in Sapo24
Números da violência contra mulheres na Madeira remetem para "ação urgente"
PAN quer acabar com utensílios descartáveis de plástico em alguma restauração
A secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade considerou hoje, em Lisboa, que para acabar com a discriminação dos ciganos é preciso "trabalhar com as comunidades", capacitando-as para que "sejam agentes ativos da mudança".
Rosa Monteiro falava no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes, na entrega dos protocolos que formalizam a execução, entre 2018 e 2019, de 18 projetos apoiados pelo Fundo de Apoio à Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas.
A titular das pastas da cidadania e igualdade sublinhou que os ciganos são "um dos públicos mais discriminados na sociedade portuguesa" e que "a integração é um processo bilateral, que envolve os dois lados": a sociedade e as comunidades ciganas.
Segundo Rosa Monteiro, é necessário "trabalhar com as comunidades, e não para as comunidades, capacitando as comunidades para que sejam agentes ativos da mudança".
A secretária de Estado espera que "o trabalho positivo" que tem sido feito em prol dos ciganos por organizações não-governamentais, instituições de solidariedade social e associações de ciganos, com a colaboração de câmaras municipais e juntas de freguesia, "seja contagiante de toda a sociedade".
Entre os 18 projetos financiados este ano pelo Fundo de Apoio à Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, no valor total de 250 mil euros, incluem-se um 'kit' pedagógico sobre a história e cultura ciganas, um programa de rádio da e para a comunidade cigana em Belmonte e a formação de competências de mulheres e mães ciganas.
Com uma duração máxima de ano e meio, os projetos são promovidos por organizações não-governamentais, associações ou grupos informais de ciganos e instituições de solidariedade social, com a parceria de escolas, universidades e autarquias, sendo financiados quase exclusivamente pelo Alto Comissariado para as Migrações.
Para o alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado, iniciativas como estas procuram "colmatar 500 anos de costas voltadas" entre a sociedade portuguesa e a comunidade cigana.
31.1.18
Acabar com discriminação de ciganos implica capacitá-los para a mudança, defende secretária de Estado
Ministro do trabalho fala em “evolução positiva” na redução da pobreza
in Sapo24
Ministro da Segurança Social vai defender na ONU o potencial dos idosos
Cristas pede ao partido que fale para os jovens em Setúbal onde "disruptivo" é ser do CDS
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse à Lusa, à margem de um encontro na ONU, em Nova Iorque, que existe uma "evolução positiva" na redução da pobreza em Portugal.
"É uma evolução positiva, ainda que tenhamos vivido um agravamento da situação [durante os anos da crise]", disse José António Vieira da Silva.
O ministro está em Nova Iorque, para participar na 56.ª sessão da Comissão para o Desenvolvimento Social da ONU, e lembrou o percurso feito por Portugal no combate à pobreza nas últimas décadas.
"Portugal foi um país que, durante muito tempo, viveu numa situação generalizada de pobreza. Conseguiu sair dessa situação, mas manteve, infelizmente, níveis que são dos mais elevados à escala europeia. Temos ainda 18 por cento de pessoas que, estatisticamente, ao nível da União Europeia, vivem abaixo daquilo que é considerado o limiar da pobreza", explicou o ministro.
"Portugal, que vinha numa tendência descendente desde que há estatísticas europeias a este nível, viu a situação agravar-se durante os anos mais duros desta crise financeira, económica e social. Ainda não temos dados mais recentes, mas os dados de 2016 apontam para uma recuperação e diminuição do número de pessoas em situação de pobreza, principalmente de pessoas em situação de pobreza severa", garantiu o ministro.
Vieira da Silva discursou na segunda-feira na sessão de abertura da 56.ª sessão desta Comissão, a que Portugal se juntou em 2016, e destacou três pilares fundamentais no combate à pobreza: educação, trabalho, e existência de proteção social.
"A combinação dessas três vias é a mais eficaz", adiantou o ministro à Lusa.
Na quarta-feira, o ministro vai apresentar a Declaração Ministerial "A Sustainable Society for all ages: Realizing the potencial of living longer" (Uma sociedade sustentável para todas as idades: Realizar o potencial da longevidade), assinada em Lisboa em a 22 de setembro de 2017 pelos 56 Estados-membros da Comissão Económica das Nações Unidas para a região Europa (UNECE).
O ministro irá apresentar aos restantes estados-membros as três prioridades até 2022 definidas no documento: reconhecer o potencial da pessoa idosa, encorajar o envelhecimento ativo, garantir um envelhecimento com dignidade.
"Pretende-se que as pessoas possam prolongar uma vida de bem-estar, que não se considerem velhas para o trabalho pessoas que tem muito a dar para a sociedade e a si próprias. Trata-se de realizar o potencial de todos e, em particular, dos idosos", explicou Vieira da Silva.
Segundo o ministro, a declaração pretende "minimizar também aquilo que foi, durante muitos anos, um risco de confronto de gerações."
"Os idosos temiam que os jovens lhe viessem tirar o trabalho, os jovens achavam que os mais idosos podiam estar a comprometer o seu futuro. Essa ideia, que durante muitos anos pairou em todas as sociedades, é uma ideia nefasta, negativa, porque a relação entre gerações sempre foi um fator de progresso", explicou.
Vieira da Silva tem ainda prevista, para quarta-feira, uma reunião bilateral com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Ministro da Segurança Social vai defender na ONU o potencial dos idosos
Cristas pede ao partido que fale para os jovens em Setúbal onde "disruptivo" é ser do CDS
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse à Lusa, à margem de um encontro na ONU, em Nova Iorque, que existe uma "evolução positiva" na redução da pobreza em Portugal.
"É uma evolução positiva, ainda que tenhamos vivido um agravamento da situação [durante os anos da crise]", disse José António Vieira da Silva.
O ministro está em Nova Iorque, para participar na 56.ª sessão da Comissão para o Desenvolvimento Social da ONU, e lembrou o percurso feito por Portugal no combate à pobreza nas últimas décadas.
"Portugal foi um país que, durante muito tempo, viveu numa situação generalizada de pobreza. Conseguiu sair dessa situação, mas manteve, infelizmente, níveis que são dos mais elevados à escala europeia. Temos ainda 18 por cento de pessoas que, estatisticamente, ao nível da União Europeia, vivem abaixo daquilo que é considerado o limiar da pobreza", explicou o ministro.
"Portugal, que vinha numa tendência descendente desde que há estatísticas europeias a este nível, viu a situação agravar-se durante os anos mais duros desta crise financeira, económica e social. Ainda não temos dados mais recentes, mas os dados de 2016 apontam para uma recuperação e diminuição do número de pessoas em situação de pobreza, principalmente de pessoas em situação de pobreza severa", garantiu o ministro.
Vieira da Silva discursou na segunda-feira na sessão de abertura da 56.ª sessão desta Comissão, a que Portugal se juntou em 2016, e destacou três pilares fundamentais no combate à pobreza: educação, trabalho, e existência de proteção social.
"A combinação dessas três vias é a mais eficaz", adiantou o ministro à Lusa.
Na quarta-feira, o ministro vai apresentar a Declaração Ministerial "A Sustainable Society for all ages: Realizing the potencial of living longer" (Uma sociedade sustentável para todas as idades: Realizar o potencial da longevidade), assinada em Lisboa em a 22 de setembro de 2017 pelos 56 Estados-membros da Comissão Económica das Nações Unidas para a região Europa (UNECE).
O ministro irá apresentar aos restantes estados-membros as três prioridades até 2022 definidas no documento: reconhecer o potencial da pessoa idosa, encorajar o envelhecimento ativo, garantir um envelhecimento com dignidade.
"Pretende-se que as pessoas possam prolongar uma vida de bem-estar, que não se considerem velhas para o trabalho pessoas que tem muito a dar para a sociedade e a si próprias. Trata-se de realizar o potencial de todos e, em particular, dos idosos", explicou Vieira da Silva.
Segundo o ministro, a declaração pretende "minimizar também aquilo que foi, durante muitos anos, um risco de confronto de gerações."
"Os idosos temiam que os jovens lhe viessem tirar o trabalho, os jovens achavam que os mais idosos podiam estar a comprometer o seu futuro. Essa ideia, que durante muitos anos pairou em todas as sociedades, é uma ideia nefasta, negativa, porque a relação entre gerações sempre foi um fator de progresso", explicou.
Vieira da Silva tem ainda prevista, para quarta-feira, uma reunião bilateral com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
30.1.18
Jorge Sampaio: “A solidariedade coletiva só funciona na tragédia, mas no dia a dia é uns a ver e outros a sofrer”
José Pedro Castanheira, Pedro Santos Guerreiro (texto), António Pedro Ferreira (fotos), in Expresso
Está otimista mas preocupado. Sobretudo com os riscos externos, mas também com a definição do lugar de Portugal no mundo. Elogia o talento de António Costa por “ter percebido que tinha condições para poder liquidar a ideia do arco da governação tradicional”. Mas defende uma maior relação do PS com as empresas. E reformas, sobretudo a do território
Entra de gola alta, sapatos confortáveis e vestindo um sorriso na sala onde passaremos o fim de uma tarde fria de janeiro. Jorge Sampaio, 78 anos, Presidente da República de 1996 a 2006, recebeu o Expresso no seu gabinete, na Casa do Regalo, em Lisboa, cidade de que foi presidente da Câmara a partir de 1989, ano em que foi eleito secretário-geral do Partido Socialista — e uma vintena de anos depois do início da sua carreira política, na candidatura, em 1969, às eleições para a Assembleia Nacional, nas listas da CDE. Uma carreira intensa de intervenção cívica, que mantém.
Como vê hoje o país?
Tenho uma visão otimista. Por uma razão fundamental: quem tinha 34 anos no 25 de Abril, uma vida profissional feita e estava habituado à ditadura, não concebia que passados estes anos pudéssemos estar onde estamos. O que era a mortalidade infantil, a incapacidade de saber ler e escrever, a pobreza generalizada, a agricultura de morte... A minha visão é sempre completada com um olhar para de onde viemos, para onde estamos e para onde precisamos de avançar. O salto que se deu! Eu pertenço a uma das últimas gerações do antes do 25 de Abril, as outras já não estão cá, e isso dá uma perspetiva grande e um redobrado otimismo. E pensar que agora, acabada a descolonização e tendo relações normais com as ex-colónias, fazendo parte da União Europeia e das organizações multilaterais, tendo tido manifestos sucessos internacionais em 2017 — basta relembrar Guterres e Centeno —, há razões para esse otimismo. Mas há razões para ter moderação nesse otimismo, que resultam da circunstância de o mundo ser profundamente diferente, de os mecanismos da democracia representativa estarem em crise, de os extremismos terem aumentado, da contradição entre uma sociedade internacional multilateralmente organizada e correr-se o risco de passar para zonas de conflito muito determinadas, mesmo dentro do contexto geral de uma paz mais armada; a fome, as alterações climáticas e a sua negação, Donald Trump e o trumpismo, aparentemente florescente, as guerras religiosas, ou não, no Médio Oriente, com o que isso implica para a Europa e para aquela zona do globo tão decisiva para a paz e o desenvolvimento geral do mundo... São motivos de grande e forte preocupação.
O que o preocupa são riscos externos. Significa que considera que somos pequenos para influenciar e vulneráveis para sofrer?
Não. Nós estamos inseridos no mundo, não há soluções taxativamente apenas portuguesas e há riscos internacionais grandes que podem afetar-nos, não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Do ponto de vista interno, preocupa-me saber até onde vai a nossa capacidade reformista e de inserirmos o nosso desenvolvimento económico e social num contexto mais vasto. Qual é o nosso lugar no meio disto tudo? Que reivindicação fazemos em relação ao nosso lugar na Europa? Qual é a nossa posição em relação à ciência? E que capacidade teremos para combater a pobreza? A coisa que mais me aflige é percebermos que os benefícios da globalização e do crescimento são tão desigualmente distribuídos e que essa desigualdade não vai terminar.
Qual é o nosso caminho?
O desenvolvimento interno é um caminho apertado, dependemos de uma economia que precisa de se transformar, passando da economia das rendas — e já se deu um grande salto nesse sentido — para uma economia de exportações. E sabermos qual é a capacidade de atrairmos capitais estrangeiros, sem prejuízo de conseguirmos — eu volto a este tema que sempre foi um tema meu, não no sentido do isolacionismo, pelo contrário — desenvolver polos de desenvolvimento estratégico nacional, que se insiram num desenvolvimento internacional e que não nos façam perder coisas estrategicamente importantes, como algumas que já foram à vida — o caso mais flagrante é o da REN e dos aeroportos, para não falar noutros, e obviamente a banca.
A banca?
A banca deixou de ser portuguesa para passar a ser internacional. Não vejo nenhum mal nisso, mas há um momento em precisamos de pensar em salvaguardar a nossa capacidade de decisão.
Em suma, faz um balanço que o deixa otimista.
Sim pelas razões que já disse e também porque estamos mais bem preparados do ponto de vista das gerações mais novas.
Que enfrentam uma taxa de desemprego elevada.
Não conseguimos encontrar emprego suficiente para manter a juventude, reter os talentos, como agora se diz, talentos que têm uma boa formação, muitos até com doutoramentos. Ao mesmo tempo temos abandono escolar, temos pessoas a menos a terminar o ensino secundário, é uma situação muito contrastante. E por isso é que a minha preocupação fundamental são as questões da educação e da inovação, que são praticamente o começo de tudo.
Diz que os partidos políticos são pouco ativos [ver caixa]. Somos pouco empenhados?
Nós ainda não conseguimos encontrar uma maneira de defender a democracia representativa e de a valorizar aos olhos dos cidadãos. A democracia representativa enfrenta sérias crises: de credibilidade, em relação à opinião pública, em relação aos cidadãos, ao afastamento dos cidadãos da política, não podemos ignorar isto. Ainda por cima com os partidos políticos, que são cruciais e indispensáveis, completamente ultrapassados pela rapidez com que as relações culturais e de media funcionam. Refiro-me aos social media. Estamos perante uma contradição que me preocupa todos os dias, que é saber como se pode melhorar a atividade e a comunicação para fora dos partidos políticos, que são algo de pouco representativo. Os membros dos partidos pouco passam os 200 mil. O desinteresse é muitíssimo grande, as novas gerações não discutem política ou discutem pouco.
Como tem acompanhado a polémica em torno do financiamento dos partidos políticos?
Estou perfeitamente à vontade perante esta polémica.
Porque sempre defendeu o financiamento público?
Não é isso. Quando foram as eleições de 1991, eu era candidato do PS a primeiro-ministro. Levei um banho de todo o tamanho, com uma maioria absoluta do professor Cavaco Silva. Mas não só fui o único membro da oposição que foi à tomada de posse em Belém — nunca mais me posso esquecer disso e da surpresa que causou eu aparecer em Belém sozinho —, como foi a circunstância de eu ter ido à Assembleia da República no dia em que o Governo se apresentou, com uns papéis na mão, e ter dito: “Meus senhores, eu venho aqui dizer que violámos a lei, eu vou dar ao senhor Presidente as contas da campanha eleitoral do PS, que ficaram acima do limite legal. Tome lá, Vossa Excelência, para os efeitos que tiver por convenientes e, por consequência, convido todos os partidos nesta câmara a apresentar as suas contas.” Disse isto com o professor Cavaco a ouvir.
Só que ninguém o acompanhou.
Zero. A única coisa que houve foi uma multa, irrisória, e que o já secretário-geral, António Guterres, mandou pagar. Portanto, posso falar francamente sobre o que se passou agora. Não quero entrar em pormenores, mas foi um período muito infeliz, para dizer o mínimo, para a Assembleia da República, mas também muito infeliz em geral, porque houve dezenas de ocasiões para abordar este problema e ninguém quis falar dele. Eu, como líder parlamentar, fui abordado por vários partidos no hemiciclo, sugerindo que se podia fazer uma proposta de lei para aumentar os vencimentos dos deputados, e eu disse “façam vocês e eu apoio” — foi o fazes.
Aumentar os vencimentos será sempre impopular.
Há na sociedade portuguesa a ideia de que na política estão uns malandros que não devem ganhar coisa nenhuma, que se ganharem o salário mínimo nacional já chega. Mas a verdade é que se se quer uma democracia com gente capaz, é preciso oferecer condições. Não se vai tirar um economista de um sítio qualquer e pô-lo na Assembleia da República com um vencimento mínimo, ninguém aceita. Quando se olha para a Assembleia da República, percebe-se que as capacidades e as competências nem sempre estão ao nível desejado e desejável. Nós precisamos de gente muito competente na política. Mas para isso temos de criar condições. Pensar que as pessoas muito competentes, e que ganham a sua vida bem, vão para a política sujeitar-se à devassa, seja ela qual for — se você me oferecer um chá perguntam logo qual foi a moeda de troca. É ilusório, ninguém está disponível para isso. Temos de saber o que queremos, ter coragem para valorizar a política, os partidos, os cargos políticos — do Presidente da República aos primeiros-ministros, deputados, autarcas, e por aí fora. Esperemos que este triste episódio se não repita, sob pena de aquilo que já é muito profundamente negativo se afundar ainda mais. Eu sou muito crítico do que aconteceu, sou muito crítico dos arrependimentos que rapidamente todos manifestaram, e ainda bem, mas isto só faz sentido se agora der azo a uma política positiva de trabalho de fundo e a sério. Está tudo estudado, é uma questão de escolha.
Trabalho. O antigo Presidente da República na Casa do Regalo, em Lisboa, onde tem o seu gabinete
Mas é preciso melhorar a relação dos partidos com os cidadãos.
A tentativa de aproveitar o que de bom existe no lado dos social media é crucial, porque os ritmos a que as coisas se processam são totalmente diferentes. O ritmo de vida politico-parlamentar tradicional parece vindo da Idade Média perante o ritmo da idade contemporânea em que vivem as sociedades. Do lado político, ficamos sempre em défice completo e total. Temos de aproximar os ritmos e tentar andar ao mesmo compasso.
Como é que isso se faz?
É um trabalho paciente, passa pela educação, educação cívica, educação de responsabilidade. Preocupamo-nos mais com o êxito individual do que com o êxito coletivo, e isso é o resultado de determinadas políticas económicas e de um modelo de sociedade em que a solidariedade coletiva só funciona em momentos de tragédia, mas no dia a dia é uns a ver e outros a sofrer.
Está a pensar nos incêndios de 2017.
A compartimentação na sociedade portuguesa é das coisas mais trágicas. Eu presenciei muitas épocas de incêndios como Presidente da República e sempre me fez a maior impressão haver o público que vai para a praia e o público que sofre os incêndios. É a prova da dualidade que existe no nosso país de uma forma dramática. Embora no interior do país haja um certo abandono, é certo, também não é o deserto absoluto. Mas a velhice, a falta de saúde... é terrível. Em 2003, um ano terrível de incêndios, estávamos na inauguração do estádio do Sporting, havia um alarido brutal sobre os incêndios e ao intervalo do jogo cheguei-me ao pé de Durão Barroso e disse-lhe: “Ó senhor primeiro-ministro, faça uma coisa indispensável, vá para os incêndios, apareça.” [Ele perguntou:] “Acha que sim?” “Já! Já! Deixe isto tudo, vá para os incêndios, apareça.”
E ele foi?
Foi. De imediato.
2017 foi pior, os incêndios causaram mais de uma centena de mortos.
Este verão tivemos a terrível consagração dessa tremenda dualidade. Com isto chegamos a um tema muito importante, que é o do território. Se me perguntar quais são as políticas públicas cruciais, com certeza que são a da Justiça, a da Segurança, a da Saúde, a da Educação, a da Defesa... Mas o território é absolutamente crucial. Os fundos estruturais dos anos 80, que eram contraponto às quatro liberdades, não foram, embora gastos, capazes de equilibrar isso. O território tem um desenvolvimento profundamente desigual e precisamos de ter — embora eu deteste a expressão, porque é usada vezes de mais — uma estratégia de médio prazo para este país. Por isso eu dizia: o que é que queremos ser do ponto de vista político, económico e social, em que circuitos nos inscrevemos, o que é ambicionamos? As perspetivas financeiras pós-2020 são cruciais, porque é daí que virá a capacidade para ajudar a minorar as grandes diferenças e contrastes que existem em Portugal.
Mas se é o litoral a ver e o interior a sofrer, não é porque o centro de decisão está no litoral, ou melhor, em Lisboa?
Isso leva-me a outra coisa da maior importância, e de que eu sou um adepto: a descentralização. A regionalização falhou — eu fui a favor, mas não me pronuncio sobre as razões de ter falhado, embora ache que o nacionalismo mais desabrido nuns casos e mais justificável noutros veio ao de cima — e nós também não soubemos aproveitar plenamente as potencialidades das CCDR para a aplicação de fundos estruturais. Por mim, continuo a pensar que precisamos de uma descentralização política, com um combate muito feroz às cacicagens e a gastar dinheiro sem perspetivas, sabendo o que é a responsabilidade da cada um. As autarquias passam a vida a reclamar, e bem, capacidade para assumir um protagonismo diferente, mas quando se começa a falar em devolução de certos poderes, as autarquias recuam de imediato porque dizem que não têm meios e precisam de mais gente. Quando eu digo descentralização, digo descentralização de recursos e de responsabilidades. A descentralização ajuda, mas são precisos instrumentos. Se, por um lado, os órgãos de representatividade se esvaziam e se, por outro lado, os tribunais, os correios, a saúde se retiram fisicamente dos territórios, não há nada por onde começar e, além disso, as próprias pessoas desertam também. O que é que pode atrair pessoas para estes sítios? As vias sozinhas não chegam, os capitais são necessários. Este é um país pequeno para não ser um país solidário, não se pode dar a esse luxo. Que podemos fazer para sermos um país mais solidário? Dando condições de vida a uma parte dos portugueses que as não têm! Não podemos continuar a viver com esta percentagem da população a viver no limiar de pobreza, é incompatível com a ideia de um país inclusivo e de uma Europa desenvolvida.
A ação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa nos incêndios de 2017 foi positiva?
Isso merece um enquadramento mais profundo. Nós, os ex-Presidentes da República, normalmente não falamos sobre os titulares que nos antecederam ou sucederam. Isso tem sido importante para a democracia, para as funções e para a própria estabilidade dos poderes presidenciais, sem prejuízo do estilo de cada um. Há um enorme acervo assumido por todos, ninguém verdadeiramente discute os poderes presidenciais, o que se pode discutir é o estilo que cada um dá e as execuções que tem em relação a esses poderes. É preciso ter a noção clara de que os poderes do Presidente são de arbitragem, de mediador de conflitos, de procura de consensos e de estímulo em relação às preocupações gerais do país. Dito isto, acho que a tragédia foi de tal maneira grande que se percebe, independentemente de quaisquer outras considerações de natureza pessoal, que a atividade do Presidente da República, como também dos outros órgãos de soberania, se justificou. Não estou a falar dos episódios em concreto, pode-se discordar ou não, mas nessa altura as pessoas sentirem que o afago é porventura mais importante, isso é verdade. Agora, não podemos substituir-nos àquilo que é o trabalho do executivo, àquilo que é trabalho da nossa administração. Cada um fez o que pôde, acho que o Presidente respondeu com afago e carinho àquilo que era o desejo de afago e de companhia na tristeza que muitas pessoas tinham.
O Governo esteve à altura?
O Governo fez o que podia fazer e devia fazer. Agora, nos momentos de tragédia é precisa também alguma contenção na mediatização dos acontecimentos, nos comentários. O país ultimamente tem tido centenas de especialistas em gripe, toda a gente sabe de gripe, é uma coisa extraordinária; centenas de especialistas em incêndios; centenas de especialistas em proteção civil...
Está a referir-se aos comentadores?
Estou a referir-me em geral, toda a gente fala em reconstrução de casas, em organização de autarquias, em segurança... Isto não é assim. É preciso ter uma ideia certa sobre o que se pretende e isso leva-nos à reforma do Estado. Ouve falar-se de reformas estruturais, quando não há nada para dizer, lá vêm reformas estruturais. Mas quais? Com que detalhe, com que objetivo? Reformas estruturais, está na moda dizer...
Está na moda há muitos anos.
O que mais me espanta é que me lembro perfeitamente do que se passou em 2003, 2004, 2005 e já na altura o problema era semelhante: a floresta completamente desarticulada, com um regime de propriedade antiquado. OK, agora querem atacar o problema, e ainda bem, estou encantado, mas não é coisa para dois meses, é para 10 ou 20 anos. E com a dor que isso vai representar para muitos portugueses. Os que não estão cá e vão reclamar um sexto, etc.
Está a falar dos direitos de propriedade, que é uma questão constitucional.
Exatamente. Estou a pensar que é preciso um Estado forte, uma política pública forte, tão consensual quanto possível. E não haver ninguém a fugir, a dizer “já não estou nessa”. Não esqueçamos que a dimensão do desafio, é uma zona inteira do país que precisa de uma profundíssima reforma da floresta, o que significa uma reforma do povoamento, da agricultura, da indústria. Isto precisa de um trabalho de política pública assumida por toda a gente.
“Toda a gente” quer dizer de dois terços no Parlamento [necessários a alterações da Constituição]?
Exatamente.
Se fosse na sua presidência falaria de um pacto de coragem, como tantas vezes falou?
Falaria com certeza e com muita mais força porque houve agora coisas mais graves, tantas mortes. E isso faz com que haja um lado de sofrimento humano e de dor muito significativo, só que essa dor e as ações de solidariedade que gera, e bem, não chegam para mudar estruturalmente as coisas. Eu quero manifestar às vítimas e às suas famílias a minha grande tristeza, preocupação e solidariedade. Digo-o com grande pudor porque as palavras podem pouco perante a tragédia sofrida por tantas pessoas, às vezes aldeias inteiras. Nós hoje temos todos de algum modo estas vítimas connosco, mas não chega para reformar políticas. Por isso, quero insistir que temos de estar à altura, tirar as devidas consequências e fazer as reformas políticas necessárias que previnam a repetição destas tragédias.
Estamos num enquadramento político inédito, com uma solução de governo que amarra a esquerda, e temos à direita uma aparente e talvez momentânea orfandade de parte dos eleitores, gerando focos de oposição inorgânica. Concorda?
Não.
Comecemos pela esquerda. Como vê a situação?
Deve-se a António Costa o talento de ter percebido que tinha condições para poder liquidar a ideia do arco da governação tradicional. E de permitir à Assembleia da República desempenhar a sua função essencial, que é a de decidir se o governo e o seu programa passam ou não passam. Se não passam, não há governo. Com a nova fórmula governativa, rompeu-se um tabu e quebrou-se um ciclo. Isso foi muito positivo para a vida portuguesa, independentemente do que acontecer a seguir. E foi positivo, finalmente, depois de tantos anos, o PCP e o Bloco de Esquerda terem chegado a fazer esta coligação de Governo.
Também lhe chama “geringonça”?
Não, não lhe chamo, é brilhante como palavra, mas não se deve aplicar, tem uma conotação depreciativa. Dito isto, o mecanismo parlamentar funciona. Até que ponto é que António Costa e o Governo estarão disponíveis, e o grupo parlamentar do PS, para aguentar determinadas coisas, até que ponto poderão defender o seu programa e a sua liberdade, até que ponto os outros estarão disponíveis a continuar? São questões em aberto. Há um ponto que eu não vejo desenvolvido: normalmente diz-se que isto vai durar enquanto o chamado custo-benefício for positivo, no sentido em que ninguém quer ficar com o ónus de ter de romper e isso é positivo; mas o contrário também, porque o PCP tem a dignidade e a história que tem atrás de si. Eu tive ligações com o PCP na Câmara de Lisboa, conheci muita gente na clandestinidade e da clandestinidade. O que me espanta é que tenham tido a capacidade, por razões de relação com o próprio eleitorado, julgo eu, de terem chegado a esta solução. Mas o limite para esta solução, em meu entender, é saber se querem baixar à wilderness outra vez e ficar de novo de fora, ou não, por isso têm de pensar duas vezes. Penso que o eleitorado jovem não estará muito disponível para voltar para fora dos instrumentos de poder possível. O PCP é um partido de poder quando possível. E, portanto, vai avaliar muito seriamente se quer deixar de o ser e ficar acantonado aos seus 7% ou 8%. O BE é parecido: o que é afinal o BE? É uma força que não tem força eleitoral autárquica, tem um conjunto de gente interessante, a começar pelo seu fundador principal, que é uma figura única, brilhantíssima.
Francisco Louçã.
Sim, brilhantíssimo. Mas o que faz o BE fora do poder? Não chega às autarquias sequer, tem um vereador, por milagre, na Câmara de Lisboa.
O Bloco de Esquerda precisa de poder?
O BE tem de medir seriamente qual é a sua relação com o poder. Uns e outros, BE e PCP, têm de medir que tipo de compromissos têm que fazer para se manterem na posição em que estão; têm de saber digerir aquilo que são os compromissos europeus do PS com os seus compromissos internos.
Está a desafiá-los?
Não, estou a dizer que isto é assim. Alguém pensa que Portugal seria neste momento viável, com as finanças que tem, contestando os compromissos europeus? Estando na União Europeia como está nesse domínio? Sendo o Banco Central Europeu o que é? Não penso que possamos ter essa aventura. Não é possível, mesmo que porventura eu desejasse, o que nem é, claro, o caso!
Ficou espantado com o apoio do PCP ao Governo. Admite espantar-se mais?
O PCP é um grande tático. O dr. Cunhal tinha uma notabilíssima capacidade tática dentro de um contexto estratégico muito idêntico. A maneira como ele, por exemplo, adaptou o partido numa semana à votação no dr. Mário Soares [nas eleições presidenciais de 1986] é absolutamente única, só possível naquele partido. O PCP tem muitas antenas na sociedade e sabe que não pode fazer apenas almoços na Baixa da Banheira, com toda a estima pelos elementos da Baixa da Banheira, porque precisa de chegar ao poder. As autarquias não chegam para os grandes desafios em cima da mesa. Que tipo de desafios está o PCP disposto a admitir? E o BE? Saídas da União Europeia, saídas do euro? Alguém se convence que isso seja possível no contexto da economia portuguesa? Sejamos realistas.
Diz que o PCP tem de decidir “baixar à wilderness”, o que pode ser traduzido de várias maneiras: é voltar ao estado selvagem, ao estado natural?
[risos] É voltar à solidão.
O que se está a passar no BE é comparável com o que aconteceu, há anos, na Alemanha com os Verdes? Uma espécie de rendição...
Não se trata de rendição...
... de pragmatismo perante a necessidade de influenciar...
O concreto da vida política e a necessidade de realizar coisas forçam a um certo pragmatismo, isso é indiscutível. O que acho mal é um pragmatismo sem conteúdo. Mas não há dúvida que a ação política tem necessidade de um pragmatismo. A realidade é que as coisas são muito mais difíceis e muito diferentes.
Foi, aliás, essa tomada de consciência que o levou a aderir ao PS, em 1978.
Sim, sem dúvida.
Defende uma redefinição das funções do Estado?
Não sou a favor do Estado mínimo, há funções que são inalienáveis. Quero que o Estado esteja mais apetrechado para responder com eficácia — e não responder sempre da mesma maneira: que é preciso mais efetivos, estou cansado de ouvir falar disso. A parte da gestão é essencial, mas normalmente não é tocada. Repare que todas as reivindicações são sempre de mais efetivos, sejam polícias, médicos, enfermeiros, sempre mais efetivos. Isso não é possível. Por outro lado, há coisas que podem não ser feitas pelos serviços públicos. Mas há outras que, como disse, são inalienáveis. Gostava de ver uma administração pública em que a gente se revisse. E há serviços que só funcionam porque a dedicação é enorme. Quando percebemos, como eu percebi nos hospitais públicos, que há enfermeiras que trabalham 12 horas e ganham uma miséria, percebe-se que há ali um serviço público que ainda mexe. É necessária uma administração pública que sirva os objetivos gerais do país, uma administração descentralizada, o que se prende muito com a capacidade de a justiça responder em tempo útil às aspirações das pessoas. A morosidade da justiça portuguesa, nomeadamente da justiça económica, é preocupante. É preciso uma regulação eficaz e forte. Não é que eu, de repente, me tenha tornado um liberal, mas a regulação é essencial.
E no plano económico?
A este propósito gostava apenas de sublinhar que é preciso termos uma ligação muito maior e mais estreita entre as universidades e as empresas, com vista à investigação e à qualificação produtiva. A nossa estrutura empresarial é muito pequena (há sobretudo pequenas e médias empresas) e não chega para fazer escala, para a incorporação de know how e da inovação. Por outro lado, temos o problema da nossa administração pública: a reforma do Estado tem de passar necessariamente por uma reforma da administração pública. Uma administração para quê? Qual é o papel dos novos instrumentos de comunicação e das novas tecnologias de informação? É necessário dotar o país de uma capacidade tecnológica nova e quanto mais cedo melhor, mas sem esquecer (e essa é a dificuldade do exercício) os que ficam para trás.
Falemos agora da direita, onde parece haver um vazio, temporário ou não, na capacidade de representação.
Os vazios preenchem-se, não duram muito tempo. Resta saber como e para quê. As fronteiras políticas, nos últimos anos, estão muito mais diluídas. O espaço político disponível do centro-esquerda para o centro-direita é muito maior do que se pensa. Agora as pessoas entretêm-se, com régua e esquadro, a ver em que bissetriz se encontram — se mais à esquerda ou mais à direita... Ora, não faz grande sentido. Já não há classes sociais como há 50 anos. Os sectores produtivos são diferentes e isso faz com que haja um éclatement das várias componentes sociais disponíveis. As ideologias continuam a ter o seu lugar estruturante no pensamento e na ação, mas é preciso uma espécie de novo sistema de pesos e medidas para avaliar constantemente as políticas propostas, as soluções práticas e as consequências/resultados. Parece continuar a haver uma bifurcação em termos de opções: ou se é mais progressista, e se preocupa mais com a equidade e com a luta contra as desigualdades, ou domina a ‘marketização’.
O próprio PS anda a navegar entre o centro e a esquerda.
Pois, claro que anda. O PS — e posso falar claramente, porque é o meu partido — tem condições únicas para aprofundar até onde pode ir do ponto de vista das suas capacidades políticas, ideológicas e programáticas. Fez-se um esforço grande e muito assinalável — tão destruído e tão criticado! — para pôr de pé um determinado edifício, e agora é preciso nutri-lo todos os dias com as políticas mais díspares. Os temas aumentam sem parar, cada dia que passa há mais um. Esses novos temas requerem um tratamento. E é por via do tipo de tratamento que se faz de cada um deles, que se será aferido do ponto de vista político e social.
Porque é que o PS tem uma oportunidade única?
Porque tem mais condições. Porque está no poder e tem mais informação do que os outros. Tem uma relação internacional muito forte e toda a informação que isso lhe dá. E ao mesmo tempo tem pessoas que deve mobilizar para essa tarefa de conceptualização e de ligação ao sector empresarial. O pouco que se fala sobre o sector empresarial perturba-me muito. Não é apenas o PS. A esquerda associada ao PS não fala em empresas. E elas são cruciais neste país. Sem isso, não teremos emprego. Direi mesmo que o PS está em boas condições para poder liderar uma renovação, não diria da social-democracia — que, lá fora, quer dizer outra coisa — mas, para utilizar o jargão português, do socialismo democrático. Toda a gente percebe que isso é o mesmo que a social-democracia europeia no sentido mais amplo do termo.
Momento. Jorge Sampaio durante a entrevista conduzida por Pedro Santos Guerreiro e José Pedro Castanheira
O antigo Presidente da República na Casa do Regalo, em Lisboa, onde tem o seu gabinete
O país perdeu recentemente um dos seus grandes empregadores e empreendedores...
Sem dúvida.
... Belmiro de Azevedo, com quem teve relações muito dialéticas.
Muito vivas e muito rijas. O que é importante é que no exercício de cargos políticos as pessoas não sejam influenciáveis e que isso fique claro para todos. Não interessa se é o senhor Joaquim, dono de uma retrosaria, ou se é o senhor Fulano, que tem uma multinacional. São iguais e é assim que sempre procurei atuar. E isso dá-me um descanso enorme. Na Câmara de Lisboa, para só falar dela, o convite à valsa pode ser grande. Mas ninguém ousou.
Está a falar de lóbis na política?
Não só. Espero que este período, a caminho de novas eleições — a começar pelas europeias —, sirva para afinar políticas. Precisamos de ser mais concretos, mais rigorosos nas metas, na calendarização, na monitorização. E, sobretudo, é preciso ter uma força política grande. É a única maneira, num país como o nosso, cheio de lóbis, influências e poderes de facto do mais variado tipo, de se conseguir fazer vingar o domínio da política sobre as coisas.
O que é que o PS precisa para isso?
De fazer sentir bem aquilo que representa e aquilo que é capaz de fazer.
A ligação ao BE e ao PCP é um obstáculo?
Os obstáculos pululam. Resta saber como é que se lida com eles e qual é o limite, até onde se pode ir. Não se esqueça que fui Presidente da República sempre com maiorias relativas, com várias saídas pelo meio. A ideia de que é preciso continuidade e estabilidade não é uma ideia oca nem visa limitar alternativas que só em democracia existem. A estabilidade é um elemento indispensável para executar um programa de governo. Para que os intervenientes sintam que aqueles senhores são os que estão a mandar naquele momento. Se não sentem isso, furam tudo por todos os lados.
Entretanto, o senhor entrou na campanha interna do PSD, levado por Santana Lopes.
É natural, mas não tenho nada a comentar. Já está tudo escrito, não vou comentar nada.
E do caso José Sócrates?
É uma matéria que eu não toco.
Falemos das Forças Armadas. Na sua Presidência esteve muito atento a essa problemática.
Sempre dei a maior importância ao cargo de comandante supremo das Forças Armadas. A minha oposição à presença das Forças Armadas na guerra no Iraque foi simbólica e paradigmática. Aí sou como o Presidente Truman em relação ao general MacArthur, o poder civil manda no poder militar. Como se sabe, o general, que fora um grande chefe militar no Pacífico, queria prosseguir para a Manchúria, o Presidente Truman disse que não e aquele velho juiz, que fora eleito Presidente da República, demitiu o general MacArthur de um dia para o outro. As Forças Armadas, cujo prestígio e modernização têm de ser louvados, têm accountability, têm responsabilidade — e isso é com o poder civil. Para mim, isso é um ponto de intransigência total. A partir do momento em que isso é subvertido, a democracia está enfraquecida.
Como tem acompanhado a trapalhada sobre as armas de Tancos?
Sinto um certo incómodo sobre essa matéria. Impõe-se que haja uma resposta sobre Tancos. O tempo passa, mas não quero ser mais claro. Ninguém fica bem nesta matéria.
Quando deixou de ser Presidente, em 2006, continuou especialmente ativo, mas no plano internacional. Passaram 12 anos…
Não tive propriamente tempo para descansar. Tinha saído em março, e, em abril ou maio, foi com gratificante surpresa que recebo um telefonema de Kofi Annan, estava eu no Palácio de Queluz. Trabalhara com ele em cimeiras das Nações Unidas em Nova Iorque sobre questões de saúde e, por isso, queria saber se eu aceitava ser seu representante pessoal para a luta contra a Tuberculose. Aceitei e desempenhei essas funções até 2012.
Foi uma aposta de Kofi Annan.
Sim. Era um cargo novo ligado à Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, muito apadrinhada por Kofi Annan, e aceitei o desafio. Sempre gostei dos problemas da saúde pública, por razões pessoais e familiares. Tive a possibilidade de falar a um público muito mais vasto. Promovi várias coisas, entre as quais a primeira Conferências das Nações Unidas sobre a coinfeção VIH-Tuberculose, com o Presidente Bill Clinton e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Depois, foi também o alto-representante para a Aliança das Civilizações.
Ban Ki-moon pediu-me para ser o alto-representante para a Aliança das Civilizações, em 2007. Tratava-se de implementar as recomendações de um relatório que pretendia incentivar o diálogo entre as sociedades muçulmanas e as sociedades ditas ocidentais e promover o diálogo e a cooperação interculturais. Acumulei os dois mandatos entre 2007 e 2012, o que significou um trabalho gigantesco. Montei toda a estrutura e o funcionamento da Aliança, desde o plano nacional até aos fora mundiais, passando por estratégias regionais. Percorri o mundo e tudo isto me deu uma enorme satisfação. Era o aproveitamento da experiência de um antigo Presidente. Recordo a ideia de Felipe González, segundo a qual os antigos Presidentes da República são como a louça da China: é uma porcelana muito bonita e antiga, mas ninguém sabe o que fazer com ela. É uma imagem magnífica. [risos]
Depois veio a atribuição do Prémio Mandela, vai fazer três anos.
Foi a primeira vez que o Prémio Mandela das Nações Unidas foi atribuído, a mim e a uma médica oftalmológica da Namíbia, doutora Helena Ndume.
Mais recentemente criou a Plataforma de Apoio aos Estudantes Sírios.
Foi em 2013. Com a ajuda de gente que conheci nos caminhos da vida, em Portugal e no estrangeiro, foi possível criar este programa de bolsas de estudo de emergência para estudantes sírios, que vai agora ser transformada numa iniciativa multilateral de origem portuguesa, com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que consistirá num mecanismo de resposta rápida para o ensino superior nas emergências. Ou seja, partindo da experiência síria, passamos agora para outro patamar por forma a dar uma resposta sistémica ao problema do grupo específico dos estudantes do ensino superior que sejam apanhados por crises — guerras, desastres naturais ou situações de vulnerabilidade — e que assim recebem proteção e assistência académica. No fundo, é uma espécie de Erasmus, mas para os estudantes em mobilidade forçada. Há universidades e institutos politécnicos interessados; estudantes com estudos interrompidos é o que não falta; agora, é preciso encontrar dinheiro e parceiros. Este mecanismo vai ser lançado numa reunião internacional que estou a preparar, conjuntamente com o Governo, e que terá lugar em Lisboa, no dia 5 de abril.
Os estudantes sírios responderam à altura.
São mais de uma centena em Portugal. Mais de 30 estão já empregados ou em estágios depois de terem concluído os seus mestrados entre nós. Alguns são mesmo excelentes alunos, têm notas muito boas, de 17, 18 e 19; há até um ‘cérebro’ que teve 20 valores num mestrado na Universidade de Coimbra. Este programa tem êxito porque resulta de uma cooperação entre muitos parceiros — com universidade e politécnicos, em primeiro lugar, com empresas, fundações e particulares. Conseguir fundos para isto, é um milagre e tem dado muito trabalho. Mas é também muito gratificante. E através dos estudantes, percebe-se o que tem sido a destruição da Síria, que tem gente muito boa e um ensino universitário (e não só) muito capaz. Hoje, são eles, as vítimas, mas qualquer um de nós podia estar no lugar deles.
No ano passado foram publicadas várias notícias sobre o seu estado de saúde. Quer adiantar alguma coisa?
Não. Felizmente os hospitais foram muito discretos, bem como os jornais. Estou recuperado, como podem ver. Eu não andava, e agora já ando.
Quando lhe pedimos esta entrevista, propusemos-lhe que escolhesse um livro, um texto, um poema ou uma música que, neste momento da sua vida, fosse especialmente importante.
Escolhi música. Tenho um eixo, que começa em Bach e Vivaldi, passa por Mozart, atravessa Beethoven e vai até Brahms e Mahler, ficando por aí. Um eixo em torno destes autores e das suas variações. Eu não sou como o ilustre Stravinsky, que dizia que o Vivaldi escreveu sempre o mesmo concerto. Ainda que, modestamente, não esteja de acordo. Também gosto muito de ópera. Tive a sorte de a minha mãe me levar à ópera desde miúdo.
Qual foi o último concerto a que assistiu?
O “Requiem”, de Mozart, na Gulbenkian. Preciso de orquestra e coros — isso é que me enche as medidas. Lembro-me do maestro Riccardo Muti, que dirigiu recentemente o Concerto de Ano Novo, em Viena. Viu-o em Salzburgo a dirigir o “Requiem”, de Verdi, e foi inesquecível. Mas tenho um defeito grave: não sou capaz de ouvir música e ler ao mesmo tempo. Na leitura estou na obra de Valentim Alexandre, que é absolutamente brutal do ponto de vista da investigação. São três volumes sobre a época colonial. Saiu agora o primeiro: “Contra o Vento. Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)” e merece uma atenção desmedida.
O que gostaria que as pessoas aprendessem da sua vida?
A resiliência. Nunca desistir. Mesmo que se esteja muito em baixo, como aconteceu comigo em agosto, setembro e outubro, tem-se sempre a esperança de que no dia seguinte se está lá outra vez, que a noite não acabou connosco. Quando vinham as enfermeiras fazer a consulta matinal, medir a temperatura e a tensão, eu sentia que estava vivo, estar vivo é porreiro. Com esperança de que irá melhorar. Entre muitos defeitos que conheço em mim mesmo, um deles é ter muita capacidade de luta. Não parece, parece que sou um tipo frágil e que hesita, mas não gosto que me ponham a um canto. Saio de lá ao pontapé se for preciso. Isso tenho verificado ao longo da vida e das coisas mais terríveis: vou-me abaixo mas recupero. Gostaria de ver isso em muitos portugueses. Além disso, gostava de ver uma preocupação que advogo e que o meu pai sempre referia. É aquela máxima de John Kennedy: o que podes fazer de útil pelo teu país? Não é fazer para ti, mas para o teu país. Tenho isso como lema.
“Por amor de Deus, o problema da dívida está a meter-se pelos olhos adentro!”
Portugal tem espaço de afirmação política na Europa?
Não poderemos deixar de ter um caminho próprio e que se insira no quadro europeu. E não podemos dispensar estar à mesa da evolução da Europa e o mais acompanhados possível, por isso as cooperações estruturadas são importantes, como na defesa — nem concebia estarmos fora disso. Estamos na altura de consolidar o pós-crise financeira, é altura de ser demonstrado que é possível ter uma política que não dispense o consumo interno mas que tem de ter cuidado com as contas públicas. Nestes anos próximos, ou a UEM solidifica o crescimento e a capacidade de resposta ou não, e isto acaba por ser um conglomerado, perdendo-se o que melhor nos caracterizou no pós-guerra. Esse pós-guerra, que foi muitíssimo importante para a paz na Europa, começou por ser económico, depois político. É preciso que o ‘Brexit’ não seja banalizado e que não abra a porta para outros casos. Ficamos a 27, ponto, parágrafo. E a 27 temos de nos conseguir solidificar.
Está mais otimista no plano interno do que no externo.
No plano externo não estou otimista, porque há um conjunto de conflitos potenciais muito sérios, além de desafios globais, como a fome, as alterações climáticas, o ‘atentismo’ chinês, a relação da Rússia com a Europa, que está em banho-maria, e gravemente...
O trumpismo, como lhe chama, agudizou a situação.
É imprevisível o que pode acontecer. A verdade é que o senhor Trump traduz aquele conjunto de arrazoados desconexos e ignorantes em frases simples e mobilizadoras, e há uma camada de americanos que continua fiel ao seu candidato vencedor. Isto terá repercussões. Veja-se o que aconteceu no conflito israelo-palestiniano, o que significou lançar-lhes a pedrada, no momento em que também se isola dos aliados europeus e faz uma aliança com a Arábia Saudita contra o Irão.
