Sofia Branco, in Jornal Público
Bob Geldof fez perguntas incómodas aos decisores reunidos em Lisboa para debater migrações
Começou por dizer que é "um amador" que não "tem de lidar com as minúcias da pobreza", como os políticos têm, todos os dias. Mas Bob Geldof, músico irlandês e activista dos direitos humanos, não se coibiu, como migrante que também é, de deixar muitas perguntas incómodas aos decisores presentes na Conferência de Alto Nível sobre Imigração Legal, que ontem terminou em Lisboa, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia (UE).
Queremos mesmo que a pobreza acabe? Queremos mesmo ajudar África, o continente "ignorado" e "o único que ficou de fora dos benefícios da globalização"?
"Desculpem, mas não acredito que sejam sérios, essa é a verdade...", admitiu Geldof, considerando "um escândalo" que tenham passado sete anos desde a primeira cimeira UE-África, quando, num menor espaço de tempo, a China já vai em três.
Aliás, Pequim foi invocada com frequência pelo activista, que não escondeu a preocupação com a ascensão chinesa no continente africano: "O que é que os chineses vêem em África que nós [os europeus] não estamos a ver?"
Geldof criticou ainda a UE, e Portugal concretamente, por estarem longe de cumprir as promessas feitas a África em matéria de ajuda pública ao desenvolvimento. "Todos nos movemos" e pela mesma razão essencial: a procura de "melhores oportunidades", realçou o activista, criticando a iniciativa da Comissão Europeia de atrair imigrantes altamente qualificados como "uma forma compassiva de racismo", "um campo minado, moralmente repulsivo". E deu um exemplo: a Zâmbia já perdeu três quartos dos seus pediatras, tem agora apenas doze, ficar sem mais um significa uma perda de oito por cento. "É isto que queremos?" Mais uma pergunta.
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, agradeceu o "duche de água fria" proporcionado pela intervenção de Geldof e classificou a sessão de ontem como uma ponte entre "aqueles que sabem e aqueles que fazem".
Pelos primeiros, Hein De Haas, da Universidade de Oxford, desmontou os "mitos" da imigração. Não há um fluxo maior do que sempre houve, mas um fluxo com direcções mais diversas e actualmente muito focado na Europa como destino.
Também nada indica que os mais pobres e menos educados migrem mais. E é mais do que certo que "a imigração não vai resolver o envelhecimento" da Europa e que "o controlo das fronteiras não diminui, mas apenas diversifica a imigração", sublinhou o investigador.
A tão propalada fuga de cérebros, diz Haas, também não é generalizada, assim como a migração circular não é a "panaceia" de todos os males, até porque "a procura de mão-de-obra barata e ilegal continuará", pois "não há vontade política para a combater". A única vontade que há, afirma Haas, é a de controlar os fluxos, porque é isso que "faz ganhar eleições".