in Expresso
A subida das margens de lucro pelas empresas estará a ser um fator de aumento dos preços? Há debate na cúpula do BCE, mas os dados sugerem que sim: é do lado dos lucros, do capital, que está uma das causas do surto inflacionista
Uma apresentação do Banco Central Europeu (BCE) num encontro de governadores dos bancos centrais do sistema demonstrou que as margens de lucros das empresas tinham aumentado, quando, por via do aumento dos custos, deveriam estar a diminuir. O que significa que as subidas de preço, que contribuem para o agravamento da taxa de inflação, estão a servir para aumentar os rendimentos das empresas à custa da perda de compra dos consumidores.
De acordo com as fontes ouvidas pela Reuters, este encontro realizado no final de fevereiro na aldeia de Inari, na Lapónia, norte da Finlândia - e no qual o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, esteve presente - o aumento dos custos de produção sentidos pelas empresas nos últimos dois anos estão a ser mais do que compensados pelos aumentos dos preços, sem se notar perda de margem de lucro. Pelo contrário, de acordo com as conclusões inscritas nos slides apresentados aos membros do conselho do BCE.
O governador do banco central português, Mário Centeno, já tinha alertado no final do ano passado em entrevista ao “Público” que as subidas de preços vão “em muitos casos para além daquilo que se poderia esperar face ao que são as pressões inflacionistas vindas da oferta”, apelando às empresas que moderassem a melhoria das margens de lucro.
O BCE - que não quis comentar à Reuters esta notícia - reverteu a política monetária dos últimos anos em poucos meses, passando de taxas negativas para uma taxa diretora de 3%. Lagarde já sinalizou aumento da taxa diretora em 50 pontos base na reunião de março e disse esta quinta-feira, 2 de março, que irão prosseguir para lá desse mês. E tem defendido nos últimos meses moderação nos aumentos salariais para limitar a possibilidade de vir a dar-se uma espiral em que os custos adicionais dos aumentos de salários são compensados com mais aumentos de preços.
Porém, quando não há sinais de uma espiral desse género - segundo dados do BCE, os salários médios reais caíram 5% desde 2019 na zona euro - a possibilidade do reforço das margens de lucro das empresas estar a ajudar a manter taxas de inflação ainda em valores muito altos modifica os pressupostos que sustentaram a política monetária do BCE no último ano.
De acordo com as fontes ouvidas pelo BCE, os dados apresentados explicavam que as poupanças acumuladas durante a pandemia pelos consumidores fizeram com que as pressões salariais fossem controladas. E, aproveitando esse poder de compra acumulado, as empresas aumentaram muito os preços numa altura em que os consumidores tendiam a não olhar a gastos nas suas compras.
Porém, a janela de oportunidade para o reforço das margens de lucro está a fechar-se, com as poupanças acumuladas pelos consumidores no fim. Apesar do aumento de perto de 5% previsto pelo BCE para os salários de 2023, ele é insuficiente para compensar a perda real de poder de compra dos últimos anos. E quem compra vai começar a fazer escolhas, e a optar por uns bens e serviços quando outros estiverem mais caros - isto, claro, num ambiente concorrencial.
Segundo a Reuters, que cita dados da Refinitiv, as 106 empresas de bens de consumo da zona euro - um rol que vai de produtoras de automóveis a retalhistas - registaram em 2019 uma margem operacional média de 10,7%, mais 25%, face a 2019.
Dados do BCE dizem que a maior parte das pressões inflacionistas são originadas pela pressão por maiores margens de lucro do que pelo aumento de impostos ou dos custos do trabalho. Pelo que especialistas descrevem à Reuters a política monetária do BCE como uma opção de controlo da inflação pelo lado do trabalho - aumentando as taxas de juro de forma acelerada para limitar a procura - quando é do lado dos lucros, do capital, que está uma das causas do surto inflacionista.