27.3.23

Igualdade de género cria economias mais resilientes

Fátima Ferrão, in DN

Se as mulheres contribuíssem da mesma forma que os homens, a riqueza global aumentaria cerca de 26,4 biliões de euros (28 biliões de dólares), e o PIB mundial cresceria 26% até 2025. Os dados são da OCDE que defende que a paridade permite igualmente uma mais rápida recuperação das crises.

Depois da covid-19, a igualdade de género ganhou uma maior visibilidade devido ao efeito desproporcional que a pandemia teve sobre as mulheres. Face à sua contraparte masculina, quase o dobro perdeu o seu emprego em todo o mundo, ou seja, cerca de 64 milhões segundo o World Economic Forum. A este ritmo de mudança de mentalidades, diz a mesma fonte, serão necessários mais 132 anos para atingir a paridade entre homens e mulheres, considerando dimensões-chave como oportunidade e participação económica, educação, saúde e sobrevivência, bem como empoderamento político. Este caminho é ainda mais lento e sinuoso nas economias em desenvolvimento onde, segundo as Nações Unidas, por cada 100 homens entre os 25 e os 34 anos a viver em pobreza extrema há 118 mulheres.

Em Portugal, e apesar dos desequilíbrios, as diferenças entre os dois géneros não são tão evidentes, nomeadamente no que diz respeito aos salários. Esta é, pelo menos, a perspetiva de André Ribeiro Pires. O que existe, diz o Chief Operating Officer (COO) da empresa de recrutamento Multipessoal, é "uma configuração cultural de funções desempenhadas por mulheres que ainda não são tão valorizadas no ecossistema do emprego como aquelas desempenhadas por homens". Alguns setores têm um longo caminho a percorrer para incluir mulheres em cargos de topo, mas, diz André Ribeiro Pires, outros há onde acontece o inverso.

O responsável da Multipessoal esteve à conversa com a diretora do Diário de Notícias, Rosália Amorim, na segunda edição da iniciativa Os números do Emprego, promovida por este jornal. O tema do debate, que pode ver ou rever no site do DN, foi Género, clima e lei laboral e decorreu na semana em que se celebrou o Dia Internacional da Mulher.

Uma questão de tempo

Seja em relação ao emprego ou a questões de diversidade em geral, a visão da sociedade está a mudar, acredita o COO da Multipessoal. "Toda esta abertura deixou de ser vista como uma exceção ou uma quota, e passou a ser natural", defende. Uma evolução que tende a contaminar pela positiva as gerações mais jovens que, na perspetiva de André Ribeiro Pires, já não veem o género ou nacionalidade como algo que possa prejudicar a ascensão de uma carreira.

Apesar disso, reconhece que existem situações bastante evidentes como, por exemplo, "quando se juntam quadros para fazer comentários sobre o futuro das organizações ou da mulher nas organizações, e são todos homens". Uma perspetiva algo enviesada e preconceituosa, mas que, ainda assim, tem, na opinião do responsável da Multipessoal, o tempo contado. "Diria que é uma questão de tempo até termos esta igualdade natural."

O crescente número de mulheres licenciadas é outro fator que, para André Ribeiro Pires, contribuirá para alterar o panorama do emprego e para um aumento da igualdade no reconhecimento e nos salários. Numa época em que faltam recursos humanos em grande parte dos setores empresariais, contar com mais mulheres em áreas tradicionalmente mais masculinas pode ser uma parte da solução.

Aliás, segundo um estudo recente da consultora Bain & Company, as mulheres podem ser uma parte importante da resposta para a escassez de talentos, um desafio globalmente transversal.

"Compreender as diferenças - e semelhanças - entre mulheres e homens no trabalho é o ponto de partida para abordar a paridade de género e vencer a guerra pelo talento, afirma Clara Albuquerque", partner da Bain & Company.

