Por Ana Brito, in Jornal Público
Aproveitar o relacionamento especial com África e a América Latina pode ser uma pista para potenciar o crescimento futuro
O "maior erro" de Portugal foi ficar demasiado dependente da Europa e não ter tido ambição para ser mais do que um país de mão-de-obra barata, defende Stéphane Garelli, professor da escola de negócios suíça IMD. Definir uma estratégia e reorientar as exportações para países de elevado crescimento é a única forma de "meter dinheiro em casa" e superar o problema da dívida pública, sustenta.
Defende que apesar da crise não devemos estar pessimistas, mas muitos países ainda não conseguem ver a luz ao fundo do túnel...
É a situação mais difícil que vivemos desde a II Grande Guerra, mas reagir só ficando pessimistas não é uma opção, os problemas estão aqui e têm de ser resolvidos e penso que na Europa temos muitos activos para poder ser bem sucedidos.
Mas na Europa há países a reagir a velocidades diferentes.
É verdade. Esta é a minha quinta recessão e quinta recuperação económica enquanto economista. Quando as coisas estão bem, as economias estão de alguma forma sincronizadas e quando passamos por uma recessão, normalmente sai-se com alguma desordem. Mas nunca vi uma situação em que tivéssemos tanta diversidade na recuperação económica; todos os modelos estão lá, há países que ainda estão em recessão, como a Espanha, outros estão sobreaquecidos e a ir demasiado depressa, como a China e Singapura, outros enfrentam riscos inflacionistas, como o Brasil, e outros deflacionistas, como o Japão.
E Portugal?
Portugal tem estado a sofrer de duas coisas; em primeiro lugar, o facto de muita da sua dívida ser detida por bancos estrangeiros, o que aumenta a pressão de fora para que haja medidas de austeridade. Depois, o facto de ter um défice da balança de conta corrente, o que significa que não há dinheiro fresco a entrar na economia.
Como podemos mudar isso?
Lembro-me que Portugal, a seguir à revolução, começou a religar-se ao resto da Europa e a querer tornar-se num destino de investimento directo estrangeiro. Mas quando a Europa central entrou no cenário, tornou-se mais atractiva, até porque estava mais próxima da Alemanha. Acho que Portugal perdeu a oportunidade de usar melhor as suas ligações a África e à América Latina para desenvolver o mercado de exportações. Penso que isso é absolutamente crítico. É bom ter negócios com o resto da Europa, mas hoje, o crescimento virá de outras regiões.
E ainda vamos a tempo de mudar isso?
Claro. Vocês têm bons contactos, boas empresas, bons bancos, boas companhias de telecomunicações e por isso penso que há algumas ligações naturais que deveriam ser mais bem exploradas. É melhor exportar para países que crescem dez por cento ao ano do que para países que crescem dois por cento.
Quando Portugal se juntou à União Europeia, a estratégia foi "somos o país mais low cost da Europa, nenhuma empresa fabricará mais barato do que em Portugal" e as empresas vieram. Mas depois apareceram a República Checa e a Hungria e a Polónia. Este foi provavelmente o maior erro: não ter usado aquela pequena janela de oportunidade para fazer qualquer outra coisa do que ter apenas a ambição de ser low cost. É importante ter uma estratégia. Têm de saber para onde vão e definir algo em que possam ser bons, que tenha a ver convosco, com aquilo em que vocês são bons.
As medidas de austeridade anunciadas são suficientes para alcançar o equilíbrio orçamental?
Penso que se fez algum bom trabalho e que é importante que se trabalhe também um bocadinho as mentalidades. As pessoas devem compreender que é preciso pôr ordem na economia. Alguns países perceberam isso mais depressa que outros. Os irlandeses perceberam antes, os portugueses estão a começar a compreender e os franceses, por exemplo, ainda não compreenderam de todo. Mas o que me preocupa é que até agora, sempre que precisávamos de dinheiro, encontrávamo-lo na Europa ou nos Estados Unidos. Doravante, vamos ter de ir procurá-lo na China ou na Índia. É revelador que os gregos agora, quando precisam de dinheiro, convidam os chineses.
Diz-se que os chineses também poderão comprar obrigações portuguesas...
Sim e eu penso que é uma boa compra. Se tivesse muito dinheiro, também faria esse investimento.
Não tem receio que Portugal entre em default?
Não. O pior que poderá acontecer é um reescalonamento da dívida, mas não penso que possa haver incumprimento. Porque se houver default, o risco para toda a Zona Euro será enorme. E mesmo quando se diz que a Alemanha está a fazer imposições é preciso ter em conta que a Alemanha vive das exportações e para as ter precisa de clientes, que também estão em Portugal.
O aumento de impostos era inevitável? Havia alguma outra coisa que o Governo pudesse ter feito?
No meu país fizemos uma coisa que pode dar uma ou duas ideias. Há alguns anos criámos uma lei que definia que nenhum gasto deve ser aprovado sem que ao mesmo tempo seja votada a criação de receitas. Não se pode ir ao Parlamento dizer que vamos gastar x ou y sem que ao mesmo tempo definir como vamos levantar o dinheiro. Este foi provavelmente uma boa ferramenta para obrigar o Governo a ser cauteloso e é uma coisa que talvez se pudesse tentar em Portugal.
O corte de salários e o aumento dos impostos terão um forte impacto no crescimento?
É uma coisa que pode ser muito perigosa. Mas, mais uma vez, o problema é que o país é como aquele indivíduo a quem o banco diz que não vai voltar a emprestar dinheiro a não ser que mude a maneira de viver. Esse é um problema de países como a Grécia e Portugal, cuja dívida está no exterior.
O IMD considera que Portugal só conseguirá reduzir a dívida pública para um nível de 60 por cento do PIB em 2037. Não é muito animador, pois não?
Isso é no caso de tudo se manter na mesma, mas acho que vocês vão ser proactivos e mudar isso. Da minha experiência, sei que uma recessão ocorre a cada oito ou nove anos, é o mesmo padrão e há por isso uma grande probabilidade de que algo aconteça antes do final década. Por isso vocês não podem ficar à espera, têm de estar preparados. Não podem deixar que algo aconteça para dizer: "Ah, agora não temos dinheiro nem podemos subir os impostos, porque eles já estão tão altos que vão matar as pessoas". Vão virar-se para Pequim ou para Nova Deli e dizer: "Vá lá, emprestem-me dinheiro", para eles responderem que não.
Pode uma economia ser competitiva com uma dívida pública tão elevada como a portuguesa?
Sim, porque o que conta realmente é quanto dinheiro é que vocês fazem. Se não se põe dinheiro em casa, o nível da dívida torna-se um problema. A Alemanha tem uma grande dívida, mas ninguém está preocupado porque sabem que eles podem pagar. O grande desafio é redireccionar as exportações para mercados de grande crescimento, concentrarem-se nas pequenas e médias empresas. Quando se ganha em competitividade, como a Alemanha, Holanda e Dinamarca, é quando se tem várias camadas de pequenas e médias empresas competitivas e orientadas para as exportações, com muita tecnologia.
Mas essas queixam-se que não têm acesso ao crédito...
Sim e é por isso que o Governo tem de ajudar, a forçar os bancos a darem crédito, dizendo que é uma prioridade, e a orientá-las para as exportações. Por exemplo, a Alemanha, depois da guerra, criou escolas de exportações, para ensinar as pequenas e médias empresas a exportarem. E este pode ser o segredo. Porque se houver duas ou três grandes no topo e uma falir, pode haver um problema, mas se houver várias pequenas empresas, mesmo que dez vão à falência as outras continuarão lá e a economia fica mais resiliente e diversificada.