in Jornal Público
O recém- reeleito líder dos destinos europeus quer uma atenção especial à regulação financeira para que não se repitam as situações que estiveram na origem da crise
O Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, foi dos primeiros líderes a chegar a Pittsburgh para a cimeira do G20, o grupo de países que representa 85 por cento da economia mundial, e que assumiu a responsabilidade de concertar soluções para a crise global.
Pragmático, Barroso trouxe propostas concretas para discutir com os seus interlocutores: a Comissão acaba de apresentar um pacote legislativo destinado a fortalecer a supervisão do sistema financeiro europeu.
Mas, realista, o recém-reeleito líder europeu reconhece que permanecem questões em que as posições dos diferentes intervenientes ainda são "muito diferenciadas"- mas, também, não se pode pedir ao G20 "mais do que o G20 pode dar".
O PÚBLICO falou com Durão Barroso no final de uma cerimónia da Universidade de Pittsburgh onde o presidente da Comissão Europeia foi ontem agraciado com o título de doutor honoris causa.
O que é que os europeus querem do G20?
Querem que o G20 dê uma contribuição para a governação mundial. Precisamos que se evitem situações como aquelas que se verificaram há pouco tempo nos mercados financeiros, ou seja, precisamos que haja uma regulação a nível financeiro credível e também que haja algum esforço de cooperação nas políticas económicas para que se possa promover o crescimento e lutar contra o desemprego. A maior preocupação dos europeus hoje em dia é o problema do emprego. Aquilo que pudermos fazer a nível global para facilitar o relançamento da economia, com a perspectiva do emprego, é sem dúvida positivo.
O G20 reuniu-se três vezes em menos de um ano: os líderes debateram pacotes de estímulo económico, depois medidas de moralização do funcionamento dos mercados financeiros e agora querem falar de estratégias de saída. O que retira destas conversas? O que aconteceu verdadeiramente de concreto?
De concreto aconteceu muita coisa, mas mais importante do que isso foi o que não aconteceu. Uma das contribuições mais importantes do G20, e que não tem sido devidamente valorizada, foi o compromisso político que permitiu evitar o retorno ao proteccionismo. E estabeleceram-se princípios que devolveram confiança aos mercados.
Do ponto de vista económico, houve uma concertação para os programas de estímulo. Por exemplo, quando os Estados Unidos entraram numa situação de recessão e a procura baixou, tinha de haver outros motores na economia mundial, e o estímulo na China foi sem dúvida muito significativo. O diálogo macroeconómico tem sido uma contribuição importante para evitar situações bem piores.
Mas não se peça ao G20 mais do que o G20 pode dar. O G20 não é uma entidade com poder de legislar, é um fórum: compete depois a cada um agir dentro das suas capacidades. As decisões têm de ser tomadas pelas entidades competentes, seja a nível regional como fizemos agora na Europa, seja a nível nacional. Estou muito orgulhoso por a União Europeia estar mais uma vez na vanguarda.
Na sua intervenção disse que "a Europa está unicamente posicionada para oferecer conselhos ao mundo". Tomando em consideração que a Comissão apresentou ontem um pacote legislativo para fortalecer a supervisão do sector financeiro europeu, está à espera que outros países sigam o exemplo europeu?
Sem pretensões, acho que estamos numa posição muito boa não para impor mas para propor soluções. A União Europeia é o laboratório natural da globalização: temos a experiência de estabelecer normas transnacionais e até instituições supranacionais. É por isso que considero que as nossas propostas podem, em muitos casos, inspirar soluções globais. E é importante que as soluções sejam globais, no caso financeiro, para não haver vantagens competitivas algo ilegítimas. Nós não queremos isso; queremos um plano homogéneo de actividade.
A revisão do sistema de compensações, pagamentos e bónus dos executivos das instituições financeiras é um ponto de disputa entre a Europa e os Estados Unidos?
Penso que se vai chegar a um acordo. É verdade que se começou com posições muito diferenciadas, mas acredito que se vai encontrar um compromisso. Mas também já disse que mesmo sem os americanos devíamos avançar nesta matéria, porque esta é quase uma questão de legitimidade do sistema financeiro. Claro que é muito melhor ter um sistema integrado, em que os mercados estão abertos num plano de concorrência com equilíbrio.
Há grande impaciência na Europa com o impasse nas negociações de um tratado pós-Quioto. É capaz de identificar a areia na engrenagem: é a resistência americana em avançar com legislação doméstica? São as exigências dos países emergentes? É possível ter um compromisso a tempo da cimeira de Copenhaga?
Eu prefiro concentrar-me nos aspectos positivos. E há muito para saudar: o novo compromisso anunciado pelo primeiro-ministro do Japão de reduzir as emissões; o facto da China ter planos nacionais de redução da intensidade de carbono da energia; o progresso da Austrália com a assinatura do protocolo de Quioto, para além, sem dúvida, do papel de liderança da União Europeia. Agora o que eu vejo como uma das dificuldades é que há zonas do mundo que estão prontas para fazer mais do que estão disponíveis para assumir com carácter vinculativo. Todos compreendemos que há aqui uma responsabilidade global, mas os líderes nacionais estão sujeitos a pressões e têm de tomar decisões difíceis. O facto do processo legislativo americano não estar pronto para Copenhaga é um problema, claro. Mas tenho total confiança na convicção do Presidente Obama neste domínio. Ele está comprometido com a transição para uma economia mais sóbria em carvão nos Estados Unidos.
Disse que ia à cimeira do clima promovida pelo secretário-geral da ONU em Nova Iorque em busca de umgrand bargaine pediu sinais aos líderes. Ficou satisfeito com os resultados?Estou mais confiante do que estava antes desta reunião de Nova Iorque, mas honestamente não posso dizer que tenha ficado completamente tranquilo. Acho que Copenhaga vai ser extremamente difícil e que se não houver um salto qualitativo até lá podemos ter um fracasso. Mas em Nova Iorque vi pela primeira vez a vontade de interagir, de equacionar como podemos chegar a um acordo. O problema é que já estamos muito perto de Copenhaga, há aqui um atraso que é preciso recuperar, temos de manter a pressão.
O que é que pode acontecer se a Irlanda voltar a recusar o Tratado de Lisboa na votação da próxima semana?
Eu nunca falo de hipóteses negativas, mas todos sabemos que se um país não ratificar então não podemos ter o tratado. Mas estou confiante que isso não vai acontecer. Estive na Irlanda, na região de Limerick, que votou esmagadoramente pelo não, e o que recolhi dos contactos que tive foi positivo. Penso que os irlandeses perceberam que a Europa é útil e que seria agora difícil travar a vontade expressa por todos os Governos europeus.
Acompanhou a campanha eleitoral em Portugal? Merece-lhe algum comentário?
Não tive oportunidade de acompanhar muito de perto mas espero obviamente que seja uma eleição participada. Sei que houve muitos debates e nesse sentido creio não ficou por fazer nenhum esclarecimento. Agora cabe aos eleitores tomar a decisão que entenderem.