Uma opinião que vai ao encontro da perspetiva de André Ribeiro Pires que defende que "esta é uma mudança cultural que é necessário impor, mas, em Portugal, parece que ninguém reconhece ter este desafio nas organizações".

Quotas podem ser discriminatórias

Apesar da importância das políticas públicas na definição de caminhos para a mudança há coisas que não podem, nem devem, ser impostas por decreto. A opinião de André Ribeiro Pires é muito concreta no que que se refere, por exemplo, às quotas, sejam elas para a igualdade de género, para a inclusão de pessoas com deficiência ou para a diversidade étnica. "São alertas que ajudam a criar um caminho para fazer a mudança", aponta, mas chama a atenção para o risco de discriminação, "porque as empresas têm de empregar porque são obrigadas".

Um dos exemplos mais flagrantes são, para o responsável da Multipessoal, as políticas públicas de integração de pessoas com incapacidade superior a 60%, uma medida que reconhece como "bastante importante, mas que toca provavelmente num dos lados da fração que terá menos impacto, que é o lado da quota". Neste caso, a quota é de 1% nas empresas que empregam até 200 pessoas, e de 2% para as empresas com mais de 250 colaboradores.

"O que acontece é que há aqui um dos lados que não é controlável, que é o número de pessoas disponíveis", diz André Ribeiro Pires, que reforça que "talvez a política pública adequada fosse obrigar as empresas a apresentar a sua definição do que é um posto trabalho para uma pessoa com incapacidade, e garantir a quota na perspetiva de o posto de trabalho estar disponível". Caso contrário, reforça, "o que vai acontecer é que estas quotas podem nem sempre ser cumpridas por falta de candidatos. Diria que isto vai ser um desafio para as organizações conseguirem cumprir esta métrica".

No fundo, a opinião do COO da Multipessoal vai ao encontro de uma das conclusões do estudo da Bain & Company que aponta a imposição de regras rígidas de inclusão como um erro. Segundo a pesquisa recentemente apresentada, são menos de 30% das pessoas que se sentem integradas no trabalho, o que deixa muito espaço para melhorias. "Criar e fomentar uma cultura inclusiva, onde todos sentem que pertencem e se podem desenvolver, é essencial para que as organizações sejam mais fortes e ágeis, e no atual ambiente de mudança contínua, isto é mais importante do que nunca", reforça Clara Albuquerque.

Além disso, os funcionários que se sentem excluídos, tanto homens como mulheres, têm maior probabilidade de se demitirem. "As práticas inclusivas são, por isso, essenciais para atrair e reter o melhor talento, e os gestores têm a responsabilidade de adotá-las", diz a partner da Bain & Company.

Outro dos desafios atuais, que muitas vezes contribui para as dificuldades de inclusão e de diversidade em geral, é a convivência intergeracional nas empresas. Atualmente, e pela primeira vez na história, o mercado de trabalho conta com a presença ativa de quatro gerações em simultâneo, com uma grande diversidade cultural e de hábitos empresariais muito distintos. A juntar a isso, as duas gerações mais jovens -- os Millennials e os Z -- "procuram agilidade, procuram mais experiências do que empregos e, atualmente, o mercado tem uma tendência para se fechar a essa agilidade", diz André Ribeiro Pires.

Para o COO da Multipessoal, "na pandemia passámos um período em que a agilidade foi muito importante, mas parece que foi importante só naquele período. Agora olha-se para a agilidade no trabalho como se fosse algo que promove a precariedade ou problemas no emprego". No entanto, o responsável defende que agilidade é um requisito fundamental para o sucesso das empresas e do próprio país. A indústria portuguesa, exemplifica, depende muito da agilidade. "Podemos dar o exemplo da indústria automóvel", salienta, reforçando que aquilo que torna o mercado português mais atrativo "é precisamente essa agilidade que permita às empresas desenvolver um conjunto de atividades específicas numa determinada altura do ano, outras atividades em diferentes momentos".