20.9.09

O próximo ano será de "ressaca" para a indústria do calçado

Por Sara Dias Oliveira, em Milão, in Jornal de Notícias

Sector chegará ao final de 2009 com uma quebra nas exportações de oito a 10 por cento. Empresários acreditam na retoma em 2011


O ambiente é optimista na maior feira de calçado do mundo, a Micam, que terminou ontem em Milão, com a presença de 80 expositores nacionais espalhados por dez pavilhões. Os empresários esperam fechar o ano com o mesmo volume de negócios de 2008, garantem que a crise está a ser contornada com novos mercados e estão convencidos de que em 2011 será possível falar em retoma do sector, que exporta 95 por cento da sua produção, sobretudo para a Europa.

No primeiro semestre deste ano, as exportações de calçado caíram nove por cento, comparativamente ao mesmo período do ano passado, e a quebra poderá atingir os 10 por cento no final de 2009. Os últimos dados revelam que o comércio externo representou 1268 milhões de euros em 2007, subindo ligeiramente para 1291 milhões em 2008.

"Depois de uma bebedeira, vamos ter uma ressaca, mas ainda não a temos. Cuidaremos dessa situação quando ela aparecer", adiantou Fortunato Frederico, presidente da Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS), em Milão. O responsável espera que a "ressaca" aconteça em 2010, ainda com um crescimento que poderá não ser positivo, mas inferior à quebra de nove por cento, para no ano seguinte recuperar o fôlego da área económica que contribui com o maior saldo positivo para a balança comercial portuguesa: 800 milhões de euros em 2008.

"A nossa dor é menos forte do que a de outros sectores. Quando o país cai 35 por cento em relação às exportações, sinto-me muito orgulhoso por termos aguentado a crise com nove por cento", sublinhou. E com um bom indicador, já que no primeiro semestre deste ano se registou um aumento de 20 por cento das exportações para Itália, atingindo os sete milhões de euros.



Sem euforias

O responsável pela associação empresarial do calçado admitiu, no entanto, que o "ambiente não é de euforia", mas que o sector conta com "homens que percebem da poda". "Hoje fornecemos um produto com maior qualidade, cumprimos os prazos e não fazemos batota", assegurou.

Fortunato Frederico insiste na questão das linhas de crédito à exportação, que o Governo já assegurou que iriam ser renovadas no próximo ano. "Os industriais têm de arriscar e os 15 por cento são uma margem suficiente", defendeu, lembrando que neste momento os empresários assumem 40 por cento da cobertura de risco das vendas para o mercado externo.

Esta situação, acrescida aos plafonds definidos de igual montante para cada um dos industriais, veio ao de cima na Micam. "Uma empresa que exporta 30 ou 40 milhões de euros não pode ter o mesmo plafond que outra que exporta cinco. As companhias de seguros têm as suas regras de mercado e isso provocou um grande sobressalto na indústria", sustentou.

Estar na maior feira de calçado tem sido importante. A Micam significa estar no centro da Europa, no centro das atenções de potenciais clientes de todo o mundo. O designer de calçado de Oliveira de Azeméis Luís Onofre, que venceu a categoria colecção prestígio dos Prémios Inovação na Fileira do Calçado GAPI - troféu atribuído pelo Centro Tecnológico de Calçado de Portugal e pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial na Micam deste ano - espera um crescimento da facturação para 3,5 milhões de euros, face aos 2,5 milhões em 2008, numa altura em que prosseguem negociações com o mercado da Arábia Saudita. "Apesar de estarmos num ano difícil, não tenho sentido dificuldade em colocar o meu calçado de média e alta gama."

Com um stand bastante visitado, Onofre garantiu que "não está adormecido" em relação ao que se passa à sua volta. A colecção que apresentou na feira aposta em materiais ecológicos, produtos naturais e uma panóplia de cores. Participar na feira de Las Vegas está nos planos do estilista.

Amílcar Monteiro, sócio do grupo Kyaia das marcas Fly London, Foreva e Sapatália, com um volume de exportações de 23 milhões de euros, está confiante na capacidade de recuperação do sector. A perda de mercados no Leste europeu, "devido ao efeito de crise", foi compensada com outros clientes do resto da Europa. A desvalorização da moeda também foi um factor que não ajudou.

"Estou muito confiante em que a indústria do calçado possa dar a volta porque, de facto, há algumas armas que soubemos utilizar neste momento de grande dificuldade". Estar na Micam é uma dessas "armas". "É importante estar na maior feira do sector, mas os resultados fazem-se com as equipas de venda no terreno", defendeu.

André Fernandes, da Everest de São João da Madeira, das marcas Chibs e Cohibas, empresa que trabalha para o estilista Miguel Vieira, reparou que há menos visitantes. Na sua opinião, a crise sentiu-se mais no retalho, mas caminha-se no sentido de contrariar a curva descendente. No ano passado, o grupo são-joanense facturou três milhões de euros e este ano o valor poderá descer ligeiramente.

A YES, de Felgueiras, apresentou uma colecção feminina, para um público compreendido entre os 18 e os 35 anos, com o olho no reforço do mercado que detém no país, em França, Bélgica e Japão. Em 2007, teve um volume de negócios na ordem dos cinco milhões, em 2008 subiu para os 7,5, valor que espera manter este ano. "É importante estar na Micam. Do ponto de vista da imagem, é fundamental estar seja onde for", avançou. Luís Sá, responsável pela empresa, acredita que o sector está preparado para crescer.