13.9.07

"Esperamos que Portugal coloque os direitos humanos no Zimbabwe na agenda"

Ana Dias Cordeiro, in Jornal Público

Na sua viagem à Europa esta semana para fazer chegar informação sobre o que se passa no Zimbabwe, o destino óbvio de Noel Kututwa foi Portugal, que preside a União Europeia e organiza em Dezembro a II cimeira UE-África em Lisboa. O activista não foi recebido por nenhum ministro ou secretário de Estado nem pelo chefe do departamento para a África Subsariana do Ministério dos Negócios Estrangeiros, como solicitara, mas sim pela pessoa que, neste departamento, acompanha a situação no Zimbabwe. Kututwa recebeu garantias de que a situação dos direitos humanos no país estará na agenda. O convite que será feito ao Presidente Robert Mugabe não é bem visto por este activista. Mas diz: "Se a participação de Mugabe na cimeira for parte da solução, então porque não? Mas então criem-se as condições para que haja um resultado concreto que beneficie a população". Porque ainda é Mugabe quem centraliza o poder no Zimbabwe e talvez só com ele seja possível encontrar uma solução. ~

PÚBLICO - O que espera da presidência portuguesa da União Europeia (UE)?

Noel Kututwa - Sabemos que Portugal vai convidar o Presidente Mugabe para participar na cimeira UE-África e que quer que esta se realize a qualquer preço. O que esperamos então de Portugal é que garanta que a situação dos direitos humanos no país seja um dos pontos da agenda. Esperamos que haja uma discussão justa e honesta sobre o assunto, e que a UE e Portugal em particular não deixem que o Presidente Mugabe desvie o assunto, denunciando, como sempre o faz, um suposto neocolonialismo.

Qual a garantia que receberam de Portugal?

Recebemos a garantia de que a situação do Zimbabwe será colocada na agenda da cimeira. Mas sabemos também que há uma campanha de alguns países africanos para que a questão dos direitos humanos, e especificamente o Zimbabwe, não sejam tratados. A nossa expectativa é que a presidência portuguesa da UE garanta que estas questões sejam tratadas.

Aceita que Mugabe seja convidado?

Sim e não. Sim, se a sua participação vier a ajudar a situação no Zimbabwe. Não, porque a UE estabeleceu princípios que afastam Presidentes que não cumpram certos requisitos. E esses princípios não estão a ser respeitados.
A respeitá-los, outros Presidentes teriam de ser excluídos da cimeira.
Sim. E é isso que estão a tentar evitar. Países com problemas semelhantes em matéria de direitos humanos. Como a Suazilândia, a Etiópia, a Eritreia. Angola é um outro bom exemplo, onde o Presidente continua no poder passados 15 anos sem eleições em Angola.

Angola é um dos principais países a apoiar Mugabe. É por isso que realça este país?

Angola é um grande apoiante do Zimbabwe, mas também muito próximo de Portugal. A meu ver, Portugal não quer contrariar Angola excluindo o Zimbabwe, por causa dos fortíssimos laços económicos existentes entre Portugal e Angola.
Ao mesmo tempo, a confirmar-se esse convite, Portugal sabe que se sujeita a fortes críticas.
As questões que estão a ser levantadas por vários países, e não só o Reino Unido, relativamente a uma presença do Zimbabwe, podem de facto prejudicar a cimeira. A nossa perspectiva, da sociedade civil, é que o importante é surgir uma solução. E se a participação de Mugabe na cimeira for parte da solução, então porque não? Mas então criem-se as condições para que haja um resultado concreto que beneficie a população do Zimbabwe.

Essa solução passa necessariamente por Mugabe? Ele ainda tem muito apoio interno?

Tem o apoio dos militares, da polícia e das milícias de jovens. E a ZANU-PF é um partido violento, no sentido em que usa muito a força para garantir que as pessoas façam aquilo que o Presidente quer.

Há ainda o problema das facções na ZANU-PF, que se dividem em duas. A facção liderada pelo general Solomon Mujuro e a facção do ministro Emmerson Mnangagwa. Essas duas facções estão também a competir entre si na batalha pela sucessão de Mugabe.

A luta pela sucessão de Mugabe pode conduzir à violência?

Existe claramente esse risco. Se não se lidar bem com esta questão da sucessão, pode haver violência. Não há um líder óbvio entre essas duas figuras. E não é claro qual dos dois tem mais apoio. Ambos têm medo de tomar uma iniciativa porque Mugabe ainda detém muito poder.

Além desse medo, a recusa de Mugabe em abandonar o poder será o outro importante factor a contribuir para o actual bloqueio da situação?

Sim, e essa recusa tem a ver com a real possibilidade de Mugabe vir a ser levado a um tribunal internacional por crimes contra a humanidade, pelos massacres nos anos 1980 e mais recentemente, em 2005, pela operação de limpeza urbana [que levou ao desalojamento forçado de 700 mil pessoas em bairros afectos à oposição]. Ambos podiam levar a uma condenação. Ao permanecer no poder, Mugabe continua a beneficiar de imunidade presidencial.