25.10.10

"Enquanto estiver de pé, vou lutar"

Gina Pereira, in Jornal de Notícias

Trabalha há quase 15 anos como operadora de supermercado no "Pingo Doce" do Olivais Shopping, em Lisboa.

Entrou na empresa com 27 anos. Começou pelas limpezas, passou pela secção da fruta, pelo talho, pela charcutaria e, mais recentemente, pelo take-away. "Felizmente", nunca esteve nas caixas, onde diz que as operadoras são "mais martirizadas" pelo mau-humor e cansaço de alguns clientes.

Mas, aos 42 anos, divorciada e com uma filha de 17, o ordenado é curto para as despesas e nunca lhe permitiu sequer sonhar em ter casa própria.

Luísa Alves e a filha vivem com a mãe, de 75 anos, nos Olivais. Ganha 629 euros de vencimento-base e, na melhor das hipóteses, nos meses em que trabalha domingos ou feriados, o ordenado sobe para cerca de 750 euros. Os colegas que entram agora na empresa - alguns já licenciados ou a trabalhar para concluir os cursos superiores - ficam-se pelos 500 euros base.

Não é fácil encontrar uma operadora de supermercado que aceite dar a cara para falar da sua situação e das perspectivas de futuro para o país. Luísa fá-lo sem medo porque está habituada a dar o corpo às balas.

É dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), afecto à CGTP, e há anos que luta por melhores condições de trabalho para os funcionários do sector da distribuição alimentar. E promete que nunca irá baixar os braços por "um melhor bem estar e uma vida mais digna para todos".

"Um dia alguém escreveu: "Mais vale morrer de pé do que viver uma vida inteira de joelhos". Enquanto eu estiver de pé, vou lutar", diz, admitindo que o faz com gosto e convicção. E por acreditar num "futuro positivo" para os trabalhadores, apesar da "pressão" diária a que hoje são sujeitos nas empresas.

Falta de pessoal nas lojas, em número muito abaixo do necessário, horários de trabalho que não são respeitados e que são alterados "quase todos os dias" em função das necessidades, sem respeito pelos dias de descanso, e falta de formação para a higiene e segurança no trabalho são alguns dos principais problemas do sector, agravados pela "inoperância da Autoridade para as Condições de Trabalho".

Uma "manta demasiado curta", resume Luísa Alves, que as empresas tentam esticar consoante as necessidades e que penaliza sempre o elo mais fraco, "em especial os contratados a prazo".

No caso do grupo Jerónimo Martins, onde trabalha, considera vergonhoso que os ordenados sejam "tão baixos", sobretudo quando todos os dias vê a cotação da empresa na bolsa e o valor dos lucros nos jornais.

"Há aqui uma desigualdade muito grande: sou eu e milhares de trabalhadores que criamos esta riqueza com a força do nosso trabalho, por isso ela devia ser mais bem distribuída". Se a filha decidir seguir para a universidade, Luísa admite que não sabe se lhe poderá pagar o curso. "Tudo depende dos apoios que houver."

Ainda assim, Luísa é optimista. Acredita que "vai ser possível alterar este sistema, que não serve nem para o mundo nem para o país. Não nos podemos resignar a trabalhar um mês inteiro e a não ter dinheiro para comer decentemente". Incentiva os trabalhadores a estarem unidos e a não aceitarem "migalhas". "O que eu preciso é de um ordenado maior para ser eu a decidir onde vou gastar o meu dinheiro".