Ana Sofia Santos e Vítor Andrade, in Expresso
Perante a intenção de o Governo cobrar uma contribuição adicional já há quem fale em “morte certa” dos alojamentos nas zonas onde for aplicada. Não se sabe ao certo como será calculado este novo tributo, mas teme-se que o objetivo seja acabar com este negócio pela via fiscal. Consultores e juristas queixam-se da falta de informação
A contribuição extraordinária sobre os estabelecimentos de alojamento local (CEAL) prevista no pacote do Governo para a habitação está a gerar uma onda de pânico no
sector do Alojamento Local (AL).
Há já quem diga que esta nova contribuição pode ser a morte imediata do AL, muito antes de se chegar a 2030, data em que o Governo prevê uma revisão das licenças - dos estabelecimentos em atividade - pelas autarquias. A taxa aplicável à base tributável, prevista pela CEAL, é de 35%.
Contactado pelo Expresso, Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP) nota que, “a acrescentar à instabilidade gerada pela possibilidade de encerramento por parte dos condóminos, esta taxa vai significar a morte certa dos alojamentos inseridos nestas zonas onde for aplicada”.
O mesmo responsável acrescenta ainda que, as primeiras simulações de cobrança da nova contribuição mostram “valores perfeitamente absurdos”, que podem chegar a “montantes anuais de 3 a 4 mil euros num apartamento T0 ou num T1, 6 a 7 mil euros num T2 ou num T3 de 100m2, e valores tão despropositados como 60 a 70 mil euros no caso de hostels e Guest houses. Isto não só levaria ao encerramento, como à falência dos operadores.”
Ao Expresso, a consultora PwC enquadra que é difícil para já, fazer simulações exatas sobre quanto terão que pagar os proprietários e empresários de AL já que “a CEAL resulta da aplicação de dois coeficientes - coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística - os quais são publicados anualmente por portaria do Ministro das Finanças, pelo que à data não deverá ser possível estimar o efeito da mesma”. Sobre as medidas de índole fiscal contidas na proposta do Executivo para a habitação, fonte oficial da consultora reitera que a sua equipa da área dos impostos não acredita que a solução do problema da habitação “passe pela gestão fiscal do imobiliário, uma vez que o problema extravasa em muito as matérias fiscais”.
“NÃO É CLARO O RACIONAL” DA CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA
Joana Maldonado Reis, advogada especialista em fiscalidade da Abreu Advogados nota que “não é claro qual o racional” da contribuição extraordinária. E acrescenta que “as contribuições especiais são tributos em resultado de alguma contrapartida/valorização prestada pelo Estado ao particular. Ora, no que se refere ao Alojamento Local e aos imóveis que estão neste regime, não há qualquer medida de valorização ou qualquer contrapartida prestada pelo Estado que justifique esta contribuição”.
A advogada enfatiza ainda, sobre a nova contribuição, que, “na verdade, mais não é que a criação de um imposto (este sim com uma natureza genérica e indissociável de um sinalagma específico) que suscita muitas dúvidas do ponto de vista da legalidade da sua natureza”.
APLICAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO “IMPLICA O ENCERRAMENTO DO ALOJAMENTO”
Já Ricardo Guimarães, diretor da base de dados Confidencial Imobiliário (CI), explica ao Expresso que a margem gerada no alojamento local fica substancialmente abaixo dos 35% previstos na contribuição especial que consta do pacote ‘Mais Habitação’. “Ou seja, o mesmo é dizer que a aplicação dessa taxa implica o encerramento do alojamento, com todas as consequências que daí se podem adivinhar em dimensões como o turismo, o emprego e o crescimento económico”.
Para estimar a aquela margem, Ricardo Guimarães diz que podemos ter como referência o rendimento gerado, deduzido dos principais custos.
Ora, de acordo com aquele especialista em imobiliário, tendo por base os dados do Sistema de Informação Residencial sobre Alojamento Local relativos a Lisboa, “em média o rendimento anual de um T0/T1 colocado em AL ronda os 18,8 mil euros, já sem IVA. Se a este valor se abaterem os custos estruturais, como seja o custo do imóvel (dado pela renda equivalente caso estivesse arrendado), a taxa das plataformas e despesas com eletricidade, água e internet, estima-se uma margem média de 22%”.
