9.2.08

ONG acusa Governo de inconsequência na protecção das vítimas de violência doméstica

Ana Cristina Pereira, in Jornal Público

Dirigente da UMAR diz que houve "aproveitamento político" já que isenção das taxