Ana Maia, in Público
Movimento LIFE - Liderança na Saúde no Feminino, apresentado esta quinta-feira, quer levar a uma mudança de comportamentos que contribuam para uma maior paridade na liderança no sector da saúde.
A nível global, 75% da força de trabalho na área da saúde é feminina, mas apenas 38% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres. “Havendo mais mulheres, seria expectável que fossem mais em posições de liderança. Mas isso não acontece. E nós seguimos esse padrão”, diz Cláudia Ricardo, uma das co-fundadoras do Movimento LIFE - Liderança na Saúde no Feminino. Não são muitos os dados nacionais, mas fica o exemplo de um dos grandes hospitais de Lisboa: 52% dos médicos são mulheres, mas só 17% dos directores de serviços são mulheres.
“Mostra um pouco a realidade que temos em Portugal”, diz Cláudia Ricardo. Estes e outros dados, que fazem parte de duas análises – um realizado pela Faces de Eva - Estudos sobre a Mulher, uma equipa de investigação integrada no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (CICS.NOVA), outro pela consultora GFK/Metris -, serão divulgados esta quinta-feira, em Lisboa, na sessão de apresentação pública do movimento que é uma iniciativa da Faces de Eva e da Roche. O objectivo é colocar o tema na agenda diária e levar a uma mudança de comportamentos e acções que contribuam para uma maior paridade na liderança no sector da saúde.
“Isto não é uma iniciativa isolada e a escolha de um movimento é para dar essa ideia de continuidade. O objectivo é inspirar mulheres em cargos de liderança e acicatar as que querem e ainda não chegaram lá”, explica a co-fundadora, explicando que querem também “trazer homens para serem embaixadores da iniciativa”. Até porque esta é uma questão de toda a sociedade. “Uma das vantagens de ter mulheres na liderança é ter diversidade, ter outras perspectivas.”
O movimento, que está agora a dar os primeiros passos, já promoveu uma primeira reflexão com 30 mulheres, de várias gerações, que têm ou já tiveram cargos de liderança na área da saúde para reflectirem sobre o que observaram no seu percurso e pensar em soluções para o futuro. Entre estas embaixadoras do movimento estão a presidente da Associação Nacional de Farmácias e a bastonária dos nutricionistas, médicas, representantes de associações de doentes e uma antiga administradora hospitalar.
“Um dos objectivos do movimento é que as pessoas conheçam a realidade e é mais fácil tomar consciência tendo números por trás”, refere Cláudia Ricardo, mas em termos nacionais esse é um desafio já identificado. “Temos muita informação, mas não está detalhada o suficiente para se tirar conhecimento.” E essa é uma das primeiras iniciativas que o movimento quer promover: analisar os dados que querem avaliar e onde encontrá-los para que se possa fazer um bom retrato da liderança na área da saúde.
As análises elaboradas, que cruzam informação de várias entidades, permitem perceber que a paridade nos lugares de topo ainda não é uma realidade. Relativamente à força laboral na saúde, em 2019, 56% dos médicos, 62% dos dentistas, 82% dos enfermeiros inscritos na Ordem e em actividade e 80% dos farmacêuticos era mulheres. Mas quando se olha para os cargos de presidência de conselhos de administração hospitalar só 25% eram ocupados por mulheres, nos cargos de direcção clínica a percentagem sobre para os 42% e na qualidade de enfermeiros directores 58%.
Deixar "terreno mais fértil" para as gerações futuras
Esta disparidade vai além da saúde. Apenas 7% dos CEO das maiores empresas portuguesas são mulheres e só há 21% de mulheres reitoras e presidentes nas instituições do Ensino Superior em Portugal. “Vemos mais mulheres a aparecer no mercado de trabalho, mas as oportunidades para chegarem a cargos de liderança não são iguais”, refere a co-fundadora, apontando vários motivos que levam a esta desigualdade.
“Existem questões de autoconfiança e auto-estima, estereótipos, crenças instaladas e muitas destas coisas são barreiras silenciosas”, diz, dando alguns exemplos. “Sabemos que muitas coisas acontecem nas redes informais, fora de horas. E muitas vezes, as mulheres desempenham o papel de cuidadoras em casa. Faltam mentores para planos de carreira e existem poucas referências de lideranças de mulheres. Se estão numa empresa em que só vêem homens a liderar, perguntam-se se terão as características para esse lugar.”
Todo este retrato leva a outra iniciativa que o movimento vai promover: a realização de um estudo junto de homens e mulheres com menos de 40 anos para perceber o que pensam as novas gerações sobre as lideranças, procurando retratar entraves e impulsos. A intenção “é deixar um terreno mais fértil” para as gerações futuras.
E é também a pensar no futuro, e nas estratégias que podem ser criadas para chegar à paridade, que da reflexão com as 30 embaixadoras saíram várias recomendações. Entre as principais é a que “a educação é a chave” para se chegar aí. “É preciso ir às escolas e falar sobre isto, ter nas empresas este tema em cima da mesa, fazer formação na área da liderança”, enumera Cláudia Ricardo. Outras das recomendações passam por o Governo integrar a perspectiva de género em todas as suas políticas, as empresas definirem métricas de diversidade e inclusão ou instituir medidas de tolerância zero para bullying e assédio moral e sexual no local de trabalho.