Estudo: um ensaio clínico inédito juntou 350 pessoas com mais de 60 anos no Algarve. Este programa de exercício físico, para prevenção de doenças cardíacas e dos ossos, decorre numa unidade frequentada por atletas de alta competição
Hoje o tema é alimentação saudável. Estamos num ginásio em Quarteira, no Algarve, onde cerca de 10 pessoas com mais de 60 anos ouvem atentamente uma nutricionista. O espaço, a meia dúzia de passos do mar, está arrendado pela Junta de Freguesia e serve diferentes propósitos: é aqui que todas as semanas decorrem aulas de ginástica para vários grupos de idosos, que estão a participar num ensaio clínico cujo objetivo é avaliar o impacto que o exercício físico tem na qualidade de vida da população acima dos 65 anos. Trata-se de um estudo inédito em Portugal, que teve início no Laboratório de Saúde, Envelhecimento e Cinética, um espaço habitualmente frequentado por atletas de alta competição. Júlia Pires, 69 anos, conheceu o projeto através de um panfleto distribuído na Junta de Freguesia, no qual se procuravam pessoas com problemas ósseos e de hipertensão. “Eu tomo medicação para o colesterol e tenho uma artrose quase da minha idade”, conta. O processo, diz, “foi muito cuidadoso”. “Fomos à universidade, foi-nos feito um longo inquérito, fizemos vários testes em equipamento de alta tecnologia para medirmos diferentes indicadores relacionados com a nossa saúde.” O processo foi idêntico para os quase 350 participantes no estudo: após uma exaustiva avaliação, cada um dos seniores recebeu um plano de treino que contribuiu de forma decisiva para a melhoria da saúde e qualidade de vida.
“Fizemos um controlo de colesterol com uma nutricionista, diferentes exames com um cardiologista e vários testes físicos”, conta Júlia Pires, que participou no estudo juntamente com o marido. “Deram-nos um plano específico de treino, embora ambos estejamos habituados a fazer exercício físico. Caminhadas, bicicleta, muita vida passada ao ar livre. Não somos uns velhos de estar no sofá”. Assistente dentária, técnica de laboratório, entre outras profissões, Júlia já fazia pilates uma vez por semana e tem uma bicicleta fixa em casa. No ginásio onde funciona a segunda parte do ensaio clínico foi-lhe prescrito exercício sobretudo em passadeira.
Alta tecnologia
O ensaio clínico, que está já na sua fase final, começou a ser feito na Faculdade de Desporto da Universidade do Algarve, com a designação de A3COR: Algarve Active Ageing — Cardiac and Osteoarthritis Rehabilitation. Financiado pela União Europeia com quase um milhão de euros, o projeto visa reforçar a investigação, o desenvolvimento tecnológico e a inovação nas áreas da reabilitação cardíaca e osteoartrose. Os números atuais para a Europa indicam uma prevalência média destas patologias de 30,4% em adultos entre os 65-85 anos. Extensas evidências demonstram a eficácia e viabilidade do exercício para ortoartrose (OA), com redução da dor, melhoria da mobilidade e da qualidade de vida.
É numa sala equipada com tecnologia de ponta onde decorrem os testes. “As pessoas quando chegam fazem uma bateria de exames, durante os quais avaliamos a sua parte funcional, além de uma avaliação cardiorrespiratória, assim como testes relacionados com a sua qualidade de vida. Através destes testes podemos depois avaliar o impacto que o exercício tem na sua recuperação e qualidade de vida”, explica Ricardo Minhalma, coordenador da avaliação e prescrição do exercício físico da equipa do A3COR. “O objetivo passa também por reduzir a dependência de tratamentos farmacológicos para estas patologias, o que representará um enorme impacto nos sistemas de saúde europeus, uma vez que a OA é, de acordo com o Global Burden of Disease Study, a principal causa de incapacidade global”, acrescenta Nuno Marques, presidente do Observatório Português do Envelhecimento e coordenador do plano de ação do Governo para o envelhecimento ativo e saudável.
Por agora, o projeto está a decorrer nos municípios de Loulé e Quarteira, onde existem ginásios específicos para tratar os problemas identificados pelos técnicos da Universidade do Algarve, mas o objetivo passa por alargar este projeto a diferentes zonas da região. “O objetivo é chegarmos a todos os municípios do Algarve. Já está a ser apresentado em várias câmaras municipais”, afirma Nuno Marques. Entre vários diagnósticos e prescrição de exercício feitos na sede do A3COR, é possível perceber “benefícios ao nível da reabilitação cardíaca, capacidade de resistência, menor progressão da aterosclerose em pessoas com doenças do foro arterial”, acrescenta Ricardo Minhalma.
Abaixo-assinado
Voltemos ao ginásio em Quarteira, onde Delmina Farias, 73 anos, costuma fazer desporto duas vezes por semana. “Inscrevi-me, soube do projeto através de uma amiga, e como gosto de fazer desporto achei que devia participar. Fui avaliada e depois fui seguida aqui no ginásio.” Considerando uma avaliação geral “muito completa”, seguiu-se a prescrição para fazer exercício em máquinas: remo, passadeira e bicicleta. Ex-proprietária de uma loja de moda, justamente ao lado do ginásio, Delmina sempre praticou desporto. “Gosto de fazer caminhadas na praia, logo pela manhã”, conta.
Várias são as vantagens identificadas pelos participantes ouvidos pelo Expresso. A principal é o grau de compromisso com o desporto, o que contraria uma tendência habitual quando a idade começa a pesar. “Estando envolvidos neste projeto, dificilmente estes idosos passam o dia em frente à televisão”, afirma Delmina. Quando isso acontecesse, acrescenta Júlia Pires apontando para o céu, “é meio caminho andado para o fim”. Com o fim do ensaio clínico à vista — em breve serão apresentados os resultados da experiência — vários participantes têm manifestado interesse em continuar. “Foi até feito um abaixo-assinado”, diz uma das técnicas da Junta de Freguesia de Quarteira.
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Que outras estratégias existem além das governamentais?
Há várias associações ligadas às Comissões Coordenadoras de Desenvolvimento Regional. É o caso da Rede Repensa, que integra quatro centros de referências dispersos pelo país. Estes centros visam a melhoria da saúde e da qualidade de vida das pessoas, com destaque para os idosos.
O projeto Algarve Active Aging é único no país?
Sim. Tendo em conta as ferramentas utilizadas, trata-se de um projeto pioneiro. Além disso, nunca foi feito em Portugal um ensaio clínico desta envergadura, com tantos seniores acima dos 60 anos. Por outro lado, a tecnologia utilizada — que serve também para atletas de alta competição fazerem a sua avaliação — torna este projeto ainda mais singular.
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É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante este ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.
Textos originalmente publicados no Expresso de 1 de setembro de 2023