21.3.23

A especulação imobiliária está a pô-los a "marchar". Do Alto do Pina à Bica o associativismo perde espaço(s)

Inês Duarte Coelho, in TSF

A três meses de descer a Avenida da Liberdade, o Ginásio do Alto do Pina (GAP) mudou de morada. Deixou a sede na rua Barão de Sabrosa e agora está de portas abertas para o chafariz da Penha de França.

O presidente do clube, Marco Campos, tem visto cair por terra as promessas dos sucessivos executivos e teve de "marchar sozinho".

"Com a lei do arrendamento (2012) tivemos de deixar a primeira sede. Não tínhamos condições para pagar mil euros por mês. Depois, a antiga vereadora da CML (Câmara Municipal de Lisboa), Paula Marques, empurrou-nos para loja onde estávamos antes. Pagávamos 750 euros e a vereadora prometeu-nos apoios que nunca chegaram. Tivemos lá quase quatro anos", conta o presidente do GAP.

Há cerca de um ano foi o presidente da CML quem abriu a porta da esperança ao Ginásio do Alto Pina. Carlos Moedas prometeu "resolver a situação" e Marco Campos mantém a "fé" de que seja o autarca a pôr um "travão" no fecho das coletividades.

O problema está diagnosticado há muito tempo: é a especulação imobiliária que está a roubar espaço ao associativismo.

"Eu tenho filhos que saíram da maternidade e vieram primeiro para o clube, e só depois para casa. As pessoas deviam olhar um bocadinho para o sentimento de quem vive no bairro, nós fomos criados aqui. É o bairrismo, e estão a matar isso", conclui.

Confrontada com estas acusações, a vereadora independente da Câmara de Lisboa Paula Marques garante que propôs ao GAP a cedência de instalações pela autarquia o mais próximo possível do bairro.

"O Alto Pina é uma coletividade e importantíssima na cidade, é uma marcha importantíssima na cidade, e muito embora o acompanhamento destas coletividades não fosse propriamente dentro daquilo que eram as minhas competências (...) reuni com o Ginásio do Alto Pina", afirma.

A proposta foi feita quando era vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local, na presidência de Fernando Medina, e Paula Marques assegura que foram os dirigentes que recusaram a proposta.

"Feita uma proposta ao GAP na zona do Beato, o mais próximo possível do espaço da Comunidade e não sei as razões pelas quais o Alto Pina decidiu não aceitar o espaço".

A disponibilidade de espaços municipais não abunda, lembra Paula Marques, mas os que existem podem ser usados para responder a estes apelos. Acontece que as coletividades nem sempre se mostrar disponíveis para mudar de bairro.

Vai Tu, na Bica

No grupo excursionista Vai Tu, na Bica, a história repete-se. Em 2014, o Vai Tu deixou o espaço camarário onde tinha a antiga sede, no número seis, da rua da Bica de Duarte belo, e desceu para o número um.

"A CML colocou o prédio em hasta pública e vendeu-o por 300 mil euros. Hoje é um alojamento local, mesmo aqui em frente", conta Águeda Polónio, a presidente do Vai Tu.

Águeda Polónio recorda que, enquanto o Vai Tu desceu as escadas da Bica, o valor da renda subiu: "Nas antigas instalações camarárias pagávamos 60 euros de renda. Passámos para aqui a pagar perto de 1400 euros. A renda mais alta foi 1800".

"Não tenho condições para pagar 1000 quanto mais 1800 euros de renda. Para não entrar em incumprimento com ninguém achamos que o mais correto é fechar", admite Águeda Polónio.

Na freguesia da Misericórdia, a especulação imobiliária já obrigou ao fecho de quase uma mão cheia de coletividades: o Santa Catarina, o grupo desportivo Zip Zip, e o Marítimo Lisboa Clube.

Carla Madeira, a presidente da junta, lembra o limite das suas competências: "A junta de freguesia não tem património próprio. A sede onde nós estamos é propriedade da CML. Aquilo que a junta de freguesia tem feito é alertar a CML para o problema e apelar a que, dentro do património municipal que a Câmara ainda vai tento na Misericórdia, o disponibilize a estas entidades".

Carla Madeira, autarca da Misericórdia, alerta para outro problema: "Se nós deixarmos de dar condições físicas para que as coletividades fiquem em Lisboa, as marchas vão acabar por desaparecer".

Bairro Alto

No Bairro alto, o Lisboa Clube Rio de Janeiro está agora seguro, mas há uma década também passou pela angústia do despejo. Cenário diferente para associações como a Re-food Misericórdia, a Associação Mais Cidadania ou a Dress for Sucess. Estão todas sediadas no mesmo prédio o senhorio, a ABFE, quer dar-lhe outro destino: "Devolver ao edifício da Rua do Teixeira, a sua função histórica de escola".

A ABFE, Associação de Beneficência da Freguesia da Encarnação, é uma IPPS que há 5 anos cedeu o espaço, a custo zero, para que estes projetos ganhassem pernas. Agora, Isabel Xara-Brasil, explica que vão ser úteis aos voluntários da Re-food Misericórdia.

"Se não conseguirmos outro espaço, vamos ter de nos juntar ao núcleo de Santa Maria Maior, que tem o seu centro de operações na Rua do Arsenal. Nós temos voluntários que moram no Príncipe Real, não sei se consigo garantir que eles aceitem fazer as recolhas e o embalamento lá em baixo. É mais longe", explica Isabel Xara-Brasil.

Sem um espaço, também Paula Mendes, da Associação Mais Cidadania pode ter de colocar um ponto final ao projeto "Mais Skillz".

"O Mais Skillz é um projeto financiado pelo programa Escolhas. O que vai acontecer é que, sem um espaço, nós não podemos apresentar uma candidatura, e aí o projeto para", admite Paula Mendes.

A Confederação Portuguesa das Colectividades diz estar "muito preocupada" com o aumento do número de associações que corre o risco de ficar sem sede e sem um espaço físico e defende que o Estado central e local têm que ajudar na procura de respostas.

No próximo sábado, a Confederação Portuguesa das Colectividades vai reunir o conselho nacional e esta é uma das questões em cima da mesa.

A TSF contactou a Câmara Municipal de Lisboa mas até ao momento não obteve resposta.