Teresa de Sousa, in Jornal Público
Portugal não tinha ainda dado qualquer sinal de flexibilidade sobre a data da cimeira de Lisboa, prevista para 18 e 19 de Outubro
Luís Amado admitiu ontem pela primeira vez que a presidência portuguesa não exclui nenhum cenário em relação ao fecho das negociações do novo Tratado Reformado, incluindo alterações no calendário inicialmente previsto. Até agora, Portugal não tinha dado qualquer sinal de flexibilidade em relação à data da cimeira informal de Lisboa, prevista para 18 e 19 de Outubro, que deve fechar as negociações do tratado. As eleições antecipadas na Polónia, que se realizam no dia 21 de Outubro, são o facto novo que leva Lisboa a não querer excluir antecipadamente a possibilidade de adiar a realização da reunião.
"Vamos continuar a manter o calendário que nos propusemos executar. Naturalmente vamos interpretando o desenvolvimento de todo o processo e, se houvesse algum indicador que nos obrigasse a fazer uma adaptação do calendário, teríamos responsavelmente de o fazer", disse o ministro português, já no final do encontro que levou a Viana do Castelo os seus pares europeus para debater a agenda política mais relevante da presidência portuguesa nos próximos meses.
Primeiro balanço
Os ministros fizeram o primeiro balanço dos trabalhos da Conferência Intergovernamental (CIG) que está a negociar o projecto de tratado apresentado pela presidência a 24 de Julho. Amado insistiu em que, no final dos trabalhos, com o estado de espírito que constatou na totalidade dos seus colegas e com a informação de que dispõe até agora, "não antevê essa possibilidade".
O próximo passo da presidência será pedir aos responsáveis polacos que clarifiquem a questão central de saber quem tem ou não tem poderes para negociar em Lisboa. "Quem é que vem cá e com que poderes, é o que nós queremos saber", disse ao PÚBLICO uma fonte diplomática. Até ver esta questão clarificada, Lisboa vai lembrando que foi o Presidente polaco, o gémeo Lech Kaczynski, quem esteve na cimeira de Bruxelas que definiu o mandato para a CIG e que com ele se comprometeu e que não é o seu mandato que está em causa nas eleições.
A diplomacia portuguesa não enjeita, aliás, as virtualidades que a data prevista para a cimeira informal, apenas dois dias antes das eleições, também pode conter. Num país em que mais de 60 por cento da população se declara muito favorável à Europa e em que o principal partido da oposição aos gémeos Kaczynski, a Plataforma Cívica, é pró-europeu, não traria qualquer vantagem eleitoral deitar tudo a perder em Lisboa.
As negociações da CIG vão continuar na próxima semana, com uma segunda leitura do projecto de tratado ainda ao nível dos peritos jurídicos e linguistas, já levando em consideração os resultados do debate que teve lugar em Viana do Castelo entre os ministros.
Ontem, Amado admitiu que restam desta primeira fase "dois ou três" problemas políticos mais difíceis para resolver. As exigências polacas quanto ao sistema de votação no Conselho, que agora cristalizam no chamado compromisso de Ioannina; e a dificuldade em acomodar os opt-out britânicos em matéria de justiça e de assuntos internos, incluindo Schengen. Falta também concluir um trabalho de "desbastagem" do tratado que elimine tudo o que era a linguagem própria de uma Constituição de forma que os países que a chumbaram (França e Holanda) possam agora apresentar o novo tratado como um documento de natureza diferente.
Unidade sobre o Kosovo
Ontem, foi, no entanto, o Kosovo que ocupou os trabalhos do Conselho. Este é o maior quebra-cabeças diplomático que a presidência tem em mãos e é também o maior teste à credibilidade europeia em matéria de política externa comum. Todos os ministros, sem excepção, insistiram em que o objectivo central é "manter a unidade europeia" a todo o custo e seja qual for a evolução da situação.
Bernard Kouchner, o chefe do Quai d"Orsay, resumiu a questão a saber "se a União aprendeu alguma coisa com o Iraque". Amado dramatizou-a: "Sinceramente, não posso conceber que, no final do processo, estejamos perante uma posição forte da Rússia, uma posição forte dos Estados Unidos e a UE simplesmente não exista."
O ministro português também sublinhou algumas evoluções positivas. Pela primeira vez, a União está representante como tal na troika de mediadores que está a conduzir as negociações directas entre a Sérvia e o Kosovo. Antes, apenas a França, Reino Unido, Alemanha e Itália estavam no Grupo de Contacto internacional, que incluía também a Rússia e os EUA.
O momento da verdade surgirá quando os mediadores entregarem ao secretário-geral da ONU o relatório com o resultado deste período suplementar de negociações directas entre as partes, impreterivelmente no dia 10 de Dezembro. Ninguém alimenta a esperança de que possa haver um entendimento. Será nessa altura que a "unidade europeia" terá de ser traduzida numa posição comum. Sobre a qual ninguém quer ainda falar.
É esta a "bomba" que pode cair em cima do último Conselho Europeu da presidência em Dezembro. Até por isso, Portugal precisa até lá de deixar a questão do tratado resolvida.