E há a Coreia do Norte. É um mundo instável.
Não se podem fazer previsões. Sempre achei, de acordo com alguns especialistas americanos, que a posição da Coreia do Norte era para a negociação: “Precisamos de que contem connosco para negociar, temos direito a ter estes mísseis balísticos, mas queremos com isso chegar à mesa. Se não nos deixam, vamos subindo a parada.” Mas esta parada tem um limite, e Donald Trump já percebeu que, se levar à prática aquilo que ameaça, a Coreia do Sul desaparece em dois dias, dada a força terrestre dos norte-coreanos. Os americanos deveriam reconhecer que a Coreia do Norte é uma potência nuclear e conversar. Porque senão tudo abana, os aliados da China, o Japão e seus aliados, abana o espaço vital que existe naqueles confins do mundo. É por isso que vejo a gravidade de Trump, a incapacidade de admitir que o acordo atómico com os iranianos pode ser melhorado mas não pode ser suspenso.
A Europa precisa de saber qual o lugar que ocupa na cena política mundial?
Nós teremos mais força como interlocutor internacional quanto mais desenvolvida for a integração europeia, quanto mais apertados, responsáveis, rápidos forem os mecanismos de resposta da UE às crises e quanto menos parcial for a resposta de alguns dos países em relação a outros, no que concerne à divisão entre Norte e Sul, por exemplo. Isso dá cabo, a prazo, da unidade da União Europeia. Houve progressos, mas do ponto de vista do poder temos muito caminho a percorrer para nos afirmarmos como entidade incontornável à escala internacional.
Que avaliação faz do início de mandato de António Guterres na ONU?
Muito positiva. Quem conhece minimamente as Nações Unidas, como eu, percebe que tudo depende muito em primeira mão do Conselho de Segurança, sobretudo dos países com direito de veto. E, quando se tem um americano que diz o que diz e que ameaça suspender a contribuição dos EUA para 25% do orçamento das Nações Unidas, percebe-se que a vida não será fácil. António Guterres tem feito o melhor possível, com intuitos reformistas significativos. Agora, não podemos atribuir-lhe a capacidade de resolver conflitos que são muito mais profundos e que dependem de outros interesses estratégicos. As Nações Unidas, as agências e os funcionários são absolutamente cruciais e indispensáveis, não concebo o mundo sem isso.
Guterres tem sido devorado pela enorme ‘máquina’?
Não. António Guterres não é ‘devorável’, no bom sentido da expressão.
Crê que a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo vai alterar a política europeia relativamente às finanças de cada país?
A UE está confrontada com a necessidade absoluta de avançar com os instrumentos capazes de solidificar a união bancária, a UEM e o euro. Estou certo de que as pessoas responsáveis por essas matérias farão o que é possível, mas não estão sozinhas. Eu tenho a esperança de que a UE e os seus mecanismos consigam deixar de ter tabus. Começa a haver uma evolução positiva no sentido de alguma flexibilidade, o que dá possibilidades a Portugal. Há uma responsabilidade acrescida, tanto mais que em 2019 há uma grande incerteza com as eleições no Parlamento Europeu e com o que isso representa para a futura Comissão. Ninguém sabe o que vai resultar. Temos, assim, de aproveitar bem o tempo até lá, no qual alguns veem uma janela de oportunidade única para as reformas avançarem na Europa, mesmo que também haja eleições em Itália e que a questão catalã permaneça uma incógnita.
Acredita na coligação entre a CDU de Merkel e o SPD de Schulz?
Isso pode ser positivo, pode ser que os sociais-democratas, agora um bocado de rastos e chamados in extremis a salvar Angela Merkel, no bom sentido, tragam um sopro do mínimo de flexibilidade e de políticas alternativas. Esta coisa extraordinária, que sempre me pareceu vexatória para nós todos, que é “vocês têm de cumprir isto, mas para cumprir isto têm de crescer”, e não se pode crescer se tudo se mantiver imutável e dogmático, é uma contradição colossal. Não pode haver políticas keynesianas de nenhuma espécie, porque “vocês têm de respeitar isto custe o que custar”, mas fica a faltar o outro lado.
O vexatório aplica-se a Portugal?
À Europa no seu conjunto, como se não estivéssemos todos a perceber que o que aconteceu nestes anos é resultado da maneira como foram aplicados os remédios da troika, que os próprios responsáveis do FMI vieram reconhecer que foram mal aplicados e constituíram um desastre. Temos de ter alguma liberdade para, respeitando os critérios básicos enunciados, podermos fazer um desenvolvimento melhor. Sem tabus. E isso tem que ver com temas como a questão da dívida. A questão da dívida não pode ser eternamente um tabu, porque ela está aí. Ou como a questão do crescimento.
Está a defender a renegociação da dívida?
Não estou a defender nada disso, não vale sequer a pena. Vale a pena é dizer que não é sustentável que ignoremos que o problema existe. Por amor de Deus, ele está a meter-se pelos olhos adentro! Temos 40 anos de pagamento de dívida à nossa frente, no mínimo, e é preciso crescer a 3% ou a 4%, o que nunca aconteceu nos últimos anos. Alguma coisa tem de fazer-se, é preciso um consenso. Não estou a dizer perdões...
O que sugere, então?
Sugiro que se comece a conversar sobre isso a sério, desde os think tanks portugueses, que deviam ser muito mais ativos do que são, até aos partidos políticos, esses então nem se fala. E precisamos de ter uma posição que se discuta. Tabus?! Em democracias representativas e em democracias europeias? Não faz sentido.
Quando Sampaio “deu cabo daquilo”: 22 vetos, nenhum ultrapassado
O acervo das funções presidenciais deu-me a possibilidade de ter uma intervenção no dia a dia, de aconselhamento, de arbitragem, de moderação, em proximidade muito grande aos cidadãos no seu conjunto.
Na política externa, realço a guerra do Iraque. A posição de não envolvimento de Portugal foi um contributo muito importante para a afirmação dos princípios do multilateralismo e da legalidade à escala internacional. Ao mesmo tempo, revelou a importância que Portugal poderia ter nos conflitos europeus, como teve com a presença na Bósnia-Herzegovina.
Outro exemplo que quero assinalar é o da criação do chamado Grupo de Arraiolos, que reúne os vários Presidentes da República da UE sem poderes executivos. Está maior agora do que na altura da criação.
Por último, nunca me ponho em bicos de pé, mas fui (enquanto deputado e não só) um dos permanentes defensores da independência de Timor-Leste — muito antes de ela ter acontecido. E ainda antes de ser eleito Presidente, disse numa entrevista (precisamente ao Expresso) que uma das coisas que mais gostaria de fazer era ser o primeiro Presidente da República de Portugal a visitar Timor independente, o que foi visto como uma “declaração de guerra” muito positiva.
Na política interna, houve duas coisas muito importantes. A primeira foi a visita a todos os concelhos do país, 308 concelhos em dez anos. Visitando atividades, incutindo o debate, dando conselhos vários, etc. Foi muito importante do ponto de vista da coesão. O que me deu mais gosto foi as pessoas perceberem que estava ali um alto magistrado, eleito por sufrágio direto, que não era Governo, mas a quem faziam apelos, mostravam matérias, apresentavam queixas. “Se não fosse o sr. Presidente, esta estrada não se tinha feito”, ouvi dizer muitas vezes (era uma coisa que me irritava profundamente, mas era verdade, faziam a estrada antes de eu chegar). As visitas pelo país foram complementadas com as presidências temáticas. Agora sorrio, e não é de inveja. Fiz um esforço enorme para que se fizesse um congresso da Justiça. O congresso chegou a fazer-se, na Aula Magna, mas pegaram-se todos, como de costume.
A segunda coisa está relacionada com a longa lista dos 22 vetos, que não valem pelo número, mas pelo conteúdo. Vetos sobre leis da Assembleia da República e sobre decretos do Governo. Nenhum destes vetos foi ultrapassado, o que é uma coisa que eu tenho como glória. Nem os vetos de leis, que podiam ser ultrapassados por uma maioria de dois terços da Assembleia da República, nem de decretos do Governo, que poderiam dar origem a um novo projeto de lei do Governo ao Parlamento. Nada disso aconteceu: tive sempre a última palavra, os casos acabaram ali. As portagens do Oeste, a procriação medicamente assistida, a lei da droga… tive um papel muito importante no problema da toxicodependência, trazido constantemente por mim, quer em conferências e colóquios quer na proteção à aplicação da lei da droga. Houve dois vetos que me deram muito gosto: um sobre modificações ao Rendimento Social de Inserção — dei cabo disso e ganhei no Tribunal Constitucional. Relativamente a diplomas do Governo, destaco os vetos sobre universidades privadas — dei cabo, também com gosto, devo dizer, do facilitismo na concessão a interesses locais por via das maiorias políticas. Igualmente significativo foi o veto ao diploma sobre o ato médico. Rebentei com ele. Até hoje. O diploma era uma baralhada infernal, em favor dos médicos, diga-se.
Por último, quero ainda referir que trouxe a inovação para o centro das atenções em Portugal, com a criação da COTEC ; por influência e amizade com o rei de Espanha e do presidente de Itália. E os encontros internacionais da COTEC, que inaugurei, prosseguiram durante os mandatos do prof. Cavaco. Ah, e houve ainda a criação — que gerou uma certa incomodidade no Governo Guterres — do Conselho Económico. Foi uma ideia que fui buscar ao Council of Economic Advisers, dos Estados Unidos. Esse Conselho reunia quem havia de melhor e reunia-se mais ou menos uma vez por mês. Foi uma iniciativa transversal muito importante, promovendo o debate sobre a vida económica e financeira do país.
Depoimentos recolhidos por José Pedro Castanheira e Pedro Santos Guerreiro
Está otimista mas preocupado. Sobretudo com os riscos externos, mas também com a definição do lugar de Portugal no mundo. Elogia o talento de António Costa por “ter percebido que tinha condições para poder liquidar a ideia do arco da governação tradicional”. Mas defende uma maior relação do PS com as empresas. E reformas, sobretudo a do território
Entra de gola alta, sapatos confortáveis e vestindo um sorriso na sala onde passaremos o fim de uma tarde fria de janeiro. Jorge Sampaio, 78 anos, Presidente da República de 1996 a 2006, recebeu o Expresso no seu gabinete, na Casa do Regalo, em Lisboa, cidade de que foi presidente da Câmara a partir de 1989, ano em que foi eleito secretário-geral do Partido Socialista — e uma vintena de anos depois do início da sua carreira política, na candidatura, em 1969, às eleições para a Assembleia Nacional, nas listas da CDE. Uma carreira intensa de intervenção cívica, que mantém.
Como vê hoje o país?
Tenho uma visão otimista. Por uma razão fundamental: quem tinha 34 anos no 25 de Abril, uma vida profissional feita e estava habituado à ditadura, não concebia que passados estes anos pudéssemos estar onde estamos. O que era a mortalidade infantil, a incapacidade de saber ler e escrever, a pobreza generalizada, a agricultura de morte... A minha visão é sempre completada com um olhar para de onde viemos, para onde estamos e para onde precisamos de avançar. O salto que se deu! Eu pertenço a uma das últimas gerações do antes do 25 de Abril, as outras já não estão cá, e isso dá uma perspetiva grande e um redobrado otimismo. E pensar que agora, acabada a descolonização e tendo relações normais com as ex-colónias, fazendo parte da União Europeia e das organizações multilaterais, tendo tido manifestos sucessos internacionais em 2017 — basta relembrar Guterres e Centeno —, há razões para esse otimismo. Mas há razões para ter moderação nesse otimismo, que resultam da circunstância de o mundo ser profundamente diferente, de os mecanismos da democracia representativa estarem em crise, de os extremismos terem aumentado, da contradição entre uma sociedade internacional multilateralmente organizada e correr-se o risco de passar para zonas de conflito muito determinadas, mesmo dentro do contexto geral de uma paz mais armada; a fome, as alterações climáticas e a sua negação, Donald Trump e o trumpismo, aparentemente florescente, as guerras religiosas, ou não, no Médio Oriente, com o que isso implica para a Europa e para aquela zona do globo tão decisiva para a paz e o desenvolvimento geral do mundo... São motivos de grande e forte preocupação.
O que o preocupa são riscos externos. Significa que considera que somos pequenos para influenciar e vulneráveis para sofrer?
Não. Nós estamos inseridos no mundo, não há soluções taxativamente apenas portuguesas e há riscos internacionais grandes que podem afetar-nos, não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Do ponto de vista interno, preocupa-me saber até onde vai a nossa capacidade reformista e de inserirmos o nosso desenvolvimento económico e social num contexto mais vasto. Qual é o nosso lugar no meio disto tudo? Que reivindicação fazemos em relação ao nosso lugar na Europa? Qual é a nossa posição em relação à ciência? E que capacidade teremos para combater a pobreza? A coisa que mais me aflige é percebermos que os benefícios da globalização e do crescimento são tão desigualmente distribuídos e que essa desigualdade não vai terminar.
Qual é o nosso caminho?
O desenvolvimento interno é um caminho apertado, dependemos de uma economia que precisa de se transformar, passando da economia das rendas — e já se deu um grande salto nesse sentido — para uma economia de exportações. E sabermos qual é a capacidade de atrairmos capitais estrangeiros, sem prejuízo de conseguirmos — eu volto a este tema que sempre foi um tema meu, não no sentido do isolacionismo, pelo contrário — desenvolver polos de desenvolvimento estratégico nacional, que se insiram num desenvolvimento internacional e que não nos façam perder coisas estrategicamente importantes, como algumas que já foram à vida — o caso mais flagrante é o da REN e dos aeroportos, para não falar noutros, e obviamente a banca.
A banca?
A banca deixou de ser portuguesa para passar a ser internacional. Não vejo nenhum mal nisso, mas há um momento em precisamos de pensar em salvaguardar a nossa capacidade de decisão.
Em suma, faz um balanço que o deixa otimista.
Sim pelas razões que já disse e também porque estamos mais bem preparados do ponto de vista das gerações mais novas.
Que enfrentam uma taxa de desemprego elevada.
Não conseguimos encontrar emprego suficiente para manter a juventude, reter os talentos, como agora se diz, talentos que têm uma boa formação, muitos até com doutoramentos. Ao mesmo tempo temos abandono escolar, temos pessoas a menos a terminar o ensino secundário, é uma situação muito contrastante. E por isso é que a minha preocupação fundamental são as questões da educação e da inovação, que são praticamente o começo de tudo.
Diz que os partidos políticos são pouco ativos [ver caixa]. Somos pouco empenhados?
Nós ainda não conseguimos encontrar uma maneira de defender a democracia representativa e de a valorizar aos olhos dos cidadãos. A democracia representativa enfrenta sérias crises: de credibilidade, em relação à opinião pública, em relação aos cidadãos, ao afastamento dos cidadãos da política, não podemos ignorar isto. Ainda por cima com os partidos políticos, que são cruciais e indispensáveis, completamente ultrapassados pela rapidez com que as relações culturais e de media funcionam. Refiro-me aos social media. Estamos perante uma contradição que me preocupa todos os dias, que é saber como se pode melhorar a atividade e a comunicação para fora dos partidos políticos, que são algo de pouco representativo. Os membros dos partidos pouco passam os 200 mil. O desinteresse é muitíssimo grande, as novas gerações não discutem política ou discutem pouco.
Como tem acompanhado a polémica em torno do financiamento dos partidos políticos?
Estou perfeitamente à vontade perante esta polémica.
Porque sempre defendeu o financiamento público?
Não é isso. Quando foram as eleições de 1991, eu era candidato do PS a primeiro-ministro. Levei um banho de todo o tamanho, com uma maioria absoluta do professor Cavaco Silva. Mas não só fui o único membro da oposição que foi à tomada de posse em Belém — nunca mais me posso esquecer disso e da surpresa que causou eu aparecer em Belém sozinho —, como foi a circunstância de eu ter ido à Assembleia da República no dia em que o Governo se apresentou, com uns papéis na mão, e ter dito: “Meus senhores, eu venho aqui dizer que violámos a lei, eu vou dar ao senhor Presidente as contas da campanha eleitoral do PS, que ficaram acima do limite legal. Tome lá, Vossa Excelência, para os efeitos que tiver por convenientes e, por consequência, convido todos os partidos nesta câmara a apresentar as suas contas.” Disse isto com o professor Cavaco a ouvir.
Só que ninguém o acompanhou.
Zero. A única coisa que houve foi uma multa, irrisória, e que o já secretário-geral, António Guterres, mandou pagar. Portanto, posso falar francamente sobre o que se passou agora. Não quero entrar em pormenores, mas foi um período muito infeliz, para dizer o mínimo, para a Assembleia da República, mas também muito infeliz em geral, porque houve dezenas de ocasiões para abordar este problema e ninguém quis falar dele. Eu, como líder parlamentar, fui abordado por vários partidos no hemiciclo, sugerindo que se podia fazer uma proposta de lei para aumentar os vencimentos dos deputados, e eu disse “façam vocês e eu apoio” — foi o fazes.
Aumentar os vencimentos será sempre impopular.
Há na sociedade portuguesa a ideia de que na política estão uns malandros que não devem ganhar coisa nenhuma, que se ganharem o salário mínimo nacional já chega. Mas a verdade é que se se quer uma democracia com gente capaz, é preciso oferecer condições. Não se vai tirar um economista de um sítio qualquer e pô-lo na Assembleia da República com um vencimento mínimo, ninguém aceita. Quando se olha para a Assembleia da República, percebe-se que as capacidades e as competências nem sempre estão ao nível desejado e desejável. Nós precisamos de gente muito competente na política. Mas para isso temos de criar condições. Pensar que as pessoas muito competentes, e que ganham a sua vida bem, vão para a política sujeitar-se à devassa, seja ela qual for — se você me oferecer um chá perguntam logo qual foi a moeda de troca. É ilusório, ninguém está disponível para isso. Temos de saber o que queremos, ter coragem para valorizar a política, os partidos, os cargos políticos — do Presidente da República aos primeiros-ministros, deputados, autarcas, e por aí fora. Esperemos que este triste episódio se não repita, sob pena de aquilo que já é muito profundamente negativo se afundar ainda mais. Eu sou muito crítico do que aconteceu, sou muito crítico dos arrependimentos que rapidamente todos manifestaram, e ainda bem, mas isto só faz sentido se agora der azo a uma política positiva de trabalho de fundo e a sério. Está tudo estudado, é uma questão de escolha.
Trabalho. O antigo Presidente da República na Casa do Regalo, em Lisboa, onde tem o seu gabinete
Mas é preciso melhorar a relação dos partidos com os cidadãos.
A tentativa de aproveitar o que de bom existe no lado dos social media é crucial, porque os ritmos a que as coisas se processam são totalmente diferentes. O ritmo de vida politico-parlamentar tradicional parece vindo da Idade Média perante o ritmo da idade contemporânea em que vivem as sociedades. Do lado político, ficamos sempre em défice completo e total. Temos de aproximar os ritmos e tentar andar ao mesmo compasso.
Como é que isso se faz?
É um trabalho paciente, passa pela educação, educação cívica, educação de responsabilidade. Preocupamo-nos mais com o êxito individual do que com o êxito coletivo, e isso é o resultado de determinadas políticas económicas e de um modelo de sociedade em que a solidariedade coletiva só funciona em momentos de tragédia, mas no dia a dia é uns a ver e outros a sofrer.
Está a pensar nos incêndios de 2017.
A compartimentação na sociedade portuguesa é das coisas mais trágicas. Eu presenciei muitas épocas de incêndios como Presidente da República e sempre me fez a maior impressão haver o público que vai para a praia e o público que sofre os incêndios. É a prova da dualidade que existe no nosso país de uma forma dramática. Embora no interior do país haja um certo abandono, é certo, também não é o deserto absoluto. Mas a velhice, a falta de saúde... é terrível. Em 2003, um ano terrível de incêndios, estávamos na inauguração do estádio do Sporting, havia um alarido brutal sobre os incêndios e ao intervalo do jogo cheguei-me ao pé de Durão Barroso e disse-lhe: “Ó senhor primeiro-ministro, faça uma coisa indispensável, vá para os incêndios, apareça.” [Ele perguntou:] “Acha que sim?” “Já! Já! Deixe isto tudo, vá para os incêndios, apareça.”
E ele foi?
Foi. De imediato.
2017 foi pior, os incêndios causaram mais de uma centena de mortos.
Este verão tivemos a terrível consagração dessa tremenda dualidade. Com isto chegamos a um tema muito importante, que é o do território. Se me perguntar quais são as políticas públicas cruciais, com certeza que são a da Justiça, a da Segurança, a da Saúde, a da Educação, a da Defesa... Mas o território é absolutamente crucial. Os fundos estruturais dos anos 80, que eram contraponto às quatro liberdades, não foram, embora gastos, capazes de equilibrar isso. O território tem um desenvolvimento profundamente desigual e precisamos de ter — embora eu deteste a expressão, porque é usada vezes de mais — uma estratégia de médio prazo para este país. Por isso eu dizia: o que é que queremos ser do ponto de vista político, económico e social, em que circuitos nos inscrevemos, o que é ambicionamos? As perspetivas financeiras pós-2020 são cruciais, porque é daí que virá a capacidade para ajudar a minorar as grandes diferenças e contrastes que existem em Portugal.
Mas se é o litoral a ver e o interior a sofrer, não é porque o centro de decisão está no litoral, ou melhor, em Lisboa?
Isso leva-me a outra coisa da maior importância, e de que eu sou um adepto: a descentralização. A regionalização falhou — eu fui a favor, mas não me pronuncio sobre as razões de ter falhado, embora ache que o nacionalismo mais desabrido nuns casos e mais justificável noutros veio ao de cima — e nós também não soubemos aproveitar plenamente as potencialidades das CCDR para a aplicação de fundos estruturais. Por mim, continuo a pensar que precisamos de uma descentralização política, com um combate muito feroz às cacicagens e a gastar dinheiro sem perspetivas, sabendo o que é a responsabilidade da cada um. As autarquias passam a vida a reclamar, e bem, capacidade para assumir um protagonismo diferente, mas quando se começa a falar em devolução de certos poderes, as autarquias recuam de imediato porque dizem que não têm meios e precisam de mais gente. Quando eu digo descentralização, digo descentralização de recursos e de responsabilidades. A descentralização ajuda, mas são precisos instrumentos. Se, por um lado, os órgãos de representatividade se esvaziam e se, por outro lado, os tribunais, os correios, a saúde se retiram fisicamente dos territórios, não há nada por onde começar e, além disso, as próprias pessoas desertam também. O que é que pode atrair pessoas para estes sítios? As vias sozinhas não chegam, os capitais são necessários. Este é um país pequeno para não ser um país solidário, não se pode dar a esse luxo. Que podemos fazer para sermos um país mais solidário? Dando condições de vida a uma parte dos portugueses que as não têm! Não podemos continuar a viver com esta percentagem da população a viver no limiar de pobreza, é incompatível com a ideia de um país inclusivo e de uma Europa desenvolvida.
A ação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa nos incêndios de 2017 foi positiva?
