21.3.23

Consulados emitiram quase três mil dos novos vistos de procura de trabalho

Ana Cristina Pereira, in Público

Título criado recentemente ainda é desconhecido de empregadores, que continuam a pedir autorização de residência ou prova de pedido formalizado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Fábio Poffo sai nesta terça-feira do Brasil e aterra nesta quarta-feira em Portugal com um visto de procura de trabalho. Não houvesse esta possibilidade, talvez nunca tivesse dado tal passo, mas já perdeu ilusões. “Os meus colegas ainda encontraram dificuldades para conseguir trabalho com esse visto.” Por desconhecimento, empregadores exigem autorização de residência ou manifestação de interesse, isto é, pedido formalizado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Desde 30 de Outubro, qualquer estrangeiro que queira trabalhar em Portugal pode pedir um visto de procura de trabalho. Tal documento é concedido por 120 dias, prorrogáveis por outros 60, e “autoriza o titular a exercer actividade laboral dependente até ao termo do visto ou até à concessão da autorização de residência”. A emissão já pressupõe um agendamento na autoridade competente para a concessão da autorização de residência.

Quatro meses e meio decorridos desde aquela alteração à lei, de acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, os serviços consulares tinham emitido 2865 visto de procura de trabalho. Destacavam-se os cidadãos do Brasil, de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe.

Cauã Santana, de 27 anos, e o companheiro, dez anos mais velho, obtiveram vistos desses. Aterraram em Portugal no dia 9 de Fevereiro. “Não queria vir como turista e ficar ilegal. Tem gente que fez isso e ficou esperando um ano e meio, dois anos.” Pensou que com aquele visto não teria problemas. “A gente vai chegar lá e as portas vão se abrir.”

Não tem sido essa a sua experiência em Aveiro. “A gente rodou toda a cidade, zona industrial, restauração.” Perante cada hipótese de emprego, emergia a mesma pergunta: “Tem autorização de residência ou manifestação de interesse?” Tem visto de procura de trabalho. “Eles não conhecem. Isso é desconfortável. Toda a vez que a gente vai numa entrevista, eles olham torto para a gente.”

Paulo Pessoa aterrou em Portugal no dia 1 de Março. Quer ele, que conta 37 anos, quer a esposa, que conta 31, têm enfrentado no Seixal o mesmo problema que Cauã e o companheiro em Aveiro. “As empresas não querem dar contrato sem residência.” Houve um empregador que até assumiu uma atitude agressiva com a mulher. “Não envie currículo se não tem residência!” E precisa de contrato para apresentar no SEF no dia agendado.


Uma outra hipótese se levanta para os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). No dia 1 de Março, passou a haver um modelo de título administrativo de residência específico. Esse inclui o “visto de estada temporária CPLP” (autorização administrativa até 12 meses), o “visto de residência CPLP” (autorização administrativa destinada a requerer autorização de residência CPLP) e a “autorização de residência CPLP”

Autorização de residência para cidadãos da CPLP

Como o SEF está a ser desmantelado e ainda há cerca de 300 mil processos pendentes, foi criada uma plataforma digital para agilizar procedimentos. O objectivo principal é despachar os cerca de 150 mil pedidos de autorização de residência de cidadãos da CPLP apresentados em 2021 ou 2022. Todavia, os cidadãos da CPLP que desde Novembro entraram em Portugal com o visto de procura de trabalho também podem recorrer a esta plataforma, uma vez que toda a sua documentação já foi verificada pelos serviços consulares.

Logo no primeiro dia, segunda-feira, 13 de Março, Paulo Pessoa e a mulher acederam à plataforma digital. “Li que vão regularizar o pessoal da língua portuguesa. A gente tinha de fazer o cadastro no site e pagar 15 euros. A gente fez o cadastro, imprimiu e está tentando pagar e não consegue.” O SEF recomenda que vá tentando, uma vez que há muita gente a aceder à plataforma. Nos primeiros três dias, deram entrada 42 mil pedidos. Entretanto, Paulo Pessoa começou a trabalhar à experiência, mas não lhe assinam o contrato enquanto não apresentar autorização de residência.

Fábio Poffo vai ouvindo estas histórias. “A gente sabe que não é o melhor salário mínimo da Europa. Não é um país onde se vai para acumular dinheiro, mas a qualidade de vida é melhor [do que no Brasil], o poder de compra é melhor. Tem também a questão cultural. Tem países próximos para visitar. A língua também favorece.”

Quarta-feira, o homem de 35 anos e a esposa de 25 desembarcarão em Lisboa e instalar-se-ão no distrito de Leiria. “Vamos em busca de um trabalho numa fábrica. Vamos ver como está a situação. A gente fez um planejamento a longo prazo. A gente está indo com uma reserva para se manter um tempo.”

Conforme o acordo de mobilidade, os cidadãos da CPLP ficam dispensados de apresentar seguro de viagem, comprovativo de meios de subsistência e cópia do bilhete de regresso. A sua entrada só pode ser barrada por “necessidade de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública” ou “por fundadas suspeitas sobre a credibilidade e autenticidade dos documentos”. Têm de ter passaporte válido, certificado de registo criminal emitido no país de origem (e/ou onde tenha morado por mais de um ano), autorização para o SEF consultar o registo criminal português.

O Portal da Queixa deu esta segunda-feira conta de “um aumento significativo de reclamações dirigidas ao SEF”. Nos primeiros 20 dias de Março, somou 447. “Desde o início do ano, a plataforma recebeu 562, um aumento de 282% em relação ao período homólogo.” Principal reclamação? Constrangimentos relacionados com a emissão de título de residência através do novo portal do SEF para cidadãos da CPLP.

Reforço nos serviços consulares

O gabinete de João Gomes Cravinho dá conta de um aumento “significativo” da afluência aos postos consulares. “A recuperação pós-pandémica, o fim dos confinamentos e a retoma das viagens internacionais significaram um natural aumento dos actos consulares praticados.” Além dos pedidos de vários tipos de vistos, os de renovação de passaportes e de cartões do cidadão.

Perante tal cenário, afirma que tem “vindo a proceder a uma adequação de meios, tanto ao nível dos postos diplomáticos quanto dos prestadores de serviços externos que recepcionam os pedidos de visto”. E que “irá reforçar o quadro de pessoal, com especial incidência nos postos dos países membros da CPLP, face ao aumento de actos consulares e emissão de vistos”. “Neste contexto, para 2023, foi autorizada a abertura de procedimentos concursais para a contratação de 28 trabalhadores.”

Questionado sobre como o país está a prevenir a possibilidade de fraude, esclarece que “é assegurada a verificação documental, acautelando a detecção da fraude documental, tendo os funcionários formação para o efeito”. “Quando identificados documentos falsos ou adulterados no decurso da instrução de um pedido de visto, são imediatamente contactadas as autoridades locais a quem compete desencadear as investigações tidas por adequadas.” Para já, “verifica-se uma boa taxa de aceitação, havendo apenas uma pequena percentagem de pedidos recusados”.