26.10.10

Imigração

Por Dulce Furtado, in Jornal Público
A eleição de Peter Bossman é sinal de maior abertura multicultural, mas não uma revolução: o racismo no país visa os rom e os kosovares


Foi uma vitória muito apertada (por 51,4 por cento dos votos), mas já fez história: o médico Peter Bossman, oriundo do Gana, venceu em segunda volta as eleições municipais de Piran, pequena cidade turística no Sudoeste da Eslovénia, e assim tornou-se, domingo, no primeiro presidente de câmara negro da Europa Central.

Candidato do Partido Social Democrata (centro-esquerda, no poder a nível nacional), Bossman bateu o incumbente, também médico, Tomaz Gantar (do centro-direita), que era dado como vencedor certo desde a primeira ronda, a 10 de Outubro.

A imprensa eslovena não fez agora grande eco da vitória. "Há duas semanas sim, foi uma surpresa, mas aqui a notícia já está digerida, o que também é bom sinal. Nem mesmo os partidos radicais de direita estão a comentar", contou ao PÚBLICO, por telefone, o jornalista esloveno Jure Kos.

Os sociais-democratas apresentaram a candidatura de Bossman como "uma novidade na política do país, apelidando-o de "Obama de Piran" e defendendo que seria bonito ter um presidente de câmara negro", afirmou ao PÚBLICO o redactor principal da RTV eslovena e membro do centro de estudos italiano Osservatoriobalcani, Stefano Lusa. "Esta mensagem causou problemas ao adversário que, em muito das suas posições e ideias, pode ser acusado de racismo. Mas antes de mais uma revolução política e cultural na Eslovénia seria a eleição de um cigano ou de um imigrante do Kosovo, contra os quais existe o verdadeiro racismo, e não contra os negros, que constituem um grupo muito pequeno e assimilado."

O analista político Valdo Miheljak refere também que os cidadãos africanos não são alvo de discriminação visível na Eslovénia, mas entende que a eleição de Bossman nem por isso deixa de revelar que o país - antiga parte da Jugoslávia, independente em 1991 - se tornou "maduro", com a eleição de "um representante político que não é branco".

"Não tem um grande significado político a nível nacional, pois foi uma vitória em eleições locais e numa comunidade muito pequena [de 17 mil habitantes]", insiste Kos. "Mas", concorda, "é legítimo tirar daqui que a Eslovénia se tornou, finalmente, numa sociedade multicultural e multiétnica mais aberta".

Peter Bossman, 54 anos, cujo pai foi médico e político no Gana (membro do staff do lendário Presidente anticolonização Kwame Nkrumaha), chegou à Eslovénia em 1977, com uma bolsa de estudos em Medicina. Pensava em regressar ao país natal ao terminar o curso, mas casou com uma colega de faculdade, Karmena, da Croácia, com quem teve duas filhas, e decidiu ficar. Foi viver para Piran no início da década de 1980.

"Nos primeiros meses senti que as pessoas não nos queriam aqui [aos imigrantes africanos]. Mas nos últimos dez ou 15 anos não fui alvo de discriminação. Acho que as pessoas já não vêem a cor da minha pele; vêem apenas um bom médico e um bom homem", afirmou, manifestando-se "feliz e orgulhoso".

Com pouco mais de dois milhões de habitantes, a Eslovénia, país membro da União Europeia desde 2004, regista uma imigração a rondar os 12 por cento da população, com origens quase sempre em outros países da ex-Jugoslávia, como a Bósnia Herzegovina ou a Sérvia. A população negra não é senão uma fatia residual: "Creio que não serão mais do que mil. Não é comum ver uma pessoa negra nas ruas", nota Jure Kos.

Exortando ao diálogo durante a campanha, Bossman foi criticado pelos opositores por não falar esloveno fluentemente ao fim de mais de 30 anos no país. A esta crítica respondeu, numa entrevista ao Delo, um dos principais diários, que um seu amigo, professor de Esloveno, se ofereceu para lhe dar "aulas adicionais".

"Esta é a minha casa. Vou ao Gana a cada dois anos visitar a minha mãe, mas Piran é a minha casa. E o meu pai sempre me disse que, se pudermos, temos que ajudar a comunidade a que pertencemos", afirmou.12%

dos pouco mais de dois milhões de habitantes da Eslovénia são imigrantes, mas quase todos oriundos de outros países da ex-Jugoslávia, como a Bósnia- Herzegovina e a Sérvia.