Ricardo Guimarães acrescenta que este montante deve ainda remunerar os recursos humanos envolvidos, necessários para as atividades de receção, limpeza, lavandaria e manutenção. “Ou seja, esses 22% são a margem antes de qualquer remuneração do trabalho”. Nas zonas mais turísticas essa percentagem pode chegar, segundo o mesmo responsável, aos 30%. É o caso da Misericórdia e São Vicente, em Lisboa. “Mesmo assim, como é evidente, são margens inferiores à de 35% que o Governo se propõe arrecadar”.
Dito de outra forma, e em jeito de conclusão, o diretor da CI explica que “essa contribuição implica o encerramento deste tipo de alojamentos, consumindo a margem que corresponderia à remuneração da operação em causa. Mesmo nos locais mais turísticos e onde, por terem maior pressão urbanística, seria mais provável a contribuição se aplicar, a atividade de alojamento local gera uma margem abaixo dos 35%”.
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS NÃO ESCALARECE COMO SE APLICA A CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA
O Expresso solicitou ao Ministério das Finanças esclarecimentos sobre a fórmula de cálculo da CEAL, bem como acesso a simulações de casos concretos de tributação, em que seja possível aferir, por exemplo, quanto pagará de contribuição uma determinada tipologia de imóvel que esteja em AL numa freguesia onde as rendas e os valores de venda do imobiliário tenham subido de forma expressiva. Até à publicação deste artigo, o Expresso não obteve essa informação.
Na passada semana, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), Nuno Santos Félix, esteve no programa ‘Negócios da Semana’ da SIC Notícias e na entrevista, conduzida por José Gomes Ferreira. O governante foi confrontado com a “morte” do AL imposta pela CEAL. “O que os senhores estão a dizer é ‘acabe-se com esse negócio’”, atirou José Gomes Ferreira, e o SEAF não negou, dizendo: “Estamos a promover a habitação, sem dúvida.” E frisou que “queremos promover a conversão do alojamento local em habitação, isso não é nenhum segredo”, explanando que “o sistema fiscal é uma máquina de incentivos e, neste caso orientada pela um incentivo extrafiscal [de promoção da habitação]”.
Sem grandes concretizações, Nuno Santos Félix fez notar que “quando falamos em contribuição isso quer dizer que é um adicional face à tributação normal e que corresponde a uma externalidade negativa sobre a pressão a que se assiste sobre o preço da habitação.”
Sobre a incidência geográfica da CEAL, o SEAF indicou que “na proposta que está em discussão pública esta contribuição é aplicada às zonas de pressão urbanística e existe legislação específica nessa matéria que define quais são os critérios e entrega aos municípios a capacidade e o poder de definirem quais são as zonas de pressão urbanística para as quais querem mobilizar um conjunto de instrumentos”. Ou seja, “não tem abranger todo o município, pode haver uma geografia variável” pois “a fórmula de cálculo considera freguesia a freguesia o aumento específico das rendas nessas localidades e isso significa que existe uma margem para fazer a diferenciação de realidades distintas.”
Fica, portanto, nas mãos dos municípios definirem quais são as suas zonas de pressão urbanística e decidirem de usam este instrumento.
Na proposta de lei do Governo é dito que “a CEAL incide sobre a afetação de imóveis habitacionais, localizados em zona de pressão urbanística, a alojamento local, a 31 de dezembro de cada ano civil “.
RECEITAS DA CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA É CONSIGNADA AO IHRU
O mesmo documento acrescenta que “a base tributável da CEAL é constituída pela aplicação do coeficiente económico do alojamento local e do coeficiente de pressão urbanística à área dos imóveis habitacionais, sobre os quais incida a CEAL.”
Por outro lado, a receita obtida com a CEAL é consignada ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), “tendo em vista os programas definidos pelo Governo para as áreas da habitação, do arrendamento habitacional e da reabilitação urbana, em articulação com as políticas regionais e locais de habitação”.