Isso merece um enquadramento mais profundo. Nós, os ex-Presidentes da República, normalmente não falamos sobre os titulares que nos antecederam ou sucederam. Isso tem sido importante para a democracia, para as funções e para a própria estabilidade dos poderes presidenciais, sem prejuízo do estilo de cada um. Há um enorme acervo assumido por todos, ninguém verdadeiramente discute os poderes presidenciais, o que se pode discutir é o estilo que cada um dá e as execuções que tem em relação a esses poderes. É preciso ter a noção clara de que os poderes do Presidente são de arbitragem, de mediador de conflitos, de procura de consensos e de estímulo em relação às preocupações gerais do país. Dito isto, acho que a tragédia foi de tal maneira grande que se percebe, independentemente de quaisquer outras considerações de natureza pessoal, que a atividade do Presidente da República, como também dos outros órgãos de soberania, se justificou. Não estou a falar dos episódios em concreto, pode-se discordar ou não, mas nessa altura as pessoas sentirem que o afago é porventura mais importante, isso é verdade. Agora, não podemos substituir-nos àquilo que é o trabalho do executivo, àquilo que é trabalho da nossa administração. Cada um fez o que pôde, acho que o Presidente respondeu com afago e carinho àquilo que era o desejo de afago e de companhia na tristeza que muitas pessoas tinham.
O Governo esteve à altura?
O Governo fez o que podia fazer e devia fazer. Agora, nos momentos de tragédia é precisa também alguma contenção na mediatização dos acontecimentos, nos comentários. O país ultimamente tem tido centenas de especialistas em gripe, toda a gente sabe de gripe, é uma coisa extraordinária; centenas de especialistas em incêndios; centenas de especialistas em proteção civil...
Está a referir-se aos comentadores?
Estou a referir-me em geral, toda a gente fala em reconstrução de casas, em organização de autarquias, em segurança... Isto não é assim. É preciso ter uma ideia certa sobre o que se pretende e isso leva-nos à reforma do Estado. Ouve falar-se de reformas estruturais, quando não há nada para dizer, lá vêm reformas estruturais. Mas quais? Com que detalhe, com que objetivo? Reformas estruturais, está na moda dizer...
Está na moda há muitos anos.
O que mais me espanta é que me lembro perfeitamente do que se passou em 2003, 2004, 2005 e já na altura o problema era semelhante: a floresta completamente desarticulada, com um regime de propriedade antiquado. OK, agora querem atacar o problema, e ainda bem, estou encantado, mas não é coisa para dois meses, é para 10 ou 20 anos. E com a dor que isso vai representar para muitos portugueses. Os que não estão cá e vão reclamar um sexto, etc.
Está a falar dos direitos de propriedade, que é uma questão constitucional.
Exatamente. Estou a pensar que é preciso um Estado forte, uma política pública forte, tão consensual quanto possível. E não haver ninguém a fugir, a dizer “já não estou nessa”. Não esqueçamos que a dimensão do desafio, é uma zona inteira do país que precisa de uma profundíssima reforma da floresta, o que significa uma reforma do povoamento, da agricultura, da indústria. Isto precisa de um trabalho de política pública assumida por toda a gente.
“Toda a gente” quer dizer de dois terços no Parlamento [necessários a alterações da Constituição]?
Exatamente.
Se fosse na sua presidência falaria de um pacto de coragem, como tantas vezes falou?
Falaria com certeza e com muita mais força porque houve agora coisas mais graves, tantas mortes. E isso faz com que haja um lado de sofrimento humano e de dor muito significativo, só que essa dor e as ações de solidariedade que gera, e bem, não chegam para mudar estruturalmente as coisas. Eu quero manifestar às vítimas e às suas famílias a minha grande tristeza, preocupação e solidariedade. Digo-o com grande pudor porque as palavras podem pouco perante a tragédia sofrida por tantas pessoas, às vezes aldeias inteiras. Nós hoje temos todos de algum modo estas vítimas connosco, mas não chega para reformar políticas. Por isso, quero insistir que temos de estar à altura, tirar as devidas consequências e fazer as reformas políticas necessárias que previnam a repetição destas tragédias.
Estamos num enquadramento político inédito, com uma solução de governo que amarra a esquerda, e temos à direita uma aparente e talvez momentânea orfandade de parte dos eleitores, gerando focos de oposição inorgânica. Concorda?
Não.
Comecemos pela esquerda. Como vê a situação?
Deve-se a António Costa o talento de ter percebido que tinha condições para poder liquidar a ideia do arco da governação tradicional. E de permitir à Assembleia da República desempenhar a sua função essencial, que é a de decidir se o governo e o seu programa passam ou não passam. Se não passam, não há governo. Com a nova fórmula governativa, rompeu-se um tabu e quebrou-se um ciclo. Isso foi muito positivo para a vida portuguesa, independentemente do que acontecer a seguir. E foi positivo, finalmente, depois de tantos anos, o PCP e o Bloco de Esquerda terem chegado a fazer esta coligação de Governo.
Também lhe chama “geringonça”?
Não, não lhe chamo, é brilhante como palavra, mas não se deve aplicar, tem uma conotação depreciativa. Dito isto, o mecanismo parlamentar funciona. Até que ponto é que António Costa e o Governo estarão disponíveis, e o grupo parlamentar do PS, para aguentar determinadas coisas, até que ponto poderão defender o seu programa e a sua liberdade, até que ponto os outros estarão disponíveis a continuar? São questões em aberto. Há um ponto que eu não vejo desenvolvido: normalmente diz-se que isto vai durar enquanto o chamado custo-benefício for positivo, no sentido em que ninguém quer ficar com o ónus de ter de romper e isso é positivo; mas o contrário também, porque o PCP tem a dignidade e a história que tem atrás de si. Eu tive ligações com o PCP na Câmara de Lisboa, conheci muita gente na clandestinidade e da clandestinidade. O que me espanta é que tenham tido a capacidade, por razões de relação com o próprio eleitorado, julgo eu, de terem chegado a esta solução. Mas o limite para esta solução, em meu entender, é saber se querem baixar à wilderness outra vez e ficar de novo de fora, ou não, por isso têm de pensar duas vezes. Penso que o eleitorado jovem não estará muito disponível para voltar para fora dos instrumentos de poder possível. O PCP é um partido de poder quando possível. E, portanto, vai avaliar muito seriamente se quer deixar de o ser e ficar acantonado aos seus 7% ou 8%. O BE é parecido: o que é afinal o BE? É uma força que não tem força eleitoral autárquica, tem um conjunto de gente interessante, a começar pelo seu fundador principal, que é uma figura única, brilhantíssima.
Francisco Louçã.
Sim, brilhantíssimo. Mas o que faz o BE fora do poder? Não chega às autarquias sequer, tem um vereador, por milagre, na Câmara de Lisboa.
O Bloco de Esquerda precisa de poder?
O BE tem de medir seriamente qual é a sua relação com o poder. Uns e outros, BE e PCP, têm de medir que tipo de compromissos têm que fazer para se manterem na posição em que estão; têm de saber digerir aquilo que são os compromissos europeus do PS com os seus compromissos internos.
Está a desafiá-los?
Não, estou a dizer que isto é assim. Alguém pensa que Portugal seria neste momento viável, com as finanças que tem, contestando os compromissos europeus? Estando na União Europeia como está nesse domínio? Sendo o Banco Central Europeu o que é? Não penso que possamos ter essa aventura. Não é possível, mesmo que porventura eu desejasse, o que nem é, claro, o caso!
Ficou espantado com o apoio do PCP ao Governo. Admite espantar-se mais?
O PCP é um grande tático. O dr. Cunhal tinha uma notabilíssima capacidade tática dentro de um contexto estratégico muito idêntico. A maneira como ele, por exemplo, adaptou o partido numa semana à votação no dr. Mário Soares [nas eleições presidenciais de 1986] é absolutamente única, só possível naquele partido. O PCP tem muitas antenas na sociedade e sabe que não pode fazer apenas almoços na Baixa da Banheira, com toda a estima pelos elementos da Baixa da Banheira, porque precisa de chegar ao poder. As autarquias não chegam para os grandes desafios em cima da mesa. Que tipo de desafios está o PCP disposto a admitir? E o BE? Saídas da União Europeia, saídas do euro? Alguém se convence que isso seja possível no contexto da economia portuguesa? Sejamos realistas.
Diz que o PCP tem de decidir “baixar à wilderness”, o que pode ser traduzido de várias maneiras: é voltar ao estado selvagem, ao estado natural?
[risos] É voltar à solidão.
O que se está a passar no BE é comparável com o que aconteceu, há anos, na Alemanha com os Verdes? Uma espécie de rendição...
Não se trata de rendição...
... de pragmatismo perante a necessidade de influenciar...
O concreto da vida política e a necessidade de realizar coisas forçam a um certo pragmatismo, isso é indiscutível. O que acho mal é um pragmatismo sem conteúdo. Mas não há dúvida que a ação política tem necessidade de um pragmatismo. A realidade é que as coisas são muito mais difíceis e muito diferentes.
Foi, aliás, essa tomada de consciência que o levou a aderir ao PS, em 1978.
Sim, sem dúvida.
Defende uma redefinição das funções do Estado?
Não sou a favor do Estado mínimo, há funções que são inalienáveis. Quero que o Estado esteja mais apetrechado para responder com eficácia — e não responder sempre da mesma maneira: que é preciso mais efetivos, estou cansado de ouvir falar disso. A parte da gestão é essencial, mas normalmente não é tocada. Repare que todas as reivindicações são sempre de mais efetivos, sejam polícias, médicos, enfermeiros, sempre mais efetivos. Isso não é possível. Por outro lado, há coisas que podem não ser feitas pelos serviços públicos. Mas há outras que, como disse, são inalienáveis. Gostava de ver uma administração pública em que a gente se revisse. E há serviços que só funcionam porque a dedicação é enorme. Quando percebemos, como eu percebi nos hospitais públicos, que há enfermeiras que trabalham 12 horas e ganham uma miséria, percebe-se que há ali um serviço público que ainda mexe. É necessária uma administração pública que sirva os objetivos gerais do país, uma administração descentralizada, o que se prende muito com a capacidade de a justiça responder em tempo útil às aspirações das pessoas. A morosidade da justiça portuguesa, nomeadamente da justiça económica, é preocupante. É preciso uma regulação eficaz e forte. Não é que eu, de repente, me tenha tornado um liberal, mas a regulação é essencial.
E no plano económico?
A este propósito gostava apenas de sublinhar que é preciso termos uma ligação muito maior e mais estreita entre as universidades e as empresas, com vista à investigação e à qualificação produtiva. A nossa estrutura empresarial é muito pequena (há sobretudo pequenas e médias empresas) e não chega para fazer escala, para a incorporação de know how e da inovação. Por outro lado, temos o problema da nossa administração pública: a reforma do Estado tem de passar necessariamente por uma reforma da administração pública. Uma administração para quê? Qual é o papel dos novos instrumentos de comunicação e das novas tecnologias de informação? É necessário dotar o país de uma capacidade tecnológica nova e quanto mais cedo melhor, mas sem esquecer (e essa é a dificuldade do exercício) os que ficam para trás.
Falemos agora da direita, onde parece haver um vazio, temporário ou não, na capacidade de representação.
Os vazios preenchem-se, não duram muito tempo. Resta saber como e para quê. As fronteiras políticas, nos últimos anos, estão muito mais diluídas. O espaço político disponível do centro-esquerda para o centro-direita é muito maior do que se pensa. Agora as pessoas entretêm-se, com régua e esquadro, a ver em que bissetriz se encontram — se mais à esquerda ou mais à direita... Ora, não faz grande sentido. Já não há classes sociais como há 50 anos. Os sectores produtivos são diferentes e isso faz com que haja um éclatement das várias componentes sociais disponíveis. As ideologias continuam a ter o seu lugar estruturante no pensamento e na ação, mas é preciso uma espécie de novo sistema de pesos e medidas para avaliar constantemente as políticas propostas, as soluções práticas e as consequências/resultados. Parece continuar a haver uma bifurcação em termos de opções: ou se é mais progressista, e se preocupa mais com a equidade e com a luta contra as desigualdades, ou domina a ‘marketização’.
O próprio PS anda a navegar entre o centro e a esquerda.
Pois, claro que anda. O PS — e posso falar claramente, porque é o meu partido — tem condições únicas para aprofundar até onde pode ir do ponto de vista das suas capacidades políticas, ideológicas e programáticas. Fez-se um esforço grande e muito assinalável — tão destruído e tão criticado! — para pôr de pé um determinado edifício, e agora é preciso nutri-lo todos os dias com as políticas mais díspares. Os temas aumentam sem parar, cada dia que passa há mais um. Esses novos temas requerem um tratamento. E é por via do tipo de tratamento que se faz de cada um deles, que se será aferido do ponto de vista político e social.
Porque é que o PS tem uma oportunidade única?
Porque tem mais condições. Porque está no poder e tem mais informação do que os outros. Tem uma relação internacional muito forte e toda a informação que isso lhe dá. E ao mesmo tempo tem pessoas que deve mobilizar para essa tarefa de conceptualização e de ligação ao sector empresarial. O pouco que se fala sobre o sector empresarial perturba-me muito. Não é apenas o PS. A esquerda associada ao PS não fala em empresas. E elas são cruciais neste país. Sem isso, não teremos emprego. Direi mesmo que o PS está em boas condições para poder liderar uma renovação, não diria da social-democracia — que, lá fora, quer dizer outra coisa — mas, para utilizar o jargão português, do socialismo democrático. Toda a gente percebe que isso é o mesmo que a social-democracia europeia no sentido mais amplo do termo.
Momento. Jorge Sampaio durante a entrevista conduzida por Pedro Santos Guerreiro e José Pedro Castanheira
O antigo Presidente da República na Casa do Regalo, em Lisboa, onde tem o seu gabinete
O país perdeu recentemente um dos seus grandes empregadores e empreendedores...
Sem dúvida.
... Belmiro de Azevedo, com quem teve relações muito dialéticas.
Muito vivas e muito rijas. O que é importante é que no exercício de cargos políticos as pessoas não sejam influenciáveis e que isso fique claro para todos. Não interessa se é o senhor Joaquim, dono de uma retrosaria, ou se é o senhor Fulano, que tem uma multinacional. São iguais e é assim que sempre procurei atuar. E isso dá-me um descanso enorme. Na Câmara de Lisboa, para só falar dela, o convite à valsa pode ser grande. Mas ninguém ousou.
Está a falar de lóbis na política?
Não só. Espero que este período, a caminho de novas eleições — a começar pelas europeias —, sirva para afinar políticas. Precisamos de ser mais concretos, mais rigorosos nas metas, na calendarização, na monitorização. E, sobretudo, é preciso ter uma força política grande. É a única maneira, num país como o nosso, cheio de lóbis, influências e poderes de facto do mais variado tipo, de se conseguir fazer vingar o domínio da política sobre as coisas.
O que é que o PS precisa para isso?
De fazer sentir bem aquilo que representa e aquilo que é capaz de fazer.
A ligação ao BE e ao PCP é um obstáculo?
Os obstáculos pululam. Resta saber como é que se lida com eles e qual é o limite, até onde se pode ir. Não se esqueça que fui Presidente da República sempre com maiorias relativas, com várias saídas pelo meio. A ideia de que é preciso continuidade e estabilidade não é uma ideia oca nem visa limitar alternativas que só em democracia existem. A estabilidade é um elemento indispensável para executar um programa de governo. Para que os intervenientes sintam que aqueles senhores são os que estão a mandar naquele momento. Se não sentem isso, furam tudo por todos os lados.
Entretanto, o senhor entrou na campanha interna do PSD, levado por Santana Lopes.
É natural, mas não tenho nada a comentar. Já está tudo escrito, não vou comentar nada.
E do caso José Sócrates?
É uma matéria que eu não toco.
Falemos das Forças Armadas. Na sua Presidência esteve muito atento a essa problemática.
Sempre dei a maior importância ao cargo de comandante supremo das Forças Armadas. A minha oposição à presença das Forças Armadas na guerra no Iraque foi simbólica e paradigmática. Aí sou como o Presidente Truman em relação ao general MacArthur, o poder civil manda no poder militar. Como se sabe, o general, que fora um grande chefe militar no Pacífico, queria prosseguir para a Manchúria, o Presidente Truman disse que não e aquele velho juiz, que fora eleito Presidente da República, demitiu o general MacArthur de um dia para o outro. As Forças Armadas, cujo prestígio e modernização têm de ser louvados, têm accountability, têm responsabilidade — e isso é com o poder civil. Para mim, isso é um ponto de intransigência total. A partir do momento em que isso é subvertido, a democracia está enfraquecida.
Como tem acompanhado a trapalhada sobre as armas de Tancos?
Sinto um certo incómodo sobre essa matéria. Impõe-se que haja uma resposta sobre Tancos. O tempo passa, mas não quero ser mais claro. Ninguém fica bem nesta matéria.
Quando deixou de ser Presidente, em 2006, continuou especialmente ativo, mas no plano internacional. Passaram 12 anos…
Não tive propriamente tempo para descansar. Tinha saído em março, e, em abril ou maio, foi com gratificante surpresa que recebo um telefonema de Kofi Annan, estava eu no Palácio de Queluz. Trabalhara com ele em cimeiras das Nações Unidas em Nova Iorque sobre questões de saúde e, por isso, queria saber se eu aceitava ser seu representante pessoal para a luta contra a Tuberculose. Aceitei e desempenhei essas funções até 2012.
Foi uma aposta de Kofi Annan.
Sim. Era um cargo novo ligado à Agenda dos Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, muito apadrinhada por Kofi Annan, e aceitei o desafio. Sempre gostei dos problemas da saúde pública, por razões pessoais e familiares. Tive a possibilidade de falar a um público muito mais vasto. Promovi várias coisas, entre as quais a primeira Conferências das Nações Unidas sobre a coinfeção VIH-Tuberculose, com o Presidente Bill Clinton e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Depois, foi também o alto-representante para a Aliança das Civilizações.
Ban Ki-moon pediu-me para ser o alto-representante para a Aliança das Civilizações, em 2007. Tratava-se de implementar as recomendações de um relatório que pretendia incentivar o diálogo entre as sociedades muçulmanas e as sociedades ditas ocidentais e promover o diálogo e a cooperação interculturais. Acumulei os dois mandatos entre 2007 e 2012, o que significou um trabalho gigantesco. Montei toda a estrutura e o funcionamento da Aliança, desde o plano nacional até aos fora mundiais, passando por estratégias regionais. Percorri o mundo e tudo isto me deu uma enorme satisfação. Era o aproveitamento da experiência de um antigo Presidente. Recordo a ideia de Felipe González, segundo a qual os antigos Presidentes da República são como a louça da China: é uma porcelana muito bonita e antiga, mas ninguém sabe o que fazer com ela. É uma imagem magnífica. [risos]
Depois veio a atribuição do Prémio Mandela, vai fazer três anos.
Foi a primeira vez que o Prémio Mandela das Nações Unidas foi atribuído, a mim e a uma médica oftalmológica da Namíbia, doutora Helena Ndume.
Mais recentemente criou a Plataforma de Apoio aos Estudantes Sírios.
Foi em 2013. Com a ajuda de gente que conheci nos caminhos da vida, em Portugal e no estrangeiro, foi possível criar este programa de bolsas de estudo de emergência para estudantes sírios, que vai agora ser transformada numa iniciativa multilateral de origem portuguesa, com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros e que consistirá num mecanismo de resposta rápida para o ensino superior nas emergências. Ou seja, partindo da experiência síria, passamos agora para outro patamar por forma a dar uma resposta sistémica ao problema do grupo específico dos estudantes do ensino superior que sejam apanhados por crises — guerras, desastres naturais ou situações de vulnerabilidade — e que assim recebem proteção e assistência académica. No fundo, é uma espécie de Erasmus, mas para os estudantes em mobilidade forçada. Há universidades e institutos politécnicos interessados; estudantes com estudos interrompidos é o que não falta; agora, é preciso encontrar dinheiro e parceiros. Este mecanismo vai ser lançado numa reunião internacional que estou a preparar, conjuntamente com o Governo, e que terá lugar em Lisboa, no dia 5 de abril.
Os estudantes sírios responderam à altura.
São mais de uma centena em Portugal. Mais de 30 estão já empregados ou em estágios depois de terem concluído os seus mestrados entre nós. Alguns são mesmo excelentes alunos, têm notas muito boas, de 17, 18 e 19; há até um ‘cérebro’ que teve 20 valores num mestrado na Universidade de Coimbra. Este programa tem êxito porque resulta de uma cooperação entre muitos parceiros — com universidade e politécnicos, em primeiro lugar, com empresas, fundações e particulares. Conseguir fundos para isto, é um milagre e tem dado muito trabalho. Mas é também muito gratificante. E através dos estudantes, percebe-se o que tem sido a destruição da Síria, que tem gente muito boa e um ensino universitário (e não só) muito capaz. Hoje, são eles, as vítimas, mas qualquer um de nós podia estar no lugar deles.
No ano passado foram publicadas várias notícias sobre o seu estado de saúde. Quer adiantar alguma coisa?
Não. Felizmente os hospitais foram muito discretos, bem como os jornais. Estou recuperado, como podem ver. Eu não andava, e agora já ando.
Quando lhe pedimos esta entrevista, propusemos-lhe que escolhesse um livro, um texto, um poema ou uma música que, neste momento da sua vida, fosse especialmente importante.
Escolhi música. Tenho um eixo, que começa em Bach e Vivaldi, passa por Mozart, atravessa Beethoven e vai até Brahms e Mahler, ficando por aí. Um eixo em torno destes autores e das suas variações. Eu não sou como o ilustre Stravinsky, que dizia que o Vivaldi escreveu sempre o mesmo concerto. Ainda que, modestamente, não esteja de acordo. Também gosto muito de ópera. Tive a sorte de a minha mãe me levar à ópera desde miúdo.
Qual foi o último concerto a que assistiu?
O “Requiem”, de Mozart, na Gulbenkian. Preciso de orquestra e coros — isso é que me enche as medidas. Lembro-me do maestro Riccardo Muti, que dirigiu recentemente o Concerto de Ano Novo, em Viena. Viu-o em Salzburgo a dirigir o “Requiem”, de Verdi, e foi inesquecível. Mas tenho um defeito grave: não sou capaz de ouvir música e ler ao mesmo tempo. Na leitura estou na obra de Valentim Alexandre, que é absolutamente brutal do ponto de vista da investigação. São três volumes sobre a época colonial. Saiu agora o primeiro: “Contra o Vento. Portugal, o Império e a Maré Anticolonial (1945-1960)” e merece uma atenção desmedida.
O que gostaria que as pessoas aprendessem da sua vida?
A resiliência. Nunca desistir. Mesmo que se esteja muito em baixo, como aconteceu comigo em agosto, setembro e outubro, tem-se sempre a esperança de que no dia seguinte se está lá outra vez, que a noite não acabou connosco. Quando vinham as enfermeiras fazer a consulta matinal, medir a temperatura e a tensão, eu sentia que estava vivo, estar vivo é porreiro. Com esperança de que irá melhorar. Entre muitos defeitos que conheço em mim mesmo, um deles é ter muita capacidade de luta. Não parece, parece que sou um tipo frágil e que hesita, mas não gosto que me ponham a um canto. Saio de lá ao pontapé se for preciso. Isso tenho verificado ao longo da vida e das coisas mais terríveis: vou-me abaixo mas recupero. Gostaria de ver isso em muitos portugueses. Além disso, gostava de ver uma preocupação que advogo e que o meu pai sempre referia. É aquela máxima de John Kennedy: o que podes fazer de útil pelo teu país? Não é fazer para ti, mas para o teu país. Tenho isso como lema.
“Por amor de Deus, o problema da dívida está a meter-se pelos olhos adentro!”
Portugal tem espaço de afirmação política na Europa?
