por Filipa Ambrósio de Sousa, in Diário de Notícias
Os mais novos estão dispensados de testemunhar em julgamento mas não são poupados na fase de inquérito
As crianças abusadas sexualmente são ouvidas, em média, oito vezes durante o processo. "Um número excessivo", admite ao DN Carlos Farinha, director do Laboratório da PJ. "O considerado razoável seria apenas duas ou três vezes, no máximo."
Só no ano passado foram 772 os casos de abusos sexuais de crianças investigados em Portugal. Um aumento de 13,91% em relação ao ano anterior. E todas estas crianças - até ao julgamento do agressor - foram chamadas a depor perante um inspector da PJ, um procurador do Ministério Público, um técnico da Comissão de Menores, da Segurança Social ou de instituições de acolhimento.
"O facto de uma criança ter de contar a sua experiência várias vezes pode gerar elementos desestabilizadores", explica Catarina Ribeiro, psicóloga forense, autora de um estudo de abusos sexuais no seio familiar em menores dos oito aos 12 anos. "Espero não ter de ir lá outra vez", revela um dos testemunhos recolhidos pela médica para o estudo. "Tive de estar ali outra vez a contar tudo... estava cheia de vergonha", conta outra.
Já para Pinto Monteiro, procurador-geral da República, "as crianças são ouvidas quantas vezes o procurador do Ministério Público quiser". Mas admitiu a importância de as declarações serem prestadas num ambiente mais acolhedor, o que é possível desde ontem em Lisboa, com a inauguração no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP ) de uma sala criada para ouvir os testemunhos das crianças abusadas (ver texto em baixo).
Segundo o Código de Processo Penal, durante um processo de abusos sexuais, as crianças estão "dispensadas" de prestar declarações em julgamento, para evitar o confronto com o abusador, muitas vezes familiar, e diminuir os traumas. Uma regra - declarações para memória futura em sede de inquérito - que existe apenas desde 2007 com a revisão das leis penais.
Armando Leandro, presidente da Comissão de Menores, lembra que o Código de Processo Penal "prevê que as crianças sejam ouvidas o menos vezes possível para que os traumas não sejam potenciados".
Em Portugal, o abuso sexual de crianças representa mais de metade do total dos crimes sexuais registados em Portugal (56,6%). As vítimas são esmagadoramente do sexo feminino (82,71%) e menores de 16 anos (62,26 %) sendo que os agressores são exclusivamente homens e maiores de 21 anos.