5.2.08

"Estou cansada das brincadeiras que doem"

in Jornal de Notícias

"Não vão fazer mal ao meu marido, pois não?" Não. Aparentemente, é a única garantia de que M., 22 anos, estrangeira a viver em Portugal há um ano, há uma semana numa casa de abrigo, necessita para abraçar o desabafo. "Estou cansada das brincadeiras que doem, dos nomes feios. Cansada dos vizinhos que se queixam do barulho das nossas discussões. Cansada de dizer ao patrão que não posso ir trabalhar ao sábado só para poder passear com ele. E que ele não me dê dinheiro para leite ou fraldas". Ele é o marido de 27 anos que veio para Portugal sem ela. Mas que ela decidiu perseguir. Em nome dos seis anos de relação. E da filha de quatro, a que agora se somaram dois bebés de colo. M. tem olhos verde-água, mas não tem água no olhar - só determinação. "Vou provar-lhe que não preciso do dinheiro dele, do terreno que comprou para construir casa, ou do tempo que nunca teve para mim". Ela, corpo farto ainda a recuperar da gravidez, vai provar-lhe tudo isso regressando à fábrica de sapatos, onde já poderá trabalhar ao fim-de-semana, dez horas por dia, e tirando rapidamente a carta de condução para levar as crianças ao infantário. Antes, no entanto, teve que provar a si própria que conseguiria abandoná-lo. "Tinha medo. Tentava chateá-lo para que me expulsasse". Numa dessas tentativas, cortou pela raiz o cabelo dourado, que lhe tapava o peito. Estranho caminho para conseguir a libertação. Invadido pela ira, ele insultou-a, bateu-lhe. Disse que ela podia ir embora. Que podia ir, só porque acreditava que nunca iria. Mas ela foi. Desafiando a fé do marido, do padre a quem se confessou e da família que, mesmo longe, "não vai aceitar a separação". Não voltará atrás. Mesmo se ainda se esconde com um véu por achar que é o que é impossível ser feia. E se não revela o país de origem, o nome próprio ou a cidade onde idealiza o futuro. "Amo- -o, mas não volto. Nunca mais". HTS