Não poderemos deixar de ter um caminho próprio e que se insira no quadro europeu. E não podemos dispensar estar à mesa da evolução da Europa e o mais acompanhados possível, por isso as cooperações estruturadas são importantes, como na defesa — nem concebia estarmos fora disso. Estamos na altura de consolidar o pós-crise financeira, é altura de ser demonstrado que é possível ter uma política que não dispense o consumo interno mas que tem de ter cuidado com as contas públicas. Nestes anos próximos, ou a UEM solidifica o crescimento e a capacidade de resposta ou não, e isto acaba por ser um conglomerado, perdendo-se o que melhor nos caracterizou no pós-guerra. Esse pós-guerra, que foi muitíssimo importante para a paz na Europa, começou por ser económico, depois político. É preciso que o ‘Brexit’ não seja banalizado e que não abra a porta para outros casos. Ficamos a 27, ponto, parágrafo. E a 27 temos de nos conseguir solidificar.
Está mais otimista no plano interno do que no externo.
No plano externo não estou otimista, porque há um conjunto de conflitos potenciais muito sérios, além de desafios globais, como a fome, as alterações climáticas, o ‘atentismo’ chinês, a relação da Rússia com a Europa, que está em banho-maria, e gravemente...
O trumpismo, como lhe chama, agudizou a situação.
É imprevisível o que pode acontecer. A verdade é que o senhor Trump traduz aquele conjunto de arrazoados desconexos e ignorantes em frases simples e mobilizadoras, e há uma camada de americanos que continua fiel ao seu candidato vencedor. Isto terá repercussões. Veja-se o que aconteceu no conflito israelo-palestiniano, o que significou lançar-lhes a pedrada, no momento em que também se isola dos aliados europeus e faz uma aliança com a Arábia Saudita contra o Irão.
E há a Coreia do Norte. É um mundo instável.
Não se podem fazer previsões. Sempre achei, de acordo com alguns especialistas americanos, que a posição da Coreia do Norte era para a negociação: “Precisamos de que contem connosco para negociar, temos direito a ter estes mísseis balísticos, mas queremos com isso chegar à mesa. Se não nos deixam, vamos subindo a parada.” Mas esta parada tem um limite, e Donald Trump já percebeu que, se levar à prática aquilo que ameaça, a Coreia do Sul desaparece em dois dias, dada a força terrestre dos norte-coreanos. Os americanos deveriam reconhecer que a Coreia do Norte é uma potência nuclear e conversar. Porque senão tudo abana, os aliados da China, o Japão e seus aliados, abana o espaço vital que existe naqueles confins do mundo. É por isso que vejo a gravidade de Trump, a incapacidade de admitir que o acordo atómico com os iranianos pode ser melhorado mas não pode ser suspenso.
A Europa precisa de saber qual o lugar que ocupa na cena política mundial?
Nós teremos mais força como interlocutor internacional quanto mais desenvolvida for a integração europeia, quanto mais apertados, responsáveis, rápidos forem os mecanismos de resposta da UE às crises e quanto menos parcial for a resposta de alguns dos países em relação a outros, no que concerne à divisão entre Norte e Sul, por exemplo. Isso dá cabo, a prazo, da unidade da União Europeia. Houve progressos, mas do ponto de vista do poder temos muito caminho a percorrer para nos afirmarmos como entidade incontornável à escala internacional.
Que avaliação faz do início de mandato de António Guterres na ONU?
Muito positiva. Quem conhece minimamente as Nações Unidas, como eu, percebe que tudo depende muito em primeira mão do Conselho de Segurança, sobretudo dos países com direito de veto. E, quando se tem um americano que diz o que diz e que ameaça suspender a contribuição dos EUA para 25% do orçamento das Nações Unidas, percebe-se que a vida não será fácil. António Guterres tem feito o melhor possível, com intuitos reformistas significativos. Agora, não podemos atribuir-lhe a capacidade de resolver conflitos que são muito mais profundos e que dependem de outros interesses estratégicos. As Nações Unidas, as agências e os funcionários são absolutamente cruciais e indispensáveis, não concebo o mundo sem isso.
Guterres tem sido devorado pela enorme ‘máquina’?
Não. António Guterres não é ‘devorável’, no bom sentido da expressão.
Crê que a eleição de Mário Centeno para o Eurogrupo vai alterar a política europeia relativamente às finanças de cada país?
A UE está confrontada com a necessidade absoluta de avançar com os instrumentos capazes de solidificar a união bancária, a UEM e o euro. Estou certo de que as pessoas responsáveis por essas matérias farão o que é possível, mas não estão sozinhas. Eu tenho a esperança de que a UE e os seus mecanismos consigam deixar de ter tabus. Começa a haver uma evolução positiva no sentido de alguma flexibilidade, o que dá possibilidades a Portugal. Há uma responsabilidade acrescida, tanto mais que em 2019 há uma grande incerteza com as eleições no Parlamento Europeu e com o que isso representa para a futura Comissão. Ninguém sabe o que vai resultar. Temos, assim, de aproveitar bem o tempo até lá, no qual alguns veem uma janela de oportunidade única para as reformas avançarem na Europa, mesmo que também haja eleições em Itália e que a questão catalã permaneça uma incógnita.
Acredita na coligação entre a CDU de Merkel e o SPD de Schulz?
Isso pode ser positivo, pode ser que os sociais-democratas, agora um bocado de rastos e chamados in extremis a salvar Angela Merkel, no bom sentido, tragam um sopro do mínimo de flexibilidade e de políticas alternativas. Esta coisa extraordinária, que sempre me pareceu vexatória para nós todos, que é “vocês têm de cumprir isto, mas para cumprir isto têm de crescer”, e não se pode crescer se tudo se mantiver imutável e dogmático, é uma contradição colossal. Não pode haver políticas keynesianas de nenhuma espécie, porque “vocês têm de respeitar isto custe o que custar”, mas fica a faltar o outro lado.
O vexatório aplica-se a Portugal?
À Europa no seu conjunto, como se não estivéssemos todos a perceber que o que aconteceu nestes anos é resultado da maneira como foram aplicados os remédios da troika, que os próprios responsáveis do FMI vieram reconhecer que foram mal aplicados e constituíram um desastre. Temos de ter alguma liberdade para, respeitando os critérios básicos enunciados, podermos fazer um desenvolvimento melhor. Sem tabus. E isso tem que ver com temas como a questão da dívida. A questão da dívida não pode ser eternamente um tabu, porque ela está aí. Ou como a questão do crescimento.
Está a defender a renegociação da dívida?
Não estou a defender nada disso, não vale sequer a pena. Vale a pena é dizer que não é sustentável que ignoremos que o problema existe. Por amor de Deus, ele está a meter-se pelos olhos adentro! Temos 40 anos de pagamento de dívida à nossa frente, no mínimo, e é preciso crescer a 3% ou a 4%, o que nunca aconteceu nos últimos anos. Alguma coisa tem de fazer-se, é preciso um consenso. Não estou a dizer perdões...
O que sugere, então?
Sugiro que se comece a conversar sobre isso a sério, desde os think tanks portugueses, que deviam ser muito mais ativos do que são, até aos partidos políticos, esses então nem se fala. E precisamos de ter uma posição que se discuta. Tabus?! Em democracias representativas e em democracias europeias? Não faz sentido.
Quando Sampaio “deu cabo daquilo”: 22 vetos, nenhum ultrapassado
O acervo das funções presidenciais deu-me a possibilidade de ter uma intervenção no dia a dia, de aconselhamento, de arbitragem, de moderação, em proximidade muito grande aos cidadãos no seu conjunto.
Na política externa, realço a guerra do Iraque. A posição de não envolvimento de Portugal foi um contributo muito importante para a afirmação dos princípios do multilateralismo e da legalidade à escala internacional. Ao mesmo tempo, revelou a importância que Portugal poderia ter nos conflitos europeus, como teve com a presença na Bósnia-Herzegovina.
Outro exemplo que quero assinalar é o da criação do chamado Grupo de Arraiolos, que reúne os vários Presidentes da República da UE sem poderes executivos. Está maior agora do que na altura da criação.
Por último, nunca me ponho em bicos de pé, mas fui (enquanto deputado e não só) um dos permanentes defensores da independência de Timor-Leste — muito antes de ela ter acontecido. E ainda antes de ser eleito Presidente, disse numa entrevista (precisamente ao Expresso) que uma das coisas que mais gostaria de fazer era ser o primeiro Presidente da República de Portugal a visitar Timor independente, o que foi visto como uma “declaração de guerra” muito positiva.
Na política interna, houve duas coisas muito importantes. A primeira foi a visita a todos os concelhos do país, 308 concelhos em dez anos. Visitando atividades, incutindo o debate, dando conselhos vários, etc. Foi muito importante do ponto de vista da coesão. O que me deu mais gosto foi as pessoas perceberem que estava ali um alto magistrado, eleito por sufrágio direto, que não era Governo, mas a quem faziam apelos, mostravam matérias, apresentavam queixas. “Se não fosse o sr. Presidente, esta estrada não se tinha feito”, ouvi dizer muitas vezes (era uma coisa que me irritava profundamente, mas era verdade, faziam a estrada antes de eu chegar). As visitas pelo país foram complementadas com as presidências temáticas. Agora sorrio, e não é de inveja. Fiz um esforço enorme para que se fizesse um congresso da Justiça. O congresso chegou a fazer-se, na Aula Magna, mas pegaram-se todos, como de costume.
A segunda coisa está relacionada com a longa lista dos 22 vetos, que não valem pelo número, mas pelo conteúdo. Vetos sobre leis da Assembleia da República e sobre decretos do Governo. Nenhum destes vetos foi ultrapassado, o que é uma coisa que eu tenho como glória. Nem os vetos de leis, que podiam ser ultrapassados por uma maioria de dois terços da Assembleia da República, nem de decretos do Governo, que poderiam dar origem a um novo projeto de lei do Governo ao Parlamento. Nada disso aconteceu: tive sempre a última palavra, os casos acabaram ali. As portagens do Oeste, a procriação medicamente assistida, a lei da droga… tive um papel muito importante no problema da toxicodependência, trazido constantemente por mim, quer em conferências e colóquios quer na proteção à aplicação da lei da droga. Houve dois vetos que me deram muito gosto: um sobre modificações ao Rendimento Social de Inserção — dei cabo disso e ganhei no Tribunal Constitucional. Relativamente a diplomas do Governo, destaco os vetos sobre universidades privadas — dei cabo, também com gosto, devo dizer, do facilitismo na concessão a interesses locais por via das maiorias políticas. Igualmente significativo foi o veto ao diploma sobre o ato médico. Rebentei com ele. Até hoje. O diploma era uma baralhada infernal, em favor dos médicos, diga-se.
Por último, quero ainda referir que trouxe a inovação para o centro das atenções em Portugal, com a criação da COTEC ; por influência e amizade com o rei de Espanha e do presidente de Itália. E os encontros internacionais da COTEC, que inaugurei, prosseguiram durante os mandatos do prof. Cavaco. Ah, e houve ainda a criação — que gerou uma certa incomodidade no Governo Guterres — do Conselho Económico. Foi uma ideia que fui buscar ao Council of Economic Advisers, dos Estados Unidos. Esse Conselho reunia quem havia de melhor e reunia-se mais ou menos uma vez por mês. Foi uma iniciativa transversal muito importante, promovendo o debate sobre a vida económica e financeira do país.
Depoimentos recolhidos por José Pedro Castanheira e Pedro Santos Guerreiro
UNICEF alerta para quase 50 milhões de crianças sem água potável e assistência
in RTP
Em todo o mundo, a violência dos conflitos está a levar ao aumento crítico das necessidades humanitárias, estando as crianças em situação especialmente vulnerável. Quarenta e oito milhões de crianças vivem em ambiente de conflitos, desastres naturais e outras emergências em 51 países. A UNICEF necessita de 3,6 mil milhões de dólares para prestar assistência de emergência a estas crianças, presas em crises humanitárias devastadoras.
Os conflitos que duram há anos, como por exemplo na República Democrática do Congo, no Iraque, na Nigéria, no Sudão do Sul, na Síria e no Iémen, entre outros países continuam a intensificar-se, dando origem a novas ondas de violência, deslocamentos populacionais e mais crianças desenraizadas.
"As crianças e jovens não podem simplesmente ficar à espera que as guerras findem, com crises que ameaçam a uma escala catastrófica a sua sobrevivência imediata e futura", afirmou o diretor de Programas de Emergência da UNICEF, Manuel Fontaine.
"As crianças são as mais vulneráveis quando o conflito ou o desastre provocam o colapso dos serviços essenciais, como de saúde, água e saneamento. A menos que a comunidade internacional tome medidas urgentes para proteger e prestar assistência vital a estas crianças, elas enfrentarão um futuro cada vez mais sombrio".
As crianças já não estão apenas sob perigo de ataque direto, mas também lhes estão a ser negados serviços básicos, à medida que as escolas, hospitais e infraestruturas civis são danificados ou destruídos.
Aproximadamente 84 por cento (cerca de três mil milhões de dólares) do apelo de financiamento de 2018 destina-se ao trabalho em países afetados por crises humanitárias provocadas pela violência e conflito.
Crianças sem acesso a água potável
O relatório “Ação Humanitária para as Crianças”, publicado esta terça-feira pela UNICEF, revela que o mundo está a tornar-se um lugar mais perigoso para muitas crianças, com quase uma em cada quatro a viverem num país afetado por conflitos ou desastres. Para muitas dessas crianças, a vida quotidiana é mesmo um pesadelo.
A propagação de doenças transmitidas pela água é uma das principais ameaças à vida das crianças em situações de crise. Ataques às infraestruturas de água e saneamento, que privam as crianças do acesso a água potável, bem como o deslocamento forçado para zonas sem infraestruturas de água e saneamento deixam crianças e famílias em risco de depender de água contaminada e expostas a saneamento inseguro.
As raparigas e as mulheres enfrentam ainda ameaças adicionais, já que muitas vezes desempenham a tarefa de recolha de água para as suas famílias em situações perigosas.
"Cento e dezassete milhões de pessoas que vivem em emergências não têm acesso a água potável e em muitos países afetados por conflitos, mais crianças morrem de doenças causadas por água insalubre e saneamento deficiente do que pela violência direta em si", explica ainda Manuel Fontaine.
Maior apelo é dirigido à Síria
"Sem acesso a água potável e saneamento, as crianças ficam doentes e muitas vezes não podem ser tratadas devido aos hospitais e centros de saúde não funcionarem ou estarem sobrelotados. A ameaça é ainda maior à medida que milhões de crianças enfrentam níveis de subnutrição potencialmente fatais, tornando-as mais suscetíveis a doenças transmitidas pela água como a cólera, criando um ciclo vicioso de má nutrição e doença".
Este ano, a maior parte do apelo da UNICEF é dirigido a crianças e famílias afetadas pelo conflito da Síria, que em breve entrará no seu oitavo ano consecutivo. A UNICEF precisa de cerca de 1,3 mil milhões de dólares para apoiar 6,9 milhões de crianças sírias que vivem na Síria ou como refugiadas em países vizinhos.
Em todo o mundo, a violência dos conflitos está a levar ao aumento crítico das necessidades humanitárias, estando as crianças em situação especialmente vulnerável. Quarenta e oito milhões de crianças vivem em ambiente de conflitos, desastres naturais e outras emergências em 51 países. A UNICEF necessita de 3,6 mil milhões de dólares para prestar assistência de emergência a estas crianças, presas em crises humanitárias devastadoras.
Os conflitos que duram há anos, como por exemplo na República Democrática do Congo, no Iraque, na Nigéria, no Sudão do Sul, na Síria e no Iémen, entre outros países continuam a intensificar-se, dando origem a novas ondas de violência, deslocamentos populacionais e mais crianças desenraizadas.
"As crianças e jovens não podem simplesmente ficar à espera que as guerras findem, com crises que ameaçam a uma escala catastrófica a sua sobrevivência imediata e futura", afirmou o diretor de Programas de Emergência da UNICEF, Manuel Fontaine.
"As crianças são as mais vulneráveis quando o conflito ou o desastre provocam o colapso dos serviços essenciais, como de saúde, água e saneamento. A menos que a comunidade internacional tome medidas urgentes para proteger e prestar assistência vital a estas crianças, elas enfrentarão um futuro cada vez mais sombrio".
As crianças já não estão apenas sob perigo de ataque direto, mas também lhes estão a ser negados serviços básicos, à medida que as escolas, hospitais e infraestruturas civis são danificados ou destruídos.
Aproximadamente 84 por cento (cerca de três mil milhões de dólares) do apelo de financiamento de 2018 destina-se ao trabalho em países afetados por crises humanitárias provocadas pela violência e conflito.
Crianças sem acesso a água potável
O relatório “Ação Humanitária para as Crianças”, publicado esta terça-feira pela UNICEF, revela que o mundo está a tornar-se um lugar mais perigoso para muitas crianças, com quase uma em cada quatro a viverem num país afetado por conflitos ou desastres. Para muitas dessas crianças, a vida quotidiana é mesmo um pesadelo.
A propagação de doenças transmitidas pela água é uma das principais ameaças à vida das crianças em situações de crise. Ataques às infraestruturas de água e saneamento, que privam as crianças do acesso a água potável, bem como o deslocamento forçado para zonas sem infraestruturas de água e saneamento deixam crianças e famílias em risco de depender de água contaminada e expostas a saneamento inseguro.
As raparigas e as mulheres enfrentam ainda ameaças adicionais, já que muitas vezes desempenham a tarefa de recolha de água para as suas famílias em situações perigosas.
"Cento e dezassete milhões de pessoas que vivem em emergências não têm acesso a água potável e em muitos países afetados por conflitos, mais crianças morrem de doenças causadas por água insalubre e saneamento deficiente do que pela violência direta em si", explica ainda Manuel Fontaine.
Maior apelo é dirigido à Síria
"Sem acesso a água potável e saneamento, as crianças ficam doentes e muitas vezes não podem ser tratadas devido aos hospitais e centros de saúde não funcionarem ou estarem sobrelotados. A ameaça é ainda maior à medida que milhões de crianças enfrentam níveis de subnutrição potencialmente fatais, tornando-as mais suscetíveis a doenças transmitidas pela água como a cólera, criando um ciclo vicioso de má nutrição e doença".
Este ano, a maior parte do apelo da UNICEF é dirigido a crianças e famílias afetadas pelo conflito da Síria, que em breve entrará no seu oitavo ano consecutivo. A UNICEF precisa de cerca de 1,3 mil milhões de dólares para apoiar 6,9 milhões de crianças sírias que vivem na Síria ou como refugiadas em países vizinhos.
Feminismo cigano na vanguarda artística da Roménia
Ana Marques Maia, in Público on-line
A palavra "feminismo" não existe na língua romani – pelo menos, não no dialecto balcânico utilizado pelos ciganos romenos — motivo por que o único grupo de teatro cigano da Roménia, que é composto exclusivamente por mulheres, decidiu inventar uma designação: giuvlipen. Além de significar feminismo, a palavra é também o nome de baptismo da companhia artística sediada em Cluj, na zona noroeste do país, que alberga mais de dois milhões de pessoas de etnia cigana. Gadjo Dildo — que significa “estranho louco” em romani — é o nome da peça que têm em cena, presentemente, e que é inspirada “em histórias reais sobre o sexismo e o racismo de que muitas mulheres ciganas são vítimas nos dias de hoje”.
Mihaela Dragan, mulher cigana, romena, actriz e co-fundadora de Giuvlipen, "não encontrou outra alternativa senão fundar a companhia de teatro". Não concorda com a forma como o povo cigano é representado no mundo artístico romeno. “Queremos que os artistas ciganos tenham voz. A arte cigana foi marginalizada, subvalorizada, sempre estereotipada”, disse à Reuters. “Acredito que o nosso papel é tornar a arte cigana num tipo de arte mainstream e vibrante, para que as pessoas tenham vontade de vir ver os nossos espectáculos e de falar sobre eles.” As performances abordam temas como a discriminação, o casamento infantil, a falta de acesso a educação pelos membros da comunidade, questões LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero) dentro da comunidade, entre outros. “As pessoas conhecem apenas o lado sensacionalista da cultura cigana que é apresentada nas televisões”, declara Zita Moldovan, actriz da Giuvlipen. “O teatro cigano pode contar histórias, o que é útil tanto para nós como para a população romena.”
Durante os meses de Outono, o grupo percorreu a Roménia sob o lema “O Teatro Cigano Não É Nómada”. O objectivo foi sensibilizar para a necessidade de o Estado romeno financiar o teatro cigano — à semelhança do que faz com outros grupos minoritários no país, como é o caso das comunidades judaica, húngara e alemã. Embora ainda não tenham submetido o pedido oficialmente, têm convidado continuamente vários membros do Governo para assistir aos espectáculos, na esperança de afectar positivamente a sua decisão.
Embora não exista uma contagem oficial, estima-se que existam entre dez a 12 milhões de ciganos em todo o mundo — e que mais de metade resida na Europa, em território comunitário. Apenas na Roménia, nove em cada dez ciganos vivem “em situação de privação material extrema”. O grupo infantil é o mais afectado, segundo o World Bank; as dificuldades no acesso aos sistemas de educação e saúde são justificadas por situações de exclusão social e preconceito racial. Apesar dos programas de inclusão e anti-discriminação que se encontram actualmente em vigor na Roménia, o racismo contra esta minoria étnica remota há vários séculos. Por exemplo, no século XIX os ciganos era mantidos como escravos em mosteiros e em casas senhoriais. Durante a Segunda Guerra Mundial, cerca de 25 mil ciganos foram expulsos de Roménia, então aliada da Alemanha nazi; aproximadamente metade desse grupo não resistiu e acabou por morrer.
A palavra "feminismo" não existe na língua romani – pelo menos, não no dialecto balcânico utilizado pelos ciganos romenos — motivo por que o único grupo de teatro cigano da Roménia, que é composto exclusivamente por mulheres, decidiu inventar uma designação: giuvlipen. Além de significar feminismo, a palavra é também o nome de baptismo da companhia artística sediada em Cluj, na zona noroeste do país, que alberga mais de dois milhões de pessoas de etnia cigana. Gadjo Dildo — que significa “estranho louco” em romani — é o nome da peça que têm em cena, presentemente, e que é inspirada “em histórias reais sobre o sexismo e o racismo de que muitas mulheres ciganas são vítimas nos dias de hoje”.
Mihaela Dragan, mulher cigana, romena, actriz e co-fundadora de Giuvlipen, "não encontrou outra alternativa senão fundar a companhia de teatro". Não concorda com a forma como o povo cigano é representado no mundo artístico romeno. “Queremos que os artistas ciganos tenham voz. A arte cigana foi marginalizada, subvalorizada, sempre estereotipada”, disse à Reuters. “Acredito que o nosso papel é tornar a arte cigana num tipo de arte mainstream e vibrante, para que as pessoas tenham vontade de vir ver os nossos espectáculos e de falar sobre eles.” As performances abordam temas como a discriminação, o casamento infantil, a falta de acesso a educação pelos membros da comunidade, questões LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero) dentro da comunidade, entre outros. “As pessoas conhecem apenas o lado sensacionalista da cultura cigana que é apresentada nas televisões”, declara Zita Moldovan, actriz da Giuvlipen. “O teatro cigano pode contar histórias, o que é útil tanto para nós como para a população romena.”
Durante os meses de Outono, o grupo percorreu a Roménia sob o lema “O Teatro Cigano Não É Nómada”. O objectivo foi sensibilizar para a necessidade de o Estado romeno financiar o teatro cigano — à semelhança do que faz com outros grupos minoritários no país, como é o caso das comunidades judaica, húngara e alemã. Embora ainda não tenham submetido o pedido oficialmente, têm convidado continuamente vários membros do Governo para assistir aos espectáculos, na esperança de afectar positivamente a sua decisão.
