Sónia Sul, in Edifícios e Energia
A Rede Europeia de Energia (EnR) divulgou, nesta terça-feira, um estudo sobre as principais barreiras ao combate à pobreza energética no contexto europeu, elaborando algumas recomendações sobre como mitigar este problema, aproveitando as comunidades de energia renovável (CER). A apresentação do documento decorreu num webinar dinamizado pela EnR que reuniu várias personalidades ligadas à política energética.O estudo Mitigação da Pobreza Energética na Europa e o Papel das Comunidades de Energia Renovável, disponível on-line gratuitamente, parte de uma análise do enquadramento da pobreza energética em 15 países europeus (14 da União Europeia), incluindo Portugal. Nele, são identificados os factores que influenciam a pobreza energética, as políticas e os programas que contribuem para o combate ao problema, o estado de implementação destas acções e os potenciais aliados neste desígnio.
Os resultados mostram que, entre 14 países, só seis têm uma definição de pobreza energética, dos quais quatro se situam na Europa do Sul, e que, embora 10 países tenham implementados programas ou actividades para mitigar a pobreza energética, nove países não têm uma estratégia ou um plano a nível nacional, sendo a dificuldade em identificar os agregados familiares em pobreza energética o principal obstáculo à sua implementação identificado. Além disso, em dez dos 14 países, não existe, dentro das agências de energia membros da EnR, um departamento ou uma área que se dedique à pobreza energética.
Os resultados indicam ainda que, para o estado de pobreza energética, os baixos rendimentos (mencionados em 14 países), seguidos dos preços da energia, são considerados os maiores problemas. Quanto às CER, metade dos 14 países têm projectos deste tipo directamente ligados à mitigação da pobreza energética e cinco em sete países apontam para os benefícios destas comunidades a nível de redução dos preços de energia.
O estudo foi liderado pela Direcção de Indústria e Transição Energética da ADENE e coordenado por mais seis agências de energia – ADEME (França), AEA (Áustria), CRES (Grécia), dena (Alemanha), Energy Saving Trust (Reino Unido), RVO (Países Baixos) –, contando com contributos de outras entidades europeias semelhantes. Nesse sentido, a ADENE sublinha, em comunicado, também o destaque dado ao “papel desempenhado pelas agências europeias de energia na implementação das políticas de combate à pobreza energética”.
A apresentação do documento decorreu, no dia 14 de Março, durante um webinar dedicado ao combate à pobreza energética. Neste evento, estiveram presentes mais de 150 participantes, entre os quais Nelson Lage, presidente da ADENE e da EnR, e Adela Tesarova, directora de uma unidade da Directoria-Geral da Energia da Comissão Europeia que lida com a transição justa. Outras figuras apresentaram, ainda, iniciativas como os projectos POCITYF e POWERPOOR e como o Pacto de Autarcas e o Energy Poverty Advisory Hub.
TRANSFORMAR BARREIRAS EM OPORTUNIDADES
Há vários desafios no combate à pobreza energética. O estudo da EnR olha para as barreiras no âmbito da renovação dos edifícios, da eficiência energética, das CER e de aspectos sociais como pontos de partida para se perceberem quais as soluções que é necessário implementar.
A nível da renovação dos edifícios, por exemplo, identificam-se os seguintes desafios: escassez de dados, falta de recursos humanos especializados que funcionem como intermediários, inacessibilidade de one-stop-shops digitais a algumas partes da população, incapacidade dos agregados em pobreza energética em cobrir investimentos iniciais, falta de apoios dirigidos particularmente à mitigação da pobreza energética, e dificuldades no desenvolvimento de mecanismos de apoio para renovações profundas que sejam adequados e específicos aos agregados em pobreza energética.
A partir destes desafios, o estudo aponta como oportunidades ou potenciais soluções a promoção de soluções de smart building, criando modelos de negócio que as tornem acessíveis, a atribuição de recursos aos intermediários (agentes públicos, especialistas de energia e assistentes sociais), a criação de acções de literacia digital, o desenvolvimento de mecanismos de apoio e incentivo (incluindo a fundo perdido) para ultrapassar a necessidade de investimentos iniciais, o acesso a dados, agentes locais e apoios para assegurar que as renovações optimizam benefícios e bem dirigidas, e a criação de um incentivo às auditorias e certificações energéticas em agregados em pobreza energética, designando os mecanismos de apoio mais indicados que promovam a renovação profunda.
Já no que diz respeito à eficiência energética, é referida, a título de exemplo, a necessidade de criar não só canais de acesso a pontos de informação e de promoção de literacia energética como sistemas de monitorização de indicadores e estratégias. A estes desafios, o documento propõe como resposta o desenvolvimento de programas educativos a aplicar aos diferentes graus de ensino, adoptando as melhores práticas, e promover o desenvolvimento de projectos que permitem a monitorização e gestão em tempo real e, assim, facilitam a sensibilização da população. De notar também que o estudo refere como oportunidade a criação de contractos ESCO.
No âmbito das CER, as barreiras mais relevantes são a dificuldade de tornar o modelo atractivo em termos de investimento em áreas mais remotas e em ilhas, a desadequação das grids à produção descentralizada de energia, a dificuldade em introduzir uma estratégia para a pobreza energética compreensiva que se alinhe com este tipo de comunidades, sobretudo quando o acesso às fontes de energia renovável não é tão acessível à população vulnerável e quando esta população apresenta menor possibilidade de aceder a serviços de apoio técnico em energia.
Como resolver? Para a EnR, caminhos a explorar para tornar as CER uma solução mais apetecível são apostar em projectos à escala local (como Bairros Sustentáveis, Aldeias Sustentáveis) para criar dinâmica entre os agentes a este nível, criar smart grids, implementar agregadores do mercado que possam conduzir excedentes de energia a agregados em pobreza energética, incentivar a criação de fontes de financiamento simplificadas e ainda promover a inclusão social nas CER, introduzindo uma figura de “energy doctor” na comunidade que sensibilize, em conjunto com as autoridades locais, a população.
A subida rompante de preços de energia, a dificuldade em identificar a população em pobreza energética e falta de confiança no que diz respeito a subsídios e às empresas de serviços são também desafios sociais identificados pelo estudo da EnR. Criar soluções comunitárias (actividades em divisões bem climatizadas) onde as pessoas podem ter conforto térmico, recorrer a agentes sociais, públicos e de saúde como primeiros contactos que estabelecem uma ponte com os auditores de energia são duas possibilidades de transformar barreiras em oportunidades.