13.9.07

Mugabe, o pau na engrenagem da cimeira UE-África

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Guerra de nervos para a organização da reunião parece condenada a durar até ao último minuto. Agenda da cimeira está atrasada e o tempo começa a apertar


Menos de três meses antes da data prevista para a realização, em Lisboa, de uma cimeira entre a União Europeia (UE) e África, a sua organização permanece um quebra-cabeças que está para durar.

Previsto para 8 de Dezembro, o encontro deverá reunir a totalidade dos chefes de Estado ou de governo da UE e dos países africanos para consagrar politicamente uma nova estratégia comum e permitir várias decisões ao mais alto nível em domínios como as migrações, energia ou combate às alterações climáticas.

De acordo com o que o PÚBLICO apurou, nem a agenda nem o conteúdo das discussões está definido, nem os convites aos líderes foram enviados. E, segundo, os especialistas, está prestes a começar a ficar tarde.

A causa desta indefinição é Robert Mugabe, o contestado Presidente do Zimbabwe, cuja eventual presença em Lisboa levanta uma série de vetos em vários países europeus, a começar pelo Reino Unido: Londres tem deixado claro que, se Mugabe participar na cimeira, o primeiro-ministro, Gordon Brown, ficará de fora. Será um ou o outro, nunca os dois ao mesmo tempo.

Nesta postura os ingleses contam com o apoio explícito da Suécia e, de forma mais discreta, da Holanda e da Dinamarca.

Esta animosidade está relacionada com as acusações que pendem sobre Mugabe por graves violações dos direitos humanos, incluindo a eliminação de vários opositores, corrupção e fraude eleitoral, a par de uma contestada reforma agrária particularmente agressiva para os fazendeiros ingleses que ficaram depois da independência da antiga Rodésia.

O país está, aliás, submetido a sanções europeias desde 2002, que impedem, nomeadamente, a entrada na UE de 126 dirigentes, a menos que se trate de participar em reuniões destinadas a manter o diálogo político, o que será o caso da cimeira UE-África.

Portugal, que convenceu os seus pares dos Vinte e Sete a realizar uma primeira cimeira euro-africana em 2000, no Cairo, insiste desde então na organização de uma segunda. Que, de acordo com as conclusões do Cairo, estava prevista para 2003. O factor Mugabe tem, no entanto, funcionado, desde então, como um obstáculo, pelas mesmas razões que continuam a pôr a cimeira de Dezembro em risco.

Na previsão da actual presidência rotativa da UE, Portugal voltou à carga, conseguindo levar os seus pares da UE a inscrever nas conclusões da cimeira europeia de Dezembro passado que o encontro euro-africano se realizaria até ao fim do ano, em Lisboa. Na altura, o optimismo português foi explicado pelo facto de o então primeiro ministro-britânico, Tony Blair, ter declarado não se opor à participação do Zimbabwe. Isto, apesar de o problema nunca ter sido a presença do país, mas do seu Presidente.

Em Dezembro, Portugal esperava que o tempo e o bom senso acabassem por jogar a favor da resolução do problema.

Nove meses depois, "a situação é cada vez mais complexa", reconheceu ao PÚBLICO um responsável europeu ligado ao processo. "A única coisa que sabemos é que a cimeira se realizará, mas não sabemos como", acrescentou.

Esta certeza resulta da constatação de que a Europa está a perder terreno no continente africano, arruinando décadas de cooperação e ajuda à recuperação dos seus Estados nos planos político, económico e institucional.

A nova tomada de consciência foi precipitada por um factor que funcionou como um sinal de alarme: a entrada em força da China em África na construção de infra-estruturas e na venda dos seus produtos altamente competitivos.

Tal cooperação contraria a tradicional política europeia, pelo facto de não ser acompanhada de quaisquer condicionalismos em termos de democracia, Estado de direito ou respeito dos direitos humanos. E, enquanto a UE anda desde 2003 às voltas para saber como organizar uma cimeira com África, a China já realizou três.

Esta situação alterou drasticamente o estado de espírito de vários lideres europeus, que, em 2000, encaravam a cimeira sobretudo como um capricho português. Tony Blair, aliás, não se deu ao trabalho de se deslocar ao Cairo.

Só que, mesmo se a importância estratégica da reunião de Dezembro deixou de oferecer dúvidas, a equação Mugabe continua por resolver.

A solução preferida do lado europeu seria o Presidente do Zimbabwe declinar o convite que lhe deverá ser dirigido pela presidência portuguesa da UE, enviando a Lisboa um dos seus ministros de maior peso. Ninguém acredita, no entanto, que esta solução possa vingar, conhecido que é o seu prazer em desafiar e contrariar o Ocidente.

E se os países vizinhos e influentes, como Angola, Moçambique ou África do Sul, tentassem convencê-lo a não ir a Lisboa, a bem do diálogo euro-africano? Esta pista está a ser explorada há anos, sempre com o mesmo resultado: não só estes países recusam essa missão, como já deixaram bem claro que não participarão numa cimeira de que Mugabe seja excluído. O Presidente do Zimbabwe "é profundamente respeitado e mesmo admirado em muitos países africanos, que o encaram como o Fidel Castro de África", lembra um especialista europeu.

Uma das poucas pistas que resta agora explorar consiste em "trabalhar" a agenda da cimeira de modo a permitir aos opositores à presença de Mugabe salvar a face. Para isso, seria preciso, por exemplo, que as discussões incluíssem referências explícitas a questões como os direitos humanos e a democracia no Zimbabwe. Mas, será que o visado e os seus aliados o aceitarão?

Apesar dos esforços intensos da presidência portuguesa da UE para encontrar uma solução aceitável para todos, muito provavelmente a resposta à questão de saber quem estará e quem não estará em Lisboa só terá uma resposta no próprio dia 8 de Dezembro.

Gordon Brown não participará na cimeira, no caso de Mugabe estar presente, e outros países da UE poderão apoiar Londres.