Por António Marujo, in Jornal Público
Três decretos-leis ontem publicados põem fim às polémicas e criam regras para acesso à assistência espiritual
Seis anos na tropa
De uma assentada, foram publicados ontem três decretos-leis que põem fim a questões que originaram tensão entre o Governo e várias confissões religiosas, incluindo a Igreja Católica: a assistência religiosa nos hospitais, nas prisões e nas forças ar-?madas e de segurança está agora regulada, permitindo o acesso de todos os interessados a um assistente da sua confissão religiosa.
Ao mesmo tempo, estes três documentos legais concretizam o disposto na Concordata entre Portugal e a Santa Sé (no caso da Igreja Católica) e na Lei de Liberdade Religiosa (para as restantes confissões). Essa é logo a primeira justificação dos diplomas. Ou seja, a partir de agora, a assistência religiosa é aberta institucionalmente a membros de todas as confissões religiosas - até aqui, ela era apenas possível, pelo menos em termos formais, à Igreja Católica.
"Sempre lutei por uma única regulamentação, porque no terreno temos que nos entender" entre as várias confissões, diz ao PÚBLICO o padre José Nuno, coordenador dos capelães católicos hospitalares.
No essencial, os diplomas estabe-?lecem um conjunto de direitos dos doentes, presos e membros de forças armadas e de segurança. No ca-?so da saúde, reconhece-se que a assistência espiritual foi também já assumida no Plano Nacional de Saúde 2004-2010.
"Fica salvaguardado o direito do doente a ser respeitado nas suas convicções", diz José Nuno (o PÚBLICO tentou ouvir também vários responsáveis de igrejas protestantes e evangélicas, sem êxito).
A abertura à pluralidade não será feita, no entanto, anarquicamente. O diploma estabelece um rácio de um assistente para 400 camas.
Este diploma consagra também "um conceito de saúde integral, em termos antropológicos", diz ainda o padre José Nuno. E veicula os assistentes espirituais de qualquer confissão religiosa às equipas de saúde multidisciplinar.
Os diplomas legais são muito semelhantes na forma: explicam as razões que exigiam a regulamentação deste sector, estabelecem os direitos à assistência, descrevem direitos e deveres dos capelães ou assistentes e definem a estrutura que deve existir em cada unidade de saúde, em cada prisão ou em cada unidade das forças armadas ou de segurança.
Uma das diferenças em relação ao que existia até agora - nomeadamente no caso das unidades de saúde - é que os capelães deixam de ser funcionários públicos e passam a ser contratados por cada estabelecimento. Aqueles que já exercem a função actualmente têm os seus direitos garantidos, nomeadamente para efeitos de aposentação. Mas quem for contratado a partir de agora terá que o ser já segundo as novas regras.
O caso com mais especificidades é o das forças armadas e de segurança. Aqui, é criado um conselho consultivo de assistência, órgão de natureza inter-religiosa. Nele têm assento, além de representantes dos estados-maiores, do comando da GNR e da direcção da PSP, os capelães-chefes das diferentes confissões.
A este organismo cabe a avaliação das necessidades de assistência espiritual nas forças armadas e de segurança, incluindo nas missões destacadas fora do território nacional.
Os capelães militares manterão, entretanto, uma patente militar - situação que existia já no caso católico. O capelão-chefe de cada confissão será graduado ou equiparado como contra-almirante, major-general ou superintendente-chefe.
O bispo para as forças armadas, ?D. Januário Torgal Ferreira, considera que a abertura da assistência espiritual às outras confissões é o mais importante. "Foi um ponto de vista defendido pela Igreja Católica desde 1991", no estatuto das capelanias militares.