por Isadora Ataíde, in Diário de Notícias
Aumentar a taxa de emprego em 10% até 2014 e a participação no mercado de trabalho para 75% até 2020 são os grandes desafios
Aumentar a taxa de emprego em 10% até 2014 e retirar 20 milhões de europeus da situação de pobreza estão entre as metas das orientações para as políticas de emprego dos Estados membros no âmbito da estratégia Europa 2020. O texto apresentado pela Comissão Europeia (CE) foi aprovado com alterações pelo Parlamento Europeu (PE) a 8 de Setembro. As metas fixadas devem traduzir-se em objectivos nacionais através do Pacto do Emprego, em negociação entre o Governo e os parceiros sociais.
O texto aprovado reconhece que os objectivos anteriores, estabelecidos pela Estratégia de Lisboa, não foram alcançados. Para a eurodeputada Ilda Figueiredo, o facto de os países não terem aplicado as orientações não é a único motivo do falhanço. "A Estratégia de Lisboa insistiu nas liberalizações, apostou na flexibilidade para gerar emprego e o efeito foi o oposto. Outro factor que contribuiu para o falhanço foi colocar em situação de igualdade os países europeus, o que beneficia os grandes e agrava a situação dos países de economia frágil. Com a crise, o desemprego, a precariedade e a pobreza cresceram, mas a própria Estratégia de Lisboa contribuiu para a crise", avalia a parlamentar da Esquerda Unitária Europeia.
"Criar mais e melhores empregos, reduzir o desemprego e aumentar a participação no mercado de trabalho para 75% da população activa" é a orientação número 7 do documento. O eurodeputado Nuno Melo reconhece a meta como "ambiciosa". "É um objectivo programático, não significa, por si, a redução do desemprego na Europa porque a estratégia não leva em conta os factores conjunturais de cada país. É preciso crescimento económico para que haja oferta de trabalho, o que resulta das políticas nacionais a serem adoptadas. O investimento nas pequenas e médias empresas e o aumento do emprego entre os licenciados e os mais velhos são medidas urgentes", assinala o deputado da família do Partido Popular Europeu.
A ausência de uma política específica e coordenada para o emprego e para a indústria na União Europeia, a exemplo do que acontece com a agricultura, é um dos motivos que levam o eurodeputado Miguel Portas a considerar as actuais orientações como uma "continuação aprimorada" da estratégia anterior. "A ideia de que o défice e o endividamento são os maiores problemas, aliados à ausência de uma política para o emprego e a indústria, mantêm a UE num quadro de reduzido crescimento económico, o que impede a criação de emprego. Pela primeira vez, abdica-se formalmente do direito histórico do pleno emprego, quando se aponta para as modalidades flexíveis de trabalho", critica o parlamentar do grupo da Esquerda Unitária.
Jovens entre os 15 e os 25 anos, trabalhadores entre os 50 e os 64 anos, mulheres, minorias, migrantes e pessoas sem qualificação estão entre os públicos prioritários na estratégia para a geração de empregos. O pleno emprego, o trabalho digno na configuração da Organização Internacional do Trabalho, têm primazia. Contudo, o documento introduz o conceito de "trabalho flexível". "Flexibilidade não significa precariedade. A economia globalizada exige que os trabalhadores adquiram diversas competências que possibilitem a sua mobilidade no mercado. Para tal são precisos elevados níveis de protecção social, a exemplo do que acontece nos países nórdicos", sublinha a eurodeputada Regina Bastos, do Partido Popular Europeu.
Segundo as orientações aprovadas, os recursos do Fundo Social Europeu devem ser utilizados "inteiramente" para aumentar a empregabilidade. A reestruturação do sector empresarial e o reforço das infra-estruturas também podem ser objecto de reafectação dos fundos comunitários, a exemplo dos recursos para a coesão social. "Os fundos europeus em Portugal são utilizados para a compra de produtos e equipamentos que deixamos de produzir, como os do sector naval e ferroviário. Estas indústrias devem ser reactivadas e reestruturadas, bem como a agricultura, os sectores têxteis e da cerâmica, entre outros. É preciso um crescimento mínimo de 2% para que sejam criados postos de trabalho", aponta Joaquim Dionísio, da direcção da Confederação Geral dos Trabalhadores de Portugal.