Embora não exista uma contagem oficial, estima-se que existam entre dez a 12 milhões de ciganos em todo o mundo — e que mais de metade resida na Europa, em território comunitário. Apenas na Roménia, nove em cada dez ciganos vivem “em situação de privação material extrema”. O grupo infantil é o mais afectado, segundo o World Bank; as dificuldades no acesso aos sistemas de educação e saúde são justificadas por situações de exclusão social e preconceito racial. Apesar dos programas de inclusão e anti-discriminação que se encontram actualmente em vigor na Roménia, o racismo contra esta minoria étnica remota há vários séculos. Por exemplo, no século XIX os ciganos era mantidos como escravos em mosteiros e em casas senhoriais. Durante a Segunda Guerra Mundial, cerca de 25 mil ciganos foram expulsos de Roménia, então aliada da Alemanha nazi; aproximadamente metade desse grupo não resistiu e acabou por morrer.
Redução do desemprego é “passo positivo” mas é preciso “baixar mais”
in Dinheiro Vivo/Lusa
O primeiro-ministro, António Costa, considerou esta terça-feira que a revisão em baixa da taxa de desemprego registada em novembro é “mais um passo positivo” e reforçou a necessidade de “continuar as boas políticas” para “baixar mais”.
“É mais um passo positivo e isso significa que temos de dar continuidade às boas políticas que temos seguido e que nos têm permitido ter bom crescimento económico, mais investimento e mais exportações e uma forte redução do desemprego”, disse. O primeiro-ministro falava aos jornalistas à margem de uma visita ao restaurante de cozinha síria Mezze, no mercado de Arroios, Lisboa, onde almoçou a convite da associação fundadora do projeto, Associação Pão a Pão, para a integração de refugiados do Médio Oriente.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu em baixa de 0,1 pontos percentuais a taxa de desemprego de novembro para os 8,1%, valor mínimo desde novembro de 2004, estimando para dezembro uma nova descida para os 7,8%. Questionado pelos jornalistas sobre os valores hoje conhecidos, António Costa sublinhou que os números do desemprego “tem de baixar mais”. “Nós temos de continuar a dar sequência ao trabalho que temos vindo a fazer para haver mais investimento e criação de postos de trabalho, é para continuar”, disse. Um ano antes, em dezembro de 2016, a taxa de desemprego situava-se nos 10,2%, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O valor apurado para novembro representa uma descida em 0,3 pontos percentuais face ao mês anterior e menos 0,7 pontos percentuais em relação a três meses antes, sinaliza o INE. A estimativa provisória da população desempregada para dezembro é de 401,5 mil pessoas e a da população empregada é de 4,776 milhões de pessoas.
O primeiro-ministro, António Costa, considerou esta terça-feira que a revisão em baixa da taxa de desemprego registada em novembro é “mais um passo positivo” e reforçou a necessidade de “continuar as boas políticas” para “baixar mais”.
“É mais um passo positivo e isso significa que temos de dar continuidade às boas políticas que temos seguido e que nos têm permitido ter bom crescimento económico, mais investimento e mais exportações e uma forte redução do desemprego”, disse. O primeiro-ministro falava aos jornalistas à margem de uma visita ao restaurante de cozinha síria Mezze, no mercado de Arroios, Lisboa, onde almoçou a convite da associação fundadora do projeto, Associação Pão a Pão, para a integração de refugiados do Médio Oriente.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu em baixa de 0,1 pontos percentuais a taxa de desemprego de novembro para os 8,1%, valor mínimo desde novembro de 2004, estimando para dezembro uma nova descida para os 7,8%. Questionado pelos jornalistas sobre os valores hoje conhecidos, António Costa sublinhou que os números do desemprego “tem de baixar mais”. “Nós temos de continuar a dar sequência ao trabalho que temos vindo a fazer para haver mais investimento e criação de postos de trabalho, é para continuar”, disse. Um ano antes, em dezembro de 2016, a taxa de desemprego situava-se nos 10,2%, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). O valor apurado para novembro representa uma descida em 0,3 pontos percentuais face ao mês anterior e menos 0,7 pontos percentuais em relação a três meses antes, sinaliza o INE. A estimativa provisória da população desempregada para dezembro é de 401,5 mil pessoas e a da população empregada é de 4,776 milhões de pessoas.
Não são os homens que vão mudar o mundo, são as mulheres
Paula Cosme Pinto, in Expresso
Ativista, pensadora, provocadora, sobrevivente. Malala Yousafzai é um exemplo de força, resiliência e sensatez, com uma eloquência capaz de inspirar pessoas mundo fora. Hoje voltou a fazer um discurso público em Davos, no Fórum Económico Mundial, onde relembrou alguns aspectos que não podem ser esquecidos no que toca à igualdade de género. Começando pelo facto de existirem atualmente 130 milhões de meninas e raparigas espalhadas pelo globo que não têm, nem tiveram, acesso à educação, um factor chave para a igualdade e o equilíbrio das sociedades.
Hoje Malala tem 20 anos e é uma ativista reconhecida pela ousadia que quase lhe tirou a vida quando era ainda criança: a contínua reclamação pelo direito à educação que milhões de meninas veem negado diariamente. “Se queremos falar sobre empoderamento feminino, sobre participação económica das mulheres, participação na força laboral e contribuição feminina para o desenvolvimento de um país como um todo, não nos podemos esquecer da importância de se investir na sua educação”, frisou a Nobel da Paz. Nunca é demais relembrar que ao serem impedidas de aceder à escola, as meninas ficarão numa eterna posição de dependência financeira ao chegarem à fase adulta. Aliás, serem desde logo alvo de casamento infantil – como expectativa irónica de garantir a sua segurança - é uma das maiores probabilidades para as suas vidas em muitos cenários mundo fora. Tudo isto a torna mais permeáveis a situações de violência psicológica e física, incluindo a sexual, tráfico humano e demais formas de exploração.
Desde a falta de acesso à educação à problemática do assédio e abuso sexual, passando pela desigualdade laboral, Malala Yousafzai lança o repto: “Houve uma altura em que ansiávamos que os homens mudassem o mundo por nós, mas esse tempo acabou. Não vamos continuar a pedir aos homens que mudem o mundo, vamos ser nós a fazê-lo. Vamos unir-nos, erguer as nossas vozes e promover a mudança”. Como? Eis um ponto de partida apontado pela jovem paquistanesa: “Encorajem as meninas e as mulheres à vossa volta a indignarem-se contra todo o tipo de discriminação e violência que virem a acontecer nas vossas comunidades.”
Se também por esse lado estão a precisar de uma lufada de energia e sensatez, oiçam a participação de Malala em Davos, onde – sem surpresa – mais de 80% dos participantes, convidados para refletir o estado do mundo, são homens.
Ativista, pensadora, provocadora, sobrevivente. Malala Yousafzai é um exemplo de força, resiliência e sensatez, com uma eloquência capaz de inspirar pessoas mundo fora. Hoje voltou a fazer um discurso público em Davos, no Fórum Económico Mundial, onde relembrou alguns aspectos que não podem ser esquecidos no que toca à igualdade de género. Começando pelo facto de existirem atualmente 130 milhões de meninas e raparigas espalhadas pelo globo que não têm, nem tiveram, acesso à educação, um factor chave para a igualdade e o equilíbrio das sociedades.
Hoje Malala tem 20 anos e é uma ativista reconhecida pela ousadia que quase lhe tirou a vida quando era ainda criança: a contínua reclamação pelo direito à educação que milhões de meninas veem negado diariamente. “Se queremos falar sobre empoderamento feminino, sobre participação económica das mulheres, participação na força laboral e contribuição feminina para o desenvolvimento de um país como um todo, não nos podemos esquecer da importância de se investir na sua educação”, frisou a Nobel da Paz. Nunca é demais relembrar que ao serem impedidas de aceder à escola, as meninas ficarão numa eterna posição de dependência financeira ao chegarem à fase adulta. Aliás, serem desde logo alvo de casamento infantil – como expectativa irónica de garantir a sua segurança - é uma das maiores probabilidades para as suas vidas em muitos cenários mundo fora. Tudo isto a torna mais permeáveis a situações de violência psicológica e física, incluindo a sexual, tráfico humano e demais formas de exploração.
Desde a falta de acesso à educação à problemática do assédio e abuso sexual, passando pela desigualdade laboral, Malala Yousafzai lança o repto: “Houve uma altura em que ansiávamos que os homens mudassem o mundo por nós, mas esse tempo acabou. Não vamos continuar a pedir aos homens que mudem o mundo, vamos ser nós a fazê-lo. Vamos unir-nos, erguer as nossas vozes e promover a mudança”. Como? Eis um ponto de partida apontado pela jovem paquistanesa: “Encorajem as meninas e as mulheres à vossa volta a indignarem-se contra todo o tipo de discriminação e violência que virem a acontecer nas vossas comunidades.”
Se também por esse lado estão a precisar de uma lufada de energia e sensatez, oiçam a participação de Malala em Davos, onde – sem surpresa – mais de 80% dos participantes, convidados para refletir o estado do mundo, são homens.
Ministro do Trabalho destaca na ONU medidas contra pobreza
in Diário de Notícias
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse hoje na ONU que a crise aumentou a pobreza em Portugal, mas que a redução do problema é uma prioridade para o governo.
"Durante o longo período de crise a que Portugal esteve sujeito recentemente, assistimos ao aumento da pobreza nas suas diferentes formas. O governo, que represento, estabeleceu como prioridade inverter esta tendência através do reforço de medidas de política integradas que combinam recuperação de rendimentos com incentivos à entrada ou permanência no mercado de trabalho", disse José António Vieira da Silva na sessão de abertura da 56ª sessão da Comissão para o Desenvolvimento Social, a que Portugal se juntou em 2016 e onde pela primeira vez é representado por um ministro.
Vieira da Silva disse que falava "da perspetiva de um país que venceu a pobreza endémica, mas mantém, ainda, bolsas de pobreza e exclusão social" e destacou a necessidade de intervenção em áreas como a criação de um sistema educativo abrangente, de um mercado de trabalho mais inclusivo e sustentável para todos e de sistemas de proteção social mais eficazes, eficientes e capazes de se ajustarem às mutações da realidade social.
"Neste contexto, devem ser alvo de particular atenção as famílias com crianças mais jovens, as pessoas idosas e os grupos sociais marginalizados e alvo de discriminação no acesso ao trabalho digno", defendeu o ministro.
A erradicação da pobreza é um dos objetivos globais da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, que Portugal subscreve, e Vieira da Silva recordou a apresentação, em julho do ano passado, do relatório nacional sobre a implementação da Agenda 2030, dando conta das medidas em curso para responder aos desafios estruturais, à pobreza e à exclusão.
Nesta intervenção, Vieira da Silva decidiu destacar duas medidas presentes no relatório: o Rendimento Social de Inserção e a atualização do salário mínimo nacional.
Segundo o ministro, o aumento do salário mínimo "tem contribuído para reforçar o rendimento disponível das famílias, garantindo aos trabalhadores uma valorização progressiva do seu trabalho, contribuindo para uma efetiva redução das desigualdades."
Na terça-feira, Vieira da Silva participa num almoço-debate promovido pela Associação Americana de Pessoas Reformadas e pelo Departamento para os Assuntos Económicos e Sociais da ONU sobre estratégicas para a erradicação da pobreza.
Na quarta-feira, o ministro apresenta a Declaração Ministerial "A Sustainable Society for all ages: Realizing the potencial of living longer" (Uma sociedade sustentável para todas as idades: Realizar o potencial da longevidade), assinada em Lisboa em a 22 de setembro de 2017 pelos 56 Estados-membros da Comissão Económica das Nações Unidas para a região Europa (UNECE).
O ministro irá apresentar aos restantes estados-membros as três prioridades até 2022 definidas no documento: reconhecer o potencial da pessoa idosa, encorajar o envelhecimento ativo, garantir um envelhecimento com dignidade.
Vieira da Silva tem ainda prevista, para quarta-feira, uma reunião bilateral com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social disse hoje na ONU que a crise aumentou a pobreza em Portugal, mas que a redução do problema é uma prioridade para o governo.
"Durante o longo período de crise a que Portugal esteve sujeito recentemente, assistimos ao aumento da pobreza nas suas diferentes formas. O governo, que represento, estabeleceu como prioridade inverter esta tendência através do reforço de medidas de política integradas que combinam recuperação de rendimentos com incentivos à entrada ou permanência no mercado de trabalho", disse José António Vieira da Silva na sessão de abertura da 56ª sessão da Comissão para o Desenvolvimento Social, a que Portugal se juntou em 2016 e onde pela primeira vez é representado por um ministro.
Vieira da Silva disse que falava "da perspetiva de um país que venceu a pobreza endémica, mas mantém, ainda, bolsas de pobreza e exclusão social" e destacou a necessidade de intervenção em áreas como a criação de um sistema educativo abrangente, de um mercado de trabalho mais inclusivo e sustentável para todos e de sistemas de proteção social mais eficazes, eficientes e capazes de se ajustarem às mutações da realidade social.
"Neste contexto, devem ser alvo de particular atenção as famílias com crianças mais jovens, as pessoas idosas e os grupos sociais marginalizados e alvo de discriminação no acesso ao trabalho digno", defendeu o ministro.
A erradicação da pobreza é um dos objetivos globais da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, que Portugal subscreve, e Vieira da Silva recordou a apresentação, em julho do ano passado, do relatório nacional sobre a implementação da Agenda 2030, dando conta das medidas em curso para responder aos desafios estruturais, à pobreza e à exclusão.
Nesta intervenção, Vieira da Silva decidiu destacar duas medidas presentes no relatório: o Rendimento Social de Inserção e a atualização do salário mínimo nacional.
Segundo o ministro, o aumento do salário mínimo "tem contribuído para reforçar o rendimento disponível das famílias, garantindo aos trabalhadores uma valorização progressiva do seu trabalho, contribuindo para uma efetiva redução das desigualdades."
Na terça-feira, Vieira da Silva participa num almoço-debate promovido pela Associação Americana de Pessoas Reformadas e pelo Departamento para os Assuntos Económicos e Sociais da ONU sobre estratégicas para a erradicação da pobreza.
Na quarta-feira, o ministro apresenta a Declaração Ministerial "A Sustainable Society for all ages: Realizing the potencial of living longer" (Uma sociedade sustentável para todas as idades: Realizar o potencial da longevidade), assinada em Lisboa em a 22 de setembro de 2017 pelos 56 Estados-membros da Comissão Económica das Nações Unidas para a região Europa (UNECE).
O ministro irá apresentar aos restantes estados-membros as três prioridades até 2022 definidas no documento: reconhecer o potencial da pessoa idosa, encorajar o envelhecimento ativo, garantir um envelhecimento com dignidade.
Vieira da Silva tem ainda prevista, para quarta-feira, uma reunião bilateral com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Portugal precisa de um Ministério da Solidão?
Elsa Araújo Rodrigues, in RR
Medida do Governo britânico merece aplauso de especialistas portugueses: é preciso um organismo para combater a solidão em Portugal.
Para enfrentar “a triste realidade da vida moderna” e um problema que afecta mais de 9 milhões de britânicos, o Reino Unido nomeou, este mês, uma ministra da Solidão. Em Portugal, dois especialistas também pedem uma entidade anti-solidão: com ou sem um ministério, este é um problema transdisciplinar que exige um ataque em várias frentes.
A ministra da Solidão, Tracey Crouch, terá como missão combater um fenómeno associado a problemas à demência e mortalidade precoce, com custos de 2,8 mil milhões de euros por ano.
A realidade portuguesa é menos grave do que a do Reino Unido, assegura Lia Fernandes, médica psiquiatra e investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis), da Universidade do Porto, na área do envelhecimento e da solidão.
“A nossa cultura é ligeiramente diferente da cultura que se vive no Reino Unido”, aponta. Uma “estrutura familiar” “provavelmente bastante mais forte” do que a britânica e “níveis de coesão bastante mais elevados” ajudam a criar uma “rede de suporte, da família ou dos familiares da rede de proximidade, ainda com uma expressão bastante importante”.
Em Portugal, o sentimento de solidão não é tão aprofundado como noutros países. No último estudo realizado pelo Observatório da Sociedade Portuguesa da Universidade Católica, a maioria dos participantes (cerca de 70% dos 973 inquiridos) disse que não se sentia só. Mais de dois terços dos entrevistados disseram também que não tinham qualquer dificuldade em arranjar companhia, sempre que precisavam dela.
“Ainda não estamos nos mesmos valores que está o Reino Unido”, avalia Lia Fernandes, que considera que a iniciativa britânica terá outra razão de ser: “Estão a ter mortes mais precoces, em termos etários, mais do que nós. E isso também decorre desse facto que não é tão evidenciado, não é dito publicamente, mas que obviamente também está a preocupá-los porque decorre de uma série de situações, entre elas, também a solidão.”
Um problema de todas as idades
Apesar de ser tradicionalmente considerada um problema que afecta mais os idosos, o trabalho do Observatório da Solidão do ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo aponta uma realidade transversal que atinge sobretudo duas idades na vida: a adolescência e a velhice.
“A solidão também é um fenómeno da adolescência, aliás, os adolescentes são mais afectados pela solidão que os idosos”, diz o coordenador do observatório, Adalberto Carvalho. “Mas têm uma vantagem: saem mais precocemente de estado de solidão do que o idoso.”
“Quando se passa da idade da infância à aproximação da idade adulta há um desligamento relativamente aos referenciais familiares, ao pai, à mãe, e a busca de novas referências – amigos, companheiros – implica uma ruptura em relação ao passado que muitas vezes não é preenchida com as novas aquisições. E traz fenómenos muito graves de solidão que explicam o suicídio adolescente, um fenómeno que existe e é muitas vezes ignorado.”
A psiquiatra Lia Fernandes é também especialista em geriatria e diz que, entre os idosos, a solidão está relacionada com factores “como a viuvez e acontecimentos de vida que nessas idades são bastante mais importantes”, bem como “a pouca acessibilidade aos cuidados de saúde”.
Nas aldeias, velhos e sós
A solidão dos idosos deve-se muitas vezes ao isolamento em que muitos vivem, em aldeias pouco povoadas e longe da família mais próxima. Os últimos dados recolhidos pela GNR, no âmbito da Operação Censos Sénior 2017, dão conta de 45.516 idosos a viverem sozinhos ou isolados em Portugal.
Muitos vivem nos distritos mais desertificados do país (como Bragança, Beja, Évora ou Portalegre). Adalberto Carvalho distingue dois tipos de solidão: a que se vive em zonas urbanas e a que se vive nas zonas rurais.
“É muito frequente associar-se a solidão ao contexto urbano (…), estar só no meio de muita gente”, aponta. “Mas também é importante sabermos que em Portugal, no mundo rural, a solidão também está presente, sob formas insidiosas e muito pouco identificadas como tal.”
Uma das formas de combater o problema da solidão na terceira idade passa por estabelecer uma “boa rede de cuidados assistenciais, quer em termos sociais, quer em termos da saúde. Isso era fundamental”, sustenta Lia Fernandes.
Ministério da Solidão em Portugal?
Para a médica psiquiatra, a criação de um Ministério da Solidão no Reino Unido “é uma medida inovadora e muito interessante”, que “vai trazer benefícios para todas as pessoas que estão sozinhas”.
O que falta aos idosos são mais contactos sociais, que poderiam ser assegurados com mais “centros de dia e com criação de instituições onde os idosos possam passar os seus dias”, considera. Para Lia Fernandes, a principal função de um futuro organismo oficial equivalente em Portugal deveria ser reforçar as redes sociais de apoio.
Outro factor que também ajudaria a minorar o impacto da solidão na vida dos idosos seria garantir uma boa acessibilidade aos cuidados de saúde. Um exemplo? Nomeadamente através de “unidades que façam visitas domiciliárias, extremamente importantes”, clarifica a investigadora do Cintesis.
O coordenador do Observatório da Solidão também subscreve a ideia da criação de uma entidade dedicada a atacar o problema da solidão, mas aponta que deveria ser um organismo transdisciplinar porque, argumenta, o fenómeno não tem apenas uma causa bem identificada e muitas vezes tem outros factores associados (como a violência doméstica e a pobreza).
“Chamar [a esse organismo] ministério ou não é uma opção que já é política. Mas deveria existir em Portugal uma entidade dedicada a este fenómeno que agregue as várias dimensões ligadas à questão da solidão”, defende Adalberto Carvalho.
A “epidemia” que mata
Em países como os Estados Unidos, a solidão já é apontada como uma possível “epidemia” pelo número de pessoas que afecta, mas também pelas suas consequências negativas. Uma investigação apresentada na 125.ª Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia, em 2017, refere que a solidão é um perigo iminente para a saúde pública e pode vir a tornar-se um problema maior do que a obesidade.
“O isolamento social e a solidão aumentam o risco da mortalidade prematura e a magnitude do risco ultrapassa a de muitos indicadores de saúde”, refere uma das autoras da pesquisa, Julianne Holt-Lunstad, professora de psicologia da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos.
Estar só e sentir solidão aumenta o risco de doença e não apenas aquelas do foro psicológico, como a depressão. Viver sozinho e isolado pode dar origem a situações que podem vir a traduzir-se em problemas de saúde.
“Por exemplo, se [a pessoa] vive sozinha e dá uma queda – que é uma coisa bastante frequente nas idades mais envelhecidas – já se sabe que é um problema muito complicado porque, muitas vezes, são pessoas que estão sem qualquer tipo de assistência várias horas seguidas e em situações bastante graves”, aponta Lia Fernandes. Uma situação que “já acontece em Portugal”.
Redes sociais: "solidão acompanhada"
Num mundo cada vez mais conectado às redes sociais, as pessoas e os jovens em particular sentem-se cada vez mais sós. Um estudo realizado sobre os utilizadores portugueses do Facebook refere que os que passam mais tempo a utilizar a rede social são também os que se sentem mais sós.
As redes sociais parecem influenciar mais o sentimento de solidão dos jovens. “Os mais novos também sentem solidão, mas é uma solidão diferente”, avança Lia Fernandes.
“Hoje em dia, com as tecnologias, as pessoas vivem isoladas nas suas casas, contactam através da internet, através do computador, do Facebook. Muitas vezes são formas de solidão acompanhada. Não há intercâmbio, não há permuta, as pessoas não conversam umas com as outras – estão simplesmente a escrever e a mandar mensagens e a fazerem coisas que são muito pouco enriquecedoras do ponto de vista interior, dos afectos e da construção de novas ligações com os outros”, considera a psiquiatra.
“As pessoas necessitam de estarem umas com as outras presencialmente, tem de haver um intercâmbio bastante mais enriquecedor. A relação que se estabelece através da internet é muito pobre”, acrescenta Lia Fernandes.
Para Adalberto Carvalho, as redes sociais podem desempenhar um papel importante no combate à solidão, mas só são benéficas quando são acompanhadas de relações “reais”.
“Há muitas pessoas da terceira idade que utilizam as redes sociais como forma de compensar a perda de familiares, de amigos. Aquela sensação que muitas vezes os idosos têm de que são sobreviventes, de que toda a gente morreu ou se afastou, e estão sós. Na verdade, as redes sociais, num primeiro nível, têm uma função muito importante de ajudar a quebrar essa solidão.”
O problema, para o coordenador do Observatório da Solidão, é quando as relações se resumem ao contacto através da rede. “O que acontece com os jovens e alguns adultos é que a fixação nas redes sociais, na comunicação virtual, leva a um alheamento relativamente ao contacto face a face, pessoa a pessoa, que é insubstituível”, reforça Adalberto Carvalho.
Medida do Governo britânico merece aplauso de especialistas portugueses: é preciso um organismo para combater a solidão em Portugal.
Para enfrentar “a triste realidade da vida moderna” e um problema que afecta mais de 9 milhões de britânicos, o Reino Unido nomeou, este mês, uma ministra da Solidão. Em Portugal, dois especialistas também pedem uma entidade anti-solidão: com ou sem um ministério, este é um problema transdisciplinar que exige um ataque em várias frentes.
