14.2.08

Divisão de tarefas domésticas não é motivo de conflito entre casais

Clara Viana, in Jornal Público

No que respeita à divisão do trabalho em casa, Portugal é dos países mais tradicionalistas. O que representa hoje Amar e Trabalhar na Europa?


Apesar da persistente desigualdade na partilha de tarefas domésticas entre homens e mulheres, a maioria dos europeus não considera que esta situação "seja geradora de particular conflitualidade no casal". Corresponda ou não ao que verdadeiramente se passa dentro de portas, esta negação reveladora é particularmente significativa na Grécia, Portugal e Irlanda, constata-se num estudo que será debatido no seminário Amar e Trabalhar na Europa, que hoje e amanhã decorrerá no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), Lisboa, e que contará com a participação, entre outros, de François de Singly e Chiara Saraceno, dois expoentes da Sociologia da Família.

Segundo dados do European Social Survey de 2004, que serão analisados no seminário, Portugal é o país da Europa onde uma maior percentagem dos homens inquiridos (69 por cento) diz nunca ter discussões em casa sobre a divisão da tarefas domésticas. E é o segundo, a par da Irlanda, e atrás da Grécia, em que este "nunca" é secundado por mais mulheres (58 por cento).

Os portugueses ocupam o último e penúltimo lugares entre os que assumem ser a divisão das tarefas domésticas um foco frequente de desacordos: apenas 11 por cento dos homens inquiridos e 17 por cento das mulheres responderam pela afirmativa.
Esta alegada ausência de conflito significa que se continua a encarar como "natural" que sejam "elas" a arcar com o grosso do trabalho em casa? Também, mas não só: "A conflitualidade é sempre difícil de assumir no seio do casal. Assumir desacordos implica avaliar a relação conjugal, e há uma tendência para nos refugiarmos desse tipo de avaliações", explicam ao PÚBLICO, via e-mail, os sociólogos Bernardo Coelho e Anália Torres.

"Se é verdade que subsiste a interiorização de tradicionais papéis de género (masculinos e feminino), também não se pode dizer que isso signifique a aceitação passiva", acrescentam os investigadores, que chamam a atenção para outra evidência revelada por estes dados: "São as mulheres que assumem que as tarefas quotidianas da casa e da família são alvo de tensões e conflitos".

O modo como a divisão do trabalho doméstico continua a acontecer é também reveladora de uma Europa entre duas águas. "A tendência no plano dos valores é para uma maior igualdade e para os homens assumirem iguais responsabilidades na família, na casa e no cuidado com os filhos. Mas, na prática, os valores tradicionais das relações de género na família estão profundamente enraizados nas formas de agir de todos os dias de homens e mulheres. Esta incerteza ou ambivalência perante a mudança é particularmente evidente para Portugal, dada a persistência de valores tradicionais", confirmam Bernardo Coelho e Anália Torres.

Em Portugal, em mais de meia centena de entrevistas realizadas a casais das regiões de Lisboa, Porto e Leiria, entre 2003 e 2006, os investigadores dizem ter encontrado, quanto a modalidades de partilha do trabalho doméstico, uma "tendência global para uma divisão assimétrica atenuada, com inclinação tradicional". Isto quer dizer que, no geral, os casais portugueses tendem a praticar algum companheirismo doméstico, por oposição ao modelo assimétrico tradicional em que as tarefas domésticas são um exclusivo feminino, embora este pendor funcione ainda como a base inspiradora.

A saírem de um mundo sem terem ainda chegado a outro, a vivência dos casais implicará hoje uma "constante negociação de responsabilidades, num jogo de expectativas entre cônjuges". É um jogo com consequências, já que é no dia-a-dia, nas actividades do quotidiano, que hoje "se negoceiam as mudanças", frisam os investigadores.