido, Manuela já tem dois filhos e uma pena por tráfico de droga. Ficou a saber. Que metade das infecções com o papiloma vírus humano (HPV) acontece entre os 15 e os 25 anos, que são potenciadas por uma vida sexual menos segura e pelo número de filhos quando as gravidezes não são bem vigiadas. Manuela não sabia, o que deixa supor que as suas gravidezes não o foram tanto assim.

E ela era apenas uma das mais de 200 reclusas que encheram ontem de manhã o ginásio da cadeia para ouvir duas médicas falar das coisas menos boas da vida sexual. Ontem, era o dia em que fazia dois anos que a vacina contra o HPV foi introduzida no Plano Nacional de Vacinação (PNV), para todas as raparigas de 13 anos e, até recuperar o atraso, todas as de 17 anos. "E nós?", perguntava-se na audiência. Sim, pode ser tomada até aos 45 anos, esclareceu Isabel Riscado, ginecologista do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, patrocinador da acção que já correu outros três estabelecimentos prisionais. Só não explicou que fazê-lo depois da idade adequada custa à volta de 150 euros.

Conhecimento relativo

Detida há nove meses pelo mesmo tráfico que traz ali a maioria das reclusas, Sandra não aprendeu muito. Aos 33 anos, já tem prole com idade para beneficiar do PNV. Ainda assim, arregalou os olhos - ela e as outras - quando a projecção revelou o aspecto de uma infecção benigna com HPV: os condilomas (verrugas), que, antes da vacina, custavam ao Estado 5,4 milhões por ano. Porque 60 a 70% das mulheres acabam por ser infectadas por HPV pelo menos uma vez na vida. Mas só em 10 a 20% dos casos a infecção persiste.

Isabel também percebeu o que ali era dito. Já assistira a uma sensibilização "lá fora". Natividade, essa, já sofreu quase na pele o que por ali se dizia. "Uma nora. Felizmente está bem, em tratamento". Ela, aos 67 anos, já passou por um cancro e sente-se segura, graças ao acompanhamento que isso implica. E vai dizendo que, ali, se sente muito bem tratada no que à saúde diz respeito. E, sim, já foi vista pela ginecologista.

"O cancro do colo do útero atinge todas as idades", justifica Isabel Riscado. Alertar as reclusas, mesmos as menos jovens, de que o diagnóstico precoce da infecção pode evitar o desenvolvimento da doença é sempre útil. "A maioria delas não sabe o que é nem como se transmite. Ora, o tratamento é sempre eficaz".

Infecções muito prevalentes

E fazer uma acção de sensibilização num estabelecimento prisional, acredita o director do de Santa cruz do Bispo, é provar que a sociedade não esquece a população reclusa. Ora, as estatísticas são claras: em Santa Cruz do Bispo, 16% das reclusas apresentaram alterações nos testes papanicolau. Em 5% dos casos, eram de alto grau . Segundo Maria Osório, médica que observa as detidas, trata-se de uma elevada prevalência, resultante dos comportamentos de risco e do afastamento dos serviços de saúde que caracterizam estas mulheres.

E, com as visitas íntimas de companheiros que ficaram "lá fora", todo o cuidado é pouco. "Sabiam que o preservativo não protege completamente contra o HPV? É que o vírus transmite-se por contacto sexual. Não é preciso haver relação completa. Basta um contacto da pele com as mucoses", explicou Isabel Riscado. E por isso é que está a aumentar o cancro da boca e dos lábios provocado por HPV... "Que horror..."