27.3.23

Um ginásio onde se treina o cérebro: “ocupar a mente e sair de casa” com a ajuda da tecnologia

Sara Correia Baptista e Sara Tarita, in Expresso

O cérebro não é um músculo, mas é um órgão que precisa de ser exercitado – independentemente da idade. No Cacém, aulas de ginástica cerebral trabalham a estimulação e reabilitação cognitiva dos maiores de 65 anos, com recurso a tecnologias inovadoras. Ao mesmo tempo, promove-se o bem-estar e combate-se o isolamento

Aos 69 anos, Leonor Filomena faz parte de dois grupos de teatro e, como tal, tem “imensos textos para decorar”. “Com a idade, os neurónios vão envelhecendo, o cérebro já tem muitos anos e é necessário estimular.” Foi por isso que decidiu integrar o Ginásio Cerebral Sénior Comunitário – projeto da Casa de Saúde da Idanha, uma das unidades das Irmãs Hospitaleiras, apoiado pela Câmara Municipal de Sintra.

Desde 2018, já participaram nas aulas de ginástica cerebral 549 seniores. São sessões baseadas na prevenção do processo de degeneração cerebral associado ao envelhecimento, e a decorrer em novas instalações, no Cacém, desde dezembro. “Este projeto surgiu da necessidade de dispormos de uma estrutura comunitária e de proximidade no âmbito da saúde mental, promotora do envelhecimento ativo e da prevenção de quadros demenciais”, explica ao Expresso a coordenadora, Carla Pombo.

O processo começa com uma avaliação multidimensional pela equipa multidisciplinar – composta por um psiquiatra, um enfermeiro, uma neuropsicóloga e um psicomotricista –, envolvendo “aspetos do funcionamento cognitivo, como a atenção, memória, orientação, linguagem, raciocínio”, assim como fatores relacionados com o bem-estar, solidão e a “perceção que cada pessoa mais velha tem sobre a sua qualidade de vida”, indica a neuropsicóloga do ginásio, Cátia Gameiro.

Depois, é desenhado um plano de treino personalizado: as sessões decorrem duas vezes por semana e o programa tem a duração mínima de três meses, podendo ser alargado em função dos objetivos. As aulas “assentam em terapias não farmacológicas inovadoras”: o treino cognitivo computorizado, a roboterapia e a intervenção com videojogos numa plataforma de realidade aumentada.

A TECNOLOGIA E O DESCONHECIDO

Além do apoio da câmara municipal, a parceria com o Instituto de Sistemas e Robótica do Instituto Superior Técnico foi determinante para o desenvolvimento dos recursos utilizados. A tecnologia, segundo a neuropsicóloga, “tem feito a diferença”. “Conseguimos gerar maiores níveis de adesão e motivação nas aulas de ginástica cerebral, comparativamente a abordagens mais tradicionais, como por exemplo as chamadas técnicas de papel e lápis.”

É a introdução do novo e do desconhecido que permite “dinamizar sessões estimulantes”. “E se, num primeiro momento, a tecnologia pode gerar alguma apreensão – como, por exemplo, a utilização pela primeira vez de um computador –, num segundo momento o entusiasmo é muito superior, quando estes desafios, designadamente o contacto com robots, são superados com sucesso.”

É o que acontece com Leonor: gosta particularmente dos exercícios com robots porque “além de trabalhar a memória e a agilidade, também concilia a motricidade, o exercício físico, a coordenação de movimentos”, ou seja, é “muito completo”. Algo importante para quem, por vezes, se sente “desmemoriada”.

“Não me lembro do nome das pessoas. Estou a fazer uma atividade qualquer dentro de casa, desloco-me para outro local e já não sei o que é que lá fui fazer. Tenho de voltar para trás e ver o que estava a fazer para me lembrar do que é que tinha ido buscar”, conta. Frequenta as aulas com o marido, além de vizinhos que também já conseguiu cativar.

Na maioria dos casos, as pessoas são encaminhadas para o ginásio por juntas de freguesia e “estruturas da comunidade que atendem idosos”, enquanto outros são “referenciados por unidades hospitalares e também encaminhados a partir de consultas de neurologia e psiquiatria para estimulação cognitiva”, refere Carla Pombo.

ESPAÇO DE ENCONTRO E PARTILHA

Mas o passa a palavra também funciona: foi através de uma amiga que Alda Ramos, de 74 anos, descobriu e se interessou pela ginástica cerebral. “Estava muito em baixo, com uma depressão. Não tinha memória nenhuma imediata. Não tinha vontade de viver. Também não raciocinava nada. Isolei-me muito”, recorda.

Decidiu inscrever-se e, com as aulas, começou a sentir “muitas diferenças” no dia a dia. “Fiquei muito melhor. A memória e o cálculo desenvolvi muito. Ajudou-me imenso.” O próprio médico que a acompanha sugeriu, pelos efeitos positivos, que devia continuar com os exercícios. “Uma das coisas que o meu neurologista me diz é que tenho de ocupar a mente e sair de casa. Ter gosto por estar viva.”

Além da melhoria no desempenho cognitivo, visível na comparação entre as avaliações anterior e posterior ao programa, os resultados são benéficos ao “combater sentimentos de solidão, diminuir sintomatologia depressiva e aumentar o bem-estar e a qualidade de vida”, retrata Cátia Gameiro.

Há também um reforço ao nível da autoestima e uma partilha em grupo de diferentes experiências, algo que “fomenta as competências sociais”. “Os efeitos prolongam-se além do próprio programa: criam-se vínculos, combinam almoços, telefonam a saber uns dos outros.”

É Leonor quem o confirma: “Ficamos a saber coisas uns pelos outros, há uma visita aqui, há um passeio ali.” Agrada-lhe a parte da socialização, que a levou também a frequentar uma universidade sénior – onde tenta “puxar” aqueles que “não querem fazer nada”. “A pessoa assim ainda envelhece mais. Tudo o que seja para não estar em casa sentada no sofá, eu faço, eu gosto.”