A ministra da Solidão, Tracey Crouch, terá como missão combater um fenómeno associado a problemas à demência e mortalidade precoce, com custos de 2,8 mil milhões de euros por ano.
A realidade portuguesa é menos grave do que a do Reino Unido, assegura Lia Fernandes, médica psiquiatra e investigadora do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis), da Universidade do Porto, na área do envelhecimento e da solidão.
“A nossa cultura é ligeiramente diferente da cultura que se vive no Reino Unido”, aponta. Uma “estrutura familiar” “provavelmente bastante mais forte” do que a britânica e “níveis de coesão bastante mais elevados” ajudam a criar uma “rede de suporte, da família ou dos familiares da rede de proximidade, ainda com uma expressão bastante importante”.
Em Portugal, o sentimento de solidão não é tão aprofundado como noutros países. No último estudo realizado pelo Observatório da Sociedade Portuguesa da Universidade Católica, a maioria dos participantes (cerca de 70% dos 973 inquiridos) disse que não se sentia só. Mais de dois terços dos entrevistados disseram também que não tinham qualquer dificuldade em arranjar companhia, sempre que precisavam dela.
“Ainda não estamos nos mesmos valores que está o Reino Unido”, avalia Lia Fernandes, que considera que a iniciativa britânica terá outra razão de ser: “Estão a ter mortes mais precoces, em termos etários, mais do que nós. E isso também decorre desse facto que não é tão evidenciado, não é dito publicamente, mas que obviamente também está a preocupá-los porque decorre de uma série de situações, entre elas, também a solidão.”
Um problema de todas as idades
Apesar de ser tradicionalmente considerada um problema que afecta mais os idosos, o trabalho do Observatório da Solidão do ISCET – Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo aponta uma realidade transversal que atinge sobretudo duas idades na vida: a adolescência e a velhice.
“A solidão também é um fenómeno da adolescência, aliás, os adolescentes são mais afectados pela solidão que os idosos”, diz o coordenador do observatório, Adalberto Carvalho. “Mas têm uma vantagem: saem mais precocemente de estado de solidão do que o idoso.”
“Quando se passa da idade da infância à aproximação da idade adulta há um desligamento relativamente aos referenciais familiares, ao pai, à mãe, e a busca de novas referências – amigos, companheiros – implica uma ruptura em relação ao passado que muitas vezes não é preenchida com as novas aquisições. E traz fenómenos muito graves de solidão que explicam o suicídio adolescente, um fenómeno que existe e é muitas vezes ignorado.”
A psiquiatra Lia Fernandes é também especialista em geriatria e diz que, entre os idosos, a solidão está relacionada com factores “como a viuvez e acontecimentos de vida que nessas idades são bastante mais importantes”, bem como “a pouca acessibilidade aos cuidados de saúde”.
Nas aldeias, velhos e sós
A solidão dos idosos deve-se muitas vezes ao isolamento em que muitos vivem, em aldeias pouco povoadas e longe da família mais próxima. Os últimos dados recolhidos pela GNR, no âmbito da Operação Censos Sénior 2017, dão conta de 45.516 idosos a viverem sozinhos ou isolados em Portugal.
Muitos vivem nos distritos mais desertificados do país (como Bragança, Beja, Évora ou Portalegre). Adalberto Carvalho distingue dois tipos de solidão: a que se vive em zonas urbanas e a que se vive nas zonas rurais.
“É muito frequente associar-se a solidão ao contexto urbano (…), estar só no meio de muita gente”, aponta. “Mas também é importante sabermos que em Portugal, no mundo rural, a solidão também está presente, sob formas insidiosas e muito pouco identificadas como tal.”
Uma das formas de combater o problema da solidão na terceira idade passa por estabelecer uma “boa rede de cuidados assistenciais, quer em termos sociais, quer em termos da saúde. Isso era fundamental”, sustenta Lia Fernandes.
Ministério da Solidão em Portugal?
Para a médica psiquiatra, a criação de um Ministério da Solidão no Reino Unido “é uma medida inovadora e muito interessante”, que “vai trazer benefícios para todas as pessoas que estão sozinhas”.
O que falta aos idosos são mais contactos sociais, que poderiam ser assegurados com mais “centros de dia e com criação de instituições onde os idosos possam passar os seus dias”, considera. Para Lia Fernandes, a principal função de um futuro organismo oficial equivalente em Portugal deveria ser reforçar as redes sociais de apoio.
Outro factor que também ajudaria a minorar o impacto da solidão na vida dos idosos seria garantir uma boa acessibilidade aos cuidados de saúde. Um exemplo? Nomeadamente através de “unidades que façam visitas domiciliárias, extremamente importantes”, clarifica a investigadora do Cintesis.
O coordenador do Observatório da Solidão também subscreve a ideia da criação de uma entidade dedicada a atacar o problema da solidão, mas aponta que deveria ser um organismo transdisciplinar porque, argumenta, o fenómeno não tem apenas uma causa bem identificada e muitas vezes tem outros factores associados (como a violência doméstica e a pobreza).
“Chamar [a esse organismo] ministério ou não é uma opção que já é política. Mas deveria existir em Portugal uma entidade dedicada a este fenómeno que agregue as várias dimensões ligadas à questão da solidão”, defende Adalberto Carvalho.
A “epidemia” que mata
Em países como os Estados Unidos, a solidão já é apontada como uma possível “epidemia” pelo número de pessoas que afecta, mas também pelas suas consequências negativas. Uma investigação apresentada na 125.ª Convenção Anual da Associação Americana de Psicologia, em 2017, refere que a solidão é um perigo iminente para a saúde pública e pode vir a tornar-se um problema maior do que a obesidade.
“O isolamento social e a solidão aumentam o risco da mortalidade prematura e a magnitude do risco ultrapassa a de muitos indicadores de saúde”, refere uma das autoras da pesquisa, Julianne Holt-Lunstad, professora de psicologia da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos.
Estar só e sentir solidão aumenta o risco de doença e não apenas aquelas do foro psicológico, como a depressão. Viver sozinho e isolado pode dar origem a situações que podem vir a traduzir-se em problemas de saúde.
“Por exemplo, se [a pessoa] vive sozinha e dá uma queda – que é uma coisa bastante frequente nas idades mais envelhecidas – já se sabe que é um problema muito complicado porque, muitas vezes, são pessoas que estão sem qualquer tipo de assistência várias horas seguidas e em situações bastante graves”, aponta Lia Fernandes. Uma situação que “já acontece em Portugal”.
Redes sociais: "solidão acompanhada"
Num mundo cada vez mais conectado às redes sociais, as pessoas e os jovens em particular sentem-se cada vez mais sós. Um estudo realizado sobre os utilizadores portugueses do Facebook refere que os que passam mais tempo a utilizar a rede social são também os que se sentem mais sós.
As redes sociais parecem influenciar mais o sentimento de solidão dos jovens. “Os mais novos também sentem solidão, mas é uma solidão diferente”, avança Lia Fernandes.
“Hoje em dia, com as tecnologias, as pessoas vivem isoladas nas suas casas, contactam através da internet, através do computador, do Facebook. Muitas vezes são formas de solidão acompanhada. Não há intercâmbio, não há permuta, as pessoas não conversam umas com as outras – estão simplesmente a escrever e a mandar mensagens e a fazerem coisas que são muito pouco enriquecedoras do ponto de vista interior, dos afectos e da construção de novas ligações com os outros”, considera a psiquiatra.
“As pessoas necessitam de estarem umas com as outras presencialmente, tem de haver um intercâmbio bastante mais enriquecedor. A relação que se estabelece através da internet é muito pobre”, acrescenta Lia Fernandes.
Para Adalberto Carvalho, as redes sociais podem desempenhar um papel importante no combate à solidão, mas só são benéficas quando são acompanhadas de relações “reais”.
“Há muitas pessoas da terceira idade que utilizam as redes sociais como forma de compensar a perda de familiares, de amigos. Aquela sensação que muitas vezes os idosos têm de que são sobreviventes, de que toda a gente morreu ou se afastou, e estão sós. Na verdade, as redes sociais, num primeiro nível, têm uma função muito importante de ajudar a quebrar essa solidão.”
O problema, para o coordenador do Observatório da Solidão, é quando as relações se resumem ao contacto através da rede. “O que acontece com os jovens e alguns adultos é que a fixação nas redes sociais, na comunicação virtual, leva a um alheamento relativamente ao contacto face a face, pessoa a pessoa, que é insubstituível”, reforça Adalberto Carvalho.
"O Rendimento Básico Incondicional ainda não passou da fase da utopia"
Sónia Sapage, in Público on-line
Paulo Pedroso, 52 anos. O ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade que criou, no governo de António Guterres, o Rendimento Social de Inserção, fala sobre outro tipo de apoio universal que motivou um debate no PS este fim-de-semana.
No mesmo fim-de-semana, PS e PSD entraram, cada um à sua maneira, num tema que o PAN e o Livre já tinham tentado colocar na agenda política. No Expresso, lia-se que o texto da moção conjunta de Carlos Moedas e Pedro Duarte ao congresso do PSD, propunha a discussão sobre rendimento básico universal e progressividade fiscal. No Largo do Rato, o PS organizava o debate Rendimento Básico Incondicional: o deslumbramento ao conceito?
Ao PÚBLICO, Paulo Pedroso, um dos oradores convidados da iniciativa PS de Portas Abertas, teoriza sobre o que diz ser "uma ideia para outra sociedade" que já não se organize em função da posição que uma pessoa ocupa no mercado de trabalho. "Mas a política é também a antecipação", conclui, para justificar a pertinência do debate. "E a utopia de hoje..."
Rendimento básico entusiasma mais os académicos do que os políticos
Como definiria o conceito de Rendimento Básico Incondicional (RBI): é um subsídio a que os cidadãos têm direito só por existirem ou um instrumento de combate à pobreza?
O Rendimento Básico Incondicional pretende distribuir uma certa quantidade de recursos sem exigir contrapartidas ou impor condições. Se essa quantidade for significativa, reduz substancialmente a pobreza, mas o seu objetivo é afirmar um direito a existir sem estar condicionado pela necessidade de procurar um emprego, um salário ou uma forma de obter dinheiro pela sua actividade, não é combater a pobreza.
Diria que Portugal está preparado para começar a debater esse tema, que já originou uma petição?
Para debater, sim. A ideia existe e tem potencialidades, mesmo se também tem, na minha opinião, sérios inconvenientes e muitos aspectos que necessitam de ser clarificados. Atrai-me pouco a visão de uma sociedade em que uma parte das pessoas seja isentada de todo e qualquer dever de participação na vida social. A imagem que Philippe Van Parijs desenvolveu, do direito a escolher fazer surf de manhã à noite sendo alimentado para isso pela sociedade, não corresponde à minha visão da boa sociedade. Mas a ideia de nos libertar a todos do risco de não ter recursos para viver, que também está subjacente ao RBI tem futuro e temos de debater como lá chegar.
E para implementar o RBI?
Nenhum país do mundo o implementou. Estamos ainda no domínio do desenvolvimento do conceito e de aplicações experimentais e localizadas. Não creio que haja condições para Portugal, aliás, para qualquer país do mundo, fazer mais do que debates e experiências na próxima geração.
O que à primeira vista parece ser uma boa ideia, na verdade é algo muito polémico. Concorda? Na Suíça, por exemplo, os cidadãos rejeitaram, em referendo, um rendimento fixo mensal e universal.
Ser polémico não é necessariamente mau. Não acho que os promotores do referendo suíço tenham prestado um bom serviço à sua causa. Quiseram, mesmo na óptica deles, começar a casa pelo telhado. Há muitas questões para as quais os defensores do RBI não têm ainda respostas coerentes e que têm que ser debatidas. Se quiser, o Rendimento Básico Incondicional ainda não passou da fase da utopia. Há muitas ideias que não sobrevivem ao confronto com a realidade, tendo sido utopias interessantes. Não sei se vai ser o caso do RBI, mas sei que não é algo que deva ser discutido como se estivesse suficientemente maduro para se transformar numa política estruturante.
Da Finlândia à Escócia, os testes ao rendimento básico espalham-se pela Europa
Há quem defenda que este “apoio” devia ser de cerca de 15% do PIB per capita. É assim que se faz a conta?
Para ser efectivo, o RBI tem de ser caro. Dificilmente poderia ter qualquer efeito prático abaixo desse custo. Provavelmente teria de ser mesmo um pouco mais alto. E, para poder custar uma importância tão significativa, haveria que saber o que queríamos cortar e nessa substituição de despesa se ganhávamos algo de relevante. Deixe-me dar um exemplo. Hoje temos saúde universal e educação universal. Não são prestações em dinheiro, mas são serviços. Se substituíssemos esses serviços por dar dinheiro às pessoas para os comprarem no mercado, acho que não haveria ganhos sociais, muito pelo contrário. Há uma dimensão da questão de que raras vezes se fala. O RBI pretende substituir o Estado-Providência. É uma alternativa a pensões, subsídios de desemprego, serviços básicos como educação e saúde pública e universal. Portanto, não basta saber se a distribuição de dinheiro incondicionalmente é boa. É preciso saber também se é melhor do que a segurança social, a saúde e a educação pública, que substituiria.
Que impacto tem, numa sociedade, a introdução deste rendimento?
Não sabemos, apenas podemos especular. Os defensores esperam que nos dê maior liberdade individual, maior controlo sobre as nossas vidas, porque podemos escolher viver libertos da necessidade de procurar recursos. Eu estou convencido que geraria uma fractura social profunda entre os que “escolhiam” gerar riqueza e os que “escolhiam” receber parte dessa riqueza de cuja produção não queriam fazer parte. A solidariedade assenta muito na ideia de reciprocidade, de dar para, pelo menos em teoria, poder receber. Vejo com muita dificuldade a construção de uma ética assente numa massiva vontade de distribuir sem perspectivas de beneficiar do que se distribui. Essa contradição parece-me decisiva. Por outro lado, as sociedades que saíram do fim das sociedades aristocráticas são sociedades salariais. O salário é um mecanismo produtor de acesso a muito mais do que dinheiro e a modulação dos salários um indicador de igualdade/desigualdade, como o acesso ao trabalho é muito mais do que acesso ao salário. Podemos imaginar uma sociedade em que o princípio estruturante do estatuto social não é nem o nascimento, como nas sociedades aristocráticas, nem a posição no mercado de trabalho, como nas nossas, mas essa sociedade é muito diferente da nossa, e não acredito que o RBI tenha força para a construir.
E no Orçamento de um país como o nosso?
Nas circunstâncias actuais parece-me simplesmente impossível, a menos que aceitássemos destruir o Estado Social. Pode introduzir-se medidas que se inspiram parcialmente no acesso aos recursos como direito de cidadania. O Rendimento Social de Inserção tem o rendimento básico entre as suas fontes de inspiração. Mas não creio que possamos pensar numa prestação de rendimento universal, incondicional e significativa, sem substituir despesa social que é equitativa e eficiente, na educação, na saúde e na segurança social.
O RBI acaba mesmo com o Estado Social (no sentido em que pressupõe que os serviços públicos de Educação e Saúde passem a ser pagos)?
Em teoria, não. Na prática, sim. São duas ideias que consomem demasiados recursos para poderem coexistir sem que uma passe a ser residual.
Ler mais
PAN defende projecto-piloto de rendimento básico em Cascais
Poucos portugueses deverão votar no referendo ao rendimento básico na Suiça
Mais de 4400 assinaram petição a pedir Rendimento Básico Incondicional
Só há dois partidos em Portugal que defendem a introdução do RBI. Esta discussão está a chegar ao PS?
Se o Secretariado Nacional do PS promoveu um debate sobre o tema, é porque chegou. E o debate é necessário, mesmo se eu ache que é uma ideia para manter sob exame e não para adoptar, pelo menos nesta fase.
As experiências em curso (como a da Finlândia, por exemplo) já podem ensinar-nos alguma coisa?
Na minha opinião, muito pouco. Porque a experiência finlandesa é de substituição do subsídio de desemprego por uma prestação que não impõe disponibilidade para o trabalho. Não é de acesso universal. Contudo, há que estudar os resultados.
Paulo Pedroso, 52 anos. O ex-ministro do Trabalho e da Solidariedade que criou, no governo de António Guterres, o Rendimento Social de Inserção, fala sobre outro tipo de apoio universal que motivou um debate no PS este fim-de-semana.
No mesmo fim-de-semana, PS e PSD entraram, cada um à sua maneira, num tema que o PAN e o Livre já tinham tentado colocar na agenda política. No Expresso, lia-se que o texto da moção conjunta de Carlos Moedas e Pedro Duarte ao congresso do PSD, propunha a discussão sobre rendimento básico universal e progressividade fiscal. No Largo do Rato, o PS organizava o debate Rendimento Básico Incondicional: o deslumbramento ao conceito?
Ao PÚBLICO, Paulo Pedroso, um dos oradores convidados da iniciativa PS de Portas Abertas, teoriza sobre o que diz ser "uma ideia para outra sociedade" que já não se organize em função da posição que uma pessoa ocupa no mercado de trabalho. "Mas a política é também a antecipação", conclui, para justificar a pertinência do debate. "E a utopia de hoje..."
Rendimento básico entusiasma mais os académicos do que os políticos
Como definiria o conceito de Rendimento Básico Incondicional (RBI): é um subsídio a que os cidadãos têm direito só por existirem ou um instrumento de combate à pobreza?
O Rendimento Básico Incondicional pretende distribuir uma certa quantidade de recursos sem exigir contrapartidas ou impor condições. Se essa quantidade for significativa, reduz substancialmente a pobreza, mas o seu objetivo é afirmar um direito a existir sem estar condicionado pela necessidade de procurar um emprego, um salário ou uma forma de obter dinheiro pela sua actividade, não é combater a pobreza.
Diria que Portugal está preparado para começar a debater esse tema, que já originou uma petição?
Para debater, sim. A ideia existe e tem potencialidades, mesmo se também tem, na minha opinião, sérios inconvenientes e muitos aspectos que necessitam de ser clarificados. Atrai-me pouco a visão de uma sociedade em que uma parte das pessoas seja isentada de todo e qualquer dever de participação na vida social. A imagem que Philippe Van Parijs desenvolveu, do direito a escolher fazer surf de manhã à noite sendo alimentado para isso pela sociedade, não corresponde à minha visão da boa sociedade. Mas a ideia de nos libertar a todos do risco de não ter recursos para viver, que também está subjacente ao RBI tem futuro e temos de debater como lá chegar.
E para implementar o RBI?
Nenhum país do mundo o implementou. Estamos ainda no domínio do desenvolvimento do conceito e de aplicações experimentais e localizadas. Não creio que haja condições para Portugal, aliás, para qualquer país do mundo, fazer mais do que debates e experiências na próxima geração.
O que à primeira vista parece ser uma boa ideia, na verdade é algo muito polémico. Concorda? Na Suíça, por exemplo, os cidadãos rejeitaram, em referendo, um rendimento fixo mensal e universal.
Ser polémico não é necessariamente mau. Não acho que os promotores do referendo suíço tenham prestado um bom serviço à sua causa. Quiseram, mesmo na óptica deles, começar a casa pelo telhado. Há muitas questões para as quais os defensores do RBI não têm ainda respostas coerentes e que têm que ser debatidas. Se quiser, o Rendimento Básico Incondicional ainda não passou da fase da utopia. Há muitas ideias que não sobrevivem ao confronto com a realidade, tendo sido utopias interessantes. Não sei se vai ser o caso do RBI, mas sei que não é algo que deva ser discutido como se estivesse suficientemente maduro para se transformar numa política estruturante.
Da Finlândia à Escócia, os testes ao rendimento básico espalham-se pela Europa
Há quem defenda que este “apoio” devia ser de cerca de 15% do PIB per capita. É assim que se faz a conta?
Para ser efectivo, o RBI tem de ser caro. Dificilmente poderia ter qualquer efeito prático abaixo desse custo. Provavelmente teria de ser mesmo um pouco mais alto. E, para poder custar uma importância tão significativa, haveria que saber o que queríamos cortar e nessa substituição de despesa se ganhávamos algo de relevante. Deixe-me dar um exemplo. Hoje temos saúde universal e educação universal. Não são prestações em dinheiro, mas são serviços. Se substituíssemos esses serviços por dar dinheiro às pessoas para os comprarem no mercado, acho que não haveria ganhos sociais, muito pelo contrário. Há uma dimensão da questão de que raras vezes se fala. O RBI pretende substituir o Estado-Providência. É uma alternativa a pensões, subsídios de desemprego, serviços básicos como educação e saúde pública e universal. Portanto, não basta saber se a distribuição de dinheiro incondicionalmente é boa. É preciso saber também se é melhor do que a segurança social, a saúde e a educação pública, que substituiria.
Que impacto tem, numa sociedade, a introdução deste rendimento?
Não sabemos, apenas podemos especular. Os defensores esperam que nos dê maior liberdade individual, maior controlo sobre as nossas vidas, porque podemos escolher viver libertos da necessidade de procurar recursos. Eu estou convencido que geraria uma fractura social profunda entre os que “escolhiam” gerar riqueza e os que “escolhiam” receber parte dessa riqueza de cuja produção não queriam fazer parte. A solidariedade assenta muito na ideia de reciprocidade, de dar para, pelo menos em teoria, poder receber. Vejo com muita dificuldade a construção de uma ética assente numa massiva vontade de distribuir sem perspectivas de beneficiar do que se distribui. Essa contradição parece-me decisiva. Por outro lado, as sociedades que saíram do fim das sociedades aristocráticas são sociedades salariais. O salário é um mecanismo produtor de acesso a muito mais do que dinheiro e a modulação dos salários um indicador de igualdade/desigualdade, como o acesso ao trabalho é muito mais do que acesso ao salário. Podemos imaginar uma sociedade em que o princípio estruturante do estatuto social não é nem o nascimento, como nas sociedades aristocráticas, nem a posição no mercado de trabalho, como nas nossas, mas essa sociedade é muito diferente da nossa, e não acredito que o RBI tenha força para a construir.
E no Orçamento de um país como o nosso?
Nas circunstâncias actuais parece-me simplesmente impossível, a menos que aceitássemos destruir o Estado Social. Pode introduzir-se medidas que se inspiram parcialmente no acesso aos recursos como direito de cidadania. O Rendimento Social de Inserção tem o rendimento básico entre as suas fontes de inspiração. Mas não creio que possamos pensar numa prestação de rendimento universal, incondicional e significativa, sem substituir despesa social que é equitativa e eficiente, na educação, na saúde e na segurança social.
O RBI acaba mesmo com o Estado Social (no sentido em que pressupõe que os serviços públicos de Educação e Saúde passem a ser pagos)?
Em teoria, não. Na prática, sim. São duas ideias que consomem demasiados recursos para poderem coexistir sem que uma passe a ser residual.
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Mais de 4400 assinaram petição a pedir Rendimento Básico Incondicional
Só há dois partidos em Portugal que defendem a introdução do RBI. Esta discussão está a chegar ao PS?
Se o Secretariado Nacional do PS promoveu um debate sobre o tema, é porque chegou. E o debate é necessário, mesmo se eu ache que é uma ideia para manter sob exame e não para adoptar, pelo menos nesta fase.
As experiências em curso (como a da Finlândia, por exemplo) já podem ensinar-nos alguma coisa?
Na minha opinião, muito pouco. Porque a experiência finlandesa é de substituição do subsídio de desemprego por uma prestação que não impõe disponibilidade para o trabalho. Não é de acesso universal. Contudo, há que estudar os resultados.
