in Jornal Público
Não desperta as paixões de outrora falar hoje dos efeitos das grandes superfícies no comércio tradicional. Pelo contrário: há especialistas que tendem a ver no processo quase uma espécie de fatalidade, como se os centros comerciais se tivessem limitado a enterrar o que, nalguns casos, já se tinha transformado num cadáver - em parte por culpa própria.
Investigadora na área da sociologia económica, Teresa Barata Salgueiro prefere falar da distribuição do consumo por locais mais variados, em vez de uma pura e simples aniquilação das Baixas. Então, os shoppings não mataram o comércio de rua? "Não necessariamente", responde. "Há fatias do comércio tradicional directamente atingidas, como as mercearias de bairro, mas isso também pode ser um desafio". E depois "há unidades que já não tinham condições de sobrevivência". Eram estabelecimentos obsoletos, que só se mantinham em funcionamento graças a uma lei das rendas que permitia manter a porta aberta por 300 ou 400 euros mensais.
Os estabelecimentos tradicionais fechados contribuem agora para o despovoamento da cidade, aumentando a insegurança. Fernando Saraiva, presidente da Junta de Freguesia de Benfica durante 20 anos, não tem dúvidas de que foi isso que aconteceu depois da abertura do Colombo: "Desapareceu muito comércio e as ruas tornaram-se mais inseguras. As autoridades lavaram as mãos do problema criando um programa especial de apoio ao comércio. Muitas lojas converteram-se em escritórios."
"Pode-se discutir se um centro comercial desta dimensão devia estar dentro de Lisboa", observa outra especialista, Margarida Pereira, da Universidade Nova de Lisboa, mas também ela fala do importante papel que tiveram na modernização do restante comércio.
O papel do automóvel
Nem quem está em cargos como o de Vasco de Mello, dirigente da União das Associações do Comércio e Serviços da cidade, se atreve a negá-lo. Só que depois muda de agulha: "Mas vale a pena fazerem-no se não têm consumidores?" A par dos vários equipamentos comerciais de grandes dimensões que "cercam" a cidade - do Forum Almada ao Odivelashopping -, Vasco de Mello invoca não só o despovoamento do centro histórico como as dificuldades e restrições à utilização do automóvel nestas zonas enquanto factores preponderantes nesta batalha pela sobrevivência das lojas de rua. "Enquanto houver gasolina haverá Colombo", vaticina. "Em Madrid, os centros comerciais estão a 20 ou 30 quilómetros do centro".
Nem só por via da insegurança que provoca o fecho do comércio de proximidade transforma o rosto da cidade. "Os ingleses falam do fenómeno da exclusão comercial", refere Teresa Barata Salgueiro. Quem não usa o automóvel - muitas vezes os idosos - fica frequentemente sem opções de escolha a nível do consumo. E quando a padaria e a mercearia do bairro fecham torna-se cada vez mais penoso prover ao seu próprio sustento.