Reforçar a investigação científica de modo a promover o desenvolvimento do sector empresarial, em especial das PME, faz parte da lista de orientações para o emprego. A eurodeputada Edite Estrela considera que Portugal está na "linha da frente". "É necessário reforçar o investimento na investigação científica, através da criação de redes e consórcios internacionais que permitam associar as instituições de ensino superior ao tecido produtivo e às empresas. Portugal está na linha da frente da UE, com uma despesa total em I&D que ultrapassou 2585 milhões de euros em 2008, o que representa um máximo histórico de 1,55% do PIB nacional."
Miguel Portas vê riscos na articulação da investigação às necessidades do mercado. "Vincular a investigação científica às necessidades da indústria deita para o lixo a investigação de base e a pesquisa social. Também não existe um mapa das supostas necessidades do mercado." Eliminar as disparidades entre os programas de formação continuada e reinserção profissional entre os países europeus é outra das preocupações do eurodeputado. "Na Letónia, um programa de reinserção custa em média 500 euros por trabalhador, enquanto na Áustria custa cerca de 21 mil euros. A Europa tem de assumir-se como componente complementar do Estado social dos países, para isso deve aumentar o seu orçamento, mas isto não entra na agenda política da estratégia Europa 2020", observa.
Reduzir o abandono escolar para 10% e aumentar para 40% o percentual da população com ensino superior nas faixas entre os 30 e os 34 anos até 2020 é a meta fixada para a educação. O deputado Ramos Preto, presidente da Comissão de Trabalho da Assembleia da República, vê como primordial a modernização do ensino para a geração de empregos dignos e de qualidade. "O conhecimento deve ser o factor gerador de postos de trabalho, o que requer a conjugação da formação às competências exigidas pelo mercado. O sector público não pode ser o único a investir em tecnologia, as empresas devem apostar na melhoria dos processos industriais. O aumento dos níveis de formação escolar e profissional está ligado aos objectivos de coesão social e de redução da pobreza em 25% no contexto europeu", diz o parlamentar.
Combater os encargos burocráticos, as regulamentações e os impostos elevados é outra das orientações no sentido de impulsionar o sector produtivo e a criação de postos de trabalho. "A justiça inibe o crescimento económico quando não é célere, caso das cobranças judiciais que se arrastam e podem levar as PME à falência. As empresas têm dívidas com a Segurança Social, mas as dívidas do Estado para com as mesmas deixa-as sem liquidez. A solução destes problemas pode ser dinamizadora da economia nacional", indica Nuno Melo.
Ultrapassar as desigualdades entre homens e mulheres no acesso ao mercado de trabalho e nos rendimentos permanece como desafio na Europa. As orientações de emprego reforçam também a necessidade de criação de infra-estruturas de apoio, a exemplo dos serviços sociais, como as creches. "Em situações de crise, as diferenças salariais agravam-se. Embora há 30 anos haja directivas neste sentido, a desigualdade entre géneros permanece. Neste domínio, a acção fiscalizadora é determinante", salienta Ilda Figueiredo.
Estabelecidas as directivas europeias, cabe aos governos e aos parceiros sociais traduzir e elaborar as orientações para o emprego através da definição de metas nacionais. "As respostas e os elementos operacionais deverão ser articulados com o Pacto para o Emprego, que se encontra em fase de negociação. O objectivo é que as propostas do Governo sejam concertadas com os parceiros sociais, o envolvimento destes deve verificar-se não somente na fase de elaboração dos Planos Nacionais de Reforma, mas na sua execução e acompanhamento", indica Edite Estrela. Ramos Preto alerta para o papel da Assembleia da República. "A comissão de emprego tem acompanhado e discutido as orientações europeias. A Assembleia da República, no âmbito da subsidiariedade, tem um papel importante na governação europeia e no desenvolvimento dos planos." Joaquim Dionísio, da CGTP, é céptico sobre a concertação social. "Os conteúdos discutidos na concertação social não têm significado do ponto de vista real", analisa.