Se vai pedir um crédito à habitação, saiba o que muda em janeiro nas letras pequeninas
in SicNotícias
No primeiro dia do novo ano, a FIN foi substituída pela FINE, a Ficha de Informação Normalizada, o documento que todos os bancos são obrigados a entregar de cada vez que é pedida uma simulação de crédito à habitação
É na Ficha de Informação Normalizada que se encontra discriminado o spread e todas as taxas e taxinhas que vai ter de pagar para compensar um spread eventualmente mais baixo. Em muitos casos, o spread baixo sai mais caro ao fim do ano do que um spread um pouco mais alto mas com menos serviços associados.
Comecemos pelo óbvio. A FINE tem mais um E que a FIN. Passa a ser a Ficha de Informação Normalizada (E)uropeia. Ou seja, passa a ser um documento igual em toda a Europa - e a partir de agora também em Portugal. Tem mais informação do que a FIN, por isso é boa para nós, consumidores. Desde que a saibamos ler, claro. Está cheia de letras miudinhas, mas acredite que é para nosso benefício.
Ao receber a FINE de 3, 4, ou 5 bancos (os que consultar) vai ser mais fácil comparar exatamente o que estão a “oferecer-lhe” em relação ao seu crédito à habitação ou hipotecário.
O cliente deve receber uma FINE sempre que faz a simulação do empréstimo, tendo por base a informação por si prestada à instituição, e, posteriormente, aquando da comunicação da aprovação do contrato de crédito, refletindo as características do empréstimo efetivamente aprovado pela instituição. Portanto, não assuma que não precisa de ler outra vez a segunda FINE. Pode ser diferente daquela que o convenceu a optar por aquele banco.
O que deve procurar na FINE, na qual vai encontrar, a partir de 1 de janeiro:
• A taxa anual de encargos efetiva global (TAEG);
• A taxa anual nominal (TAN) aplicável ao empréstimo de acordo com o tipo de taxa de juro (taxa fixa, variável ou mista);
• Comissões, despesas, seguros exigidos e outros custos;
• O montante do empréstimo e o montante total a reembolsar (MTIC);
• A periodicidade e o montante das prestações;
• E a informação sobre os produtos e serviços financeiros contratados, como vendas associadas facultativas, se aplicável.
Em resumo, a TAER (que inclui todas as despesas, e não apenas o spread) acaba e passa a chamar-se TAEG. E tem mais informação detalhada sobre o que vai realmente pagar se assumir aquele empréstimo.
Assim, quer o crédito ao consumo quer o crédito à habitação passam a ser definidos pela TAEG. É muito importante que fixe isto. É menos uma sigla a atrapalhar.
Com estas informações, a partir de agora (antes já era, mas a partir de janeiro ainda mais) já não pode dizer que não sabia. Nunca se esqueça de que quando assina um documento, é porque concorda. Se assina sem ler, e depois é apanhado de surpresa, a culpa não é dos outros.
No primeiro dia do novo ano, a FIN foi substituída pela FINE, a Ficha de Informação Normalizada, o documento que todos os bancos são obrigados a entregar de cada vez que é pedida uma simulação de crédito à habitação
É na Ficha de Informação Normalizada que se encontra discriminado o spread e todas as taxas e taxinhas que vai ter de pagar para compensar um spread eventualmente mais baixo. Em muitos casos, o spread baixo sai mais caro ao fim do ano do que um spread um pouco mais alto mas com menos serviços associados.
Comecemos pelo óbvio. A FINE tem mais um E que a FIN. Passa a ser a Ficha de Informação Normalizada (E)uropeia. Ou seja, passa a ser um documento igual em toda a Europa - e a partir de agora também em Portugal. Tem mais informação do que a FIN, por isso é boa para nós, consumidores. Desde que a saibamos ler, claro. Está cheia de letras miudinhas, mas acredite que é para nosso benefício.
Ao receber a FINE de 3, 4, ou 5 bancos (os que consultar) vai ser mais fácil comparar exatamente o que estão a “oferecer-lhe” em relação ao seu crédito à habitação ou hipotecário.
O cliente deve receber uma FINE sempre que faz a simulação do empréstimo, tendo por base a informação por si prestada à instituição, e, posteriormente, aquando da comunicação da aprovação do contrato de crédito, refletindo as características do empréstimo efetivamente aprovado pela instituição. Portanto, não assuma que não precisa de ler outra vez a segunda FINE. Pode ser diferente daquela que o convenceu a optar por aquele banco.
O que deve procurar na FINE, na qual vai encontrar, a partir de 1 de janeiro:
• A taxa anual de encargos efetiva global (TAEG);
• A taxa anual nominal (TAN) aplicável ao empréstimo de acordo com o tipo de taxa de juro (taxa fixa, variável ou mista);
• Comissões, despesas, seguros exigidos e outros custos;
• O montante do empréstimo e o montante total a reembolsar (MTIC);
• A periodicidade e o montante das prestações;
• E a informação sobre os produtos e serviços financeiros contratados, como vendas associadas facultativas, se aplicável.
Em resumo, a TAER (que inclui todas as despesas, e não apenas o spread) acaba e passa a chamar-se TAEG. E tem mais informação detalhada sobre o que vai realmente pagar se assumir aquele empréstimo.
Assim, quer o crédito ao consumo quer o crédito à habitação passam a ser definidos pela TAEG. É muito importante que fixe isto. É menos uma sigla a atrapalhar.
Com estas informações, a partir de agora (antes já era, mas a partir de janeiro ainda mais) já não pode dizer que não sabia. Nunca se esqueça de que quando assina um documento, é porque concorda. Se assina sem ler, e depois é apanhado de surpresa, a culpa não é dos outros.
Vem aí um programa para integrar pessoas ciganas no mercado laboral
Ana Cristina Pereira, in Público on-line
Processo de revisão da Estratégia Nacional foi lançado em Abril de 2017 e Governo deve receber sugestões em Abril deste ano.
A Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas 2013-2020 ainda se encontra em revisão, mas o reajuste já está em marcha. Vem aí uma nova geração de programas destinados a abrir o mercado de trabalho a pessoas de etnia cigana, revela o alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado.
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O processo de revisão da Estratégia Nacional foi lançado a 8 de Abril de 2017, Dia Internacional dos Ciganos. Uma equipa do CESIS — Centro de Estudos para a Intervenção Social tem estado a dinamizar grupos de discussão, envolvendo peritos, associações e representantes das comunidades ciganas e outras organizações públicas e privadas. “Queremos culminar o processo no final do primeiro trimestre de 2018 e mostrar os resultados no dia 8 de Abril ”, adianta Pedro Calado.
Só depois a secretária de Estado da Igualdade terá ferramentas para iniciar a revisão do documento.
“É um bocadinho com um amargo de boca que vemos que a taxa de execução é quase plena mas os resultados estão muito aquém".
Taxa de execução de 94%
O último relatório de avaliação da estratégia nacional aponta para uma taxa de execução de 94,1%. Só que a maior parte do que foi feito ou está a ser feito encaixa em apenas dois eixos: o da saúde e o transversal, que diz respeito a mediação, valorização da história e cultura ciganas, combate à discriminação, igualdade de género. Aqueles dois eixos estavam com uma taxa superior a 270%, mas os outros três mantinham-se muitíssimo abaixo do esperado – habitação (3,6%), educação (10,2%), formação e emprego (34,5%).
Marcelo fala de preconceitos e intolerância para com estudantes ciganos
“É um bocadinho com um amargo de boca que vemos que a taxa de execução é quase plena mas os resultados estão muito aquém”, reconhece o alto-comissário. “A nossa sensação é que a estratégia, tal como está desenhada hoje, é relativamente pouco ambiciosa. Gostaríamos de ter aqui mais ambição, por um lado, e, por outro, um maior foco naquelas áreas que nos parecem estruturais.”
A área da formação e emprego é reconhecida como motor de inclusão. “Enquanto não conseguirmos um nível de integração no mercado de trabalho dificilmente teremos sucesso”, salienta Calado. “Podemos fazer muitas coisas noutras áreas, mas se esta falhar, seguramente a estratégia não obterá o resultado que esperávamos”, diz ainda, adiantando que está a ser preparado um “programa para garantir formas de experimentação da inserção sócio-profissional”.
Para já, Calado adianta apenas que o programa chamar-se-á Inserção Socio-Profissional das Comunidades Ciganas, destinar-se-á a pessoas com os mais diversos níveis de escolaridade, desde o primeiro ciclo ao ensino superior. Mais: será financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego e deverá ser operacionalizado por organizações não-governamentais com experiência de trabalho com comunidades ciganas.
O aviso da abertura de concurso poderá ser lançado a qualquer momento. “Estamos nas conclusões de procedimentos e cremos que está muito para breve”, assegura, numa conversa telefónica. A grande inspiração desta nova geração de programas é a Fundação Secretariado Cigano, de Espanha.
Governo aumenta para 30 o número de bolsas para alunos universitários ciganos
Inspiração espanhola
O alto-comissário começa por mencionar o programa Aceder, através do qual aquela organização de solidariedade assume o papel de agência de colocação em 14 regiões espanholas. A equipa procura oportunidades de emprego, adapta a formação profissional que dá ao mercado de trabalho, estabelece ligações directas entre formandos e empresas, aumenta a consciencialização sobre preconceito e práticas discriminatórias e coloca os formandos a estagiar/trabalhar em empresas.
Pedro Calado refere depois o programa Aprender trabalhando, destinado a jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos. Numa primeira fase, os jovens são acompanhados na avaliação das suas competências e interesses profissionais. A seguir, recebem uma formação teórica. Por fim, uma formação em contexto de trabalho. Durante todo este processo têm um mentor.
As ideias que dão forma àqueles dois programas, considerados exemplos de boas práticas em toda a União Europeia, deverão, agora, ser replicadas em Portugal. “Estamos a trabalhar nisso”, afiança Pedro Calado. “Vamos ver se até 2020 começamos a ter aqui alguma experimentação.”
Ciganos: programa de mediação cultural revela um "sinal de mudança"
Há outras sugestões em cima da mesa. À boleia da revisão da Estratégia Nacional, Bruno Gonçalves, mediador cultural e dirigente da associação Letras Nómadas, por exemplo, sugere que dentro dos gabinetes de inserção profissional, que o Instituto de Emprego e Formação Profissional dispõe, haja alguém “que funcione como ponte entre as comunidades ciganas e as empresas”.
“Não gosto muito de dizer isto, mas há um problema de confiança”, admite Bruno Gonçalves. “Há muitas empresas que não querem aceitar ciganos. Os técnicos têm grande dificuldade em colocar ciganos a estagiar ou a trabalhar”. Por isso defende “equipas multidisciplinares que incluíssem um facilitador cigano, que pudesse trabalhar a confiança entre as comunidades ciganas e as empresas”.
As barreiras
O comércio ambulante, a que muitos membros das comunidades ciganas se dedicavam, já não é o que era. É cada vez mais limitado o acesso a lugares licenciados em feiras e mercados. E é cada vez mais forte a concorrência das lojas de baixo custo.
Os ciganos "não valem nada"? "Não somos tão maus como pensam!"
O único estudo nacional, feito em 2014 por Olga Magano, Manuela Mendes e Pedro Candeias, indica que a ligação com o mercado de trabalho formal permanece “frágil”. Mais de metade (57%) dos inquiridos disse que estava desempregado, à procura do primeiro emprego ou nunca ter trabalhado. Alguns desses desempregados faziam biscates, venda ambulante, trabalhos agrícolas.
Um estudo internacional, publicado pelo Banco Mundial em 2016, elencava o rol de barreiras de acesso ao mercado laboral: capacidades desajustadas; discriminação, desânimo, segregação residencial, falta de recursos. E assumia que não basta capacitar as pessoas de etnia cigana, é também preciso sensibilizar a sociedade.
Uma tese de mestrado feita em 2016 na Universidade Aberta, sob orientação da socióloga Olga Magano, procura perceber a ligação entre desemprego cigano, formação profissional e o encaminhamento para propostas de emprego. A autora, Isabel Pereira, pegou no exemplo do Centro de Emprego e Formação Profissional de Entre Douro e Vouga, que tinha então 103 inscritos de etnia cigana.
Os técnicos que entrevistou falaram em falta de vontade de trabalhar, desajustamento entre as ofertas de formação/trabalho e as qualificações dos inscritos. As pessoas ciganas, por sua vez, alegaram que as formações possíveis não servem para aprender uma actividade ou profissão. E que não têm escolaridade para as frequentar ou responder às propostas de trabalho existentes.
“Quando se consegue encaminhar alguma pessoa cigana para uma proposta, nem sequer chega a ser entrevistado: as empresas recusam sistematicamente os candidatos de origem cigana”, escreve Isabel Pereira. “Perante um candidato de etnia cigana e outro candidato não cigano, a preferência recai no não cigano. A intermediação do Instituto de Emprego e Formação Profissional e os apoios financeiros do Estado de pouco servem para ajudar a integração das pessoas ciganas num posto de trabalho ou numa medida de emprego.”
50 mediadores
Só 2,5% dos ciganos completaram o ensino secundário
A educação é outro calcanhar de Aquiles. Há sinais de uma crescente integração no ensino básico, alguns começam a chegar ao ensino superior, mas o nível de escolaridade permanece muito baixo. Os prometidos novos 50 mediadores culturais, que chegaram a ser anunciados para o princípio deste ano lectivo, ainda não entraram nas escolas. “O aviso destinado à abertura de candidaturas está para muito breve. Vamos ver se nas próximas semanas conseguimos lançar”, diz Calado.
Serão os municípios a contratá-los. “Esperemos nós que seja uma garantia para quando haja interesse e um também balanço positivo do trabalho feito, o município se comprometa a manter a pessoa no cargo.”
Maria José Casa-Nova é nova coordenadora do Observatório
Maria José Casa-Nova, professora de sociologia da educação e de imigração, minorias e interculturalidade na Universidade do Minho, é a nova coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas, uma unidade informal que faz parte do Alto Comissariado para as Migrações. Sucede a Carlos Santos.
Estuda as comunidades ciganas desde 1991. Dedicou-lhes o trabalho de fim de curso e o mestrado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. E o de doutoramento, que defendeu no Departamento de Antropologia da Universidade de Granada (Espanha).
A prioridade do observatório será a educação, adianta o alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado.“Os dados mais fiáveis que temos são do primeiro estudo nacional [feito em 2014]”, recorda. E esses indicam que cerca de 30% dos ciganos portugueses não tinham o 1.º ciclo completo ou nunca tinham frequentado a escola. Só 2,5% tinham completado o secundário. “Estamos em crer que a equipa nos vai trazer mais informação”, diz.
O observatório deverá ser capaz de adjudicar estudos a entidades que se candidatem aos seus apoios. “Isto está garantido”, afirma. “E produzirá conhecimento, aproveitando o know how da professora Maria José Casa-Nova”, remata.
Processo de revisão da Estratégia Nacional foi lançado em Abril de 2017 e Governo deve receber sugestões em Abril deste ano.
A Estratégia Nacional de Integração das Comunidades Ciganas 2013-2020 ainda se encontra em revisão, mas o reajuste já está em marcha. Vem aí uma nova geração de programas destinados a abrir o mercado de trabalho a pessoas de etnia cigana, revela o alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado.
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O processo de revisão da Estratégia Nacional foi lançado a 8 de Abril de 2017, Dia Internacional dos Ciganos. Uma equipa do CESIS — Centro de Estudos para a Intervenção Social tem estado a dinamizar grupos de discussão, envolvendo peritos, associações e representantes das comunidades ciganas e outras organizações públicas e privadas. “Queremos culminar o processo no final do primeiro trimestre de 2018 e mostrar os resultados no dia 8 de Abril ”, adianta Pedro Calado.
Só depois a secretária de Estado da Igualdade terá ferramentas para iniciar a revisão do documento.
“É um bocadinho com um amargo de boca que vemos que a taxa de execução é quase plena mas os resultados estão muito aquém".
Taxa de execução de 94%
O último relatório de avaliação da estratégia nacional aponta para uma taxa de execução de 94,1%. Só que a maior parte do que foi feito ou está a ser feito encaixa em apenas dois eixos: o da saúde e o transversal, que diz respeito a mediação, valorização da história e cultura ciganas, combate à discriminação, igualdade de género. Aqueles dois eixos estavam com uma taxa superior a 270%, mas os outros três mantinham-se muitíssimo abaixo do esperado – habitação (3,6%), educação (10,2%), formação e emprego (34,5%).
Marcelo fala de preconceitos e intolerância para com estudantes ciganos
“É um bocadinho com um amargo de boca que vemos que a taxa de execução é quase plena mas os resultados estão muito aquém”, reconhece o alto-comissário. “A nossa sensação é que a estratégia, tal como está desenhada hoje, é relativamente pouco ambiciosa. Gostaríamos de ter aqui mais ambição, por um lado, e, por outro, um maior foco naquelas áreas que nos parecem estruturais.”
A área da formação e emprego é reconhecida como motor de inclusão. “Enquanto não conseguirmos um nível de integração no mercado de trabalho dificilmente teremos sucesso”, salienta Calado. “Podemos fazer muitas coisas noutras áreas, mas se esta falhar, seguramente a estratégia não obterá o resultado que esperávamos”, diz ainda, adiantando que está a ser preparado um “programa para garantir formas de experimentação da inserção sócio-profissional”.
Para já, Calado adianta apenas que o programa chamar-se-á Inserção Socio-Profissional das Comunidades Ciganas, destinar-se-á a pessoas com os mais diversos níveis de escolaridade, desde o primeiro ciclo ao ensino superior. Mais: será financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego e deverá ser operacionalizado por organizações não-governamentais com experiência de trabalho com comunidades ciganas.
O aviso da abertura de concurso poderá ser lançado a qualquer momento. “Estamos nas conclusões de procedimentos e cremos que está muito para breve”, assegura, numa conversa telefónica. A grande inspiração desta nova geração de programas é a Fundação Secretariado Cigano, de Espanha.
Governo aumenta para 30 o número de bolsas para alunos universitários ciganos
Inspiração espanhola
O alto-comissário começa por mencionar o programa Aceder, através do qual aquela organização de solidariedade assume o papel de agência de colocação em 14 regiões espanholas. A equipa procura oportunidades de emprego, adapta a formação profissional que dá ao mercado de trabalho, estabelece ligações directas entre formandos e empresas, aumenta a consciencialização sobre preconceito e práticas discriminatórias e coloca os formandos a estagiar/trabalhar em empresas.
Pedro Calado refere depois o programa Aprender trabalhando, destinado a jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos. Numa primeira fase, os jovens são acompanhados na avaliação das suas competências e interesses profissionais. A seguir, recebem uma formação teórica. Por fim, uma formação em contexto de trabalho. Durante todo este processo têm um mentor.
As ideias que dão forma àqueles dois programas, considerados exemplos de boas práticas em toda a União Europeia, deverão, agora, ser replicadas em Portugal. “Estamos a trabalhar nisso”, afiança Pedro Calado. “Vamos ver se até 2020 começamos a ter aqui alguma experimentação.”
Ciganos: programa de mediação cultural revela um "sinal de mudança"
Há outras sugestões em cima da mesa. À boleia da revisão da Estratégia Nacional, Bruno Gonçalves, mediador cultural e dirigente da associação Letras Nómadas, por exemplo, sugere que dentro dos gabinetes de inserção profissional, que o Instituto de Emprego e Formação Profissional dispõe, haja alguém “que funcione como ponte entre as comunidades ciganas e as empresas”.
“Não gosto muito de dizer isto, mas há um problema de confiança”, admite Bruno Gonçalves. “Há muitas empresas que não querem aceitar ciganos. Os técnicos têm grande dificuldade em colocar ciganos a estagiar ou a trabalhar”. Por isso defende “equipas multidisciplinares que incluíssem um facilitador cigano, que pudesse trabalhar a confiança entre as comunidades ciganas e as empresas”.
As barreiras
O comércio ambulante, a que muitos membros das comunidades ciganas se dedicavam, já não é o que era. É cada vez mais limitado o acesso a lugares licenciados em feiras e mercados. E é cada vez mais forte a concorrência das lojas de baixo custo.
Os ciganos "não valem nada"? "Não somos tão maus como pensam!"
O único estudo nacional, feito em 2014 por Olga Magano, Manuela Mendes e Pedro Candeias, indica que a ligação com o mercado de trabalho formal permanece “frágil”. Mais de metade (57%) dos inquiridos disse que estava desempregado, à procura do primeiro emprego ou nunca ter trabalhado. Alguns desses desempregados faziam biscates, venda ambulante, trabalhos agrícolas.
Um estudo internacional, publicado pelo Banco Mundial em 2016, elencava o rol de barreiras de acesso ao mercado laboral: capacidades desajustadas; discriminação, desânimo, segregação residencial, falta de recursos. E assumia que não basta capacitar as pessoas de etnia cigana, é também preciso sensibilizar a sociedade.
Uma tese de mestrado feita em 2016 na Universidade Aberta, sob orientação da socióloga Olga Magano, procura perceber a ligação entre desemprego cigano, formação profissional e o encaminhamento para propostas de emprego. A autora, Isabel Pereira, pegou no exemplo do Centro de Emprego e Formação Profissional de Entre Douro e Vouga, que tinha então 103 inscritos de etnia cigana.
Os técnicos que entrevistou falaram em falta de vontade de trabalhar, desajustamento entre as ofertas de formação/trabalho e as qualificações dos inscritos. As pessoas ciganas, por sua vez, alegaram que as formações possíveis não servem para aprender uma actividade ou profissão. E que não têm escolaridade para as frequentar ou responder às propostas de trabalho existentes.
“Quando se consegue encaminhar alguma pessoa cigana para uma proposta, nem sequer chega a ser entrevistado: as empresas recusam sistematicamente os candidatos de origem cigana”, escreve Isabel Pereira. “Perante um candidato de etnia cigana e outro candidato não cigano, a preferência recai no não cigano. A intermediação do Instituto de Emprego e Formação Profissional e os apoios financeiros do Estado de pouco servem para ajudar a integração das pessoas ciganas num posto de trabalho ou numa medida de emprego.”
50 mediadores
Só 2,5% dos ciganos completaram o ensino secundário
A educação é outro calcanhar de Aquiles. Há sinais de uma crescente integração no ensino básico, alguns começam a chegar ao ensino superior, mas o nível de escolaridade permanece muito baixo. Os prometidos novos 50 mediadores culturais, que chegaram a ser anunciados para o princípio deste ano lectivo, ainda não entraram nas escolas. “O aviso destinado à abertura de candidaturas está para muito breve. Vamos ver se nas próximas semanas conseguimos lançar”, diz Calado.
Serão os municípios a contratá-los. “Esperemos nós que seja uma garantia para quando haja interesse e um também balanço positivo do trabalho feito, o município se comprometa a manter a pessoa no cargo.”
Maria José Casa-Nova é nova coordenadora do Observatório
Maria José Casa-Nova, professora de sociologia da educação e de imigração, minorias e interculturalidade na Universidade do Minho, é a nova coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas, uma unidade informal que faz parte do Alto Comissariado para as Migrações. Sucede a Carlos Santos.
Estuda as comunidades ciganas desde 1991. Dedicou-lhes o trabalho de fim de curso e o mestrado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. E o de doutoramento, que defendeu no Departamento de Antropologia da Universidade de Granada (Espanha).
A prioridade do observatório será a educação, adianta o alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado.“Os dados mais fiáveis que temos são do primeiro estudo nacional [feito em 2014]”, recorda. E esses indicam que cerca de 30% dos ciganos portugueses não tinham o 1.º ciclo completo ou nunca tinham frequentado a escola. Só 2,5% tinham completado o secundário. “Estamos em crer que a equipa nos vai trazer mais informação”, diz.
O observatório deverá ser capaz de adjudicar estudos a entidades que se candidatem aos seus apoios. “Isto está garantido”, afirma. “E produzirá conhecimento, aproveitando o know how da professora Maria José Casa-Nova”, remata.
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