27.3.23

Indignidade nos lares

Inês Cardoso, opinião, in JN

De tempos a tempos, quando um caso concreto expõe publicamente a total falta de condições e maus-tratos cometidos sobre idosos em lares que deveriam cuidar deles, multiplicam-se ações inspetivas e inquéritos.

Vêm a terreiro dados de lares encerrados anualmente, são analisadas as razões da existência de centenas de estabelecimentos a funcionar ilegalmente no país, prometem-se medidas para agir e punir os responsáveis.

Terminada a vaga mediática, fica tudo quase na mesma. Dizem as próprias organizações do setor que as ordens de encerramento, exceto quando são imediatas e os utentes transferidos para outros locais, esbarram no incumprimento dos proprietários. Quanto às recomendações das inspeções, nunca divulgadas publicamente, o destino é idêntico.

É escandalosa a falta de dignidade com que os idosos são tratados em tantas instituições. É vergonhosa a ineficácia das políticas e poderes públicos, que poderiam fazer mais quer no plano inspetivo, quer no quadro de criminalização e denúncia dos maus-tratos. Mas é igualmente assustador que tantas famílias e comunidades se demitam de acompanhar melhor os seus mais velhos, silenciando situações identificadas e negligenciando algumas das suas próprias competências.

Vivemos cada vez mais anos e temos uma estrutura demográfica cada vez mais envelhecida. O aumento de filhos únicos contribui para a existência de redes cada vez mais frágeis e respostas insuficientes dentro da própria família. Todos os nossos serviços sociais e de saúde vão ter de se adaptar a este contexto. As políticas públicas devem criar condições para que os lares sejam espaços seguros, para que as famílias de acolhimento sejam um modelo eficaz e para que haja incentivos atrativos para respostas no seio familiar. Mas todos, enquanto sociedade, temos de acabar definitivamente com o manto de indignidade com que permitimos que tantos idosos sejam cobertos. O sofrimento recai sobre eles, mas a vergonhosa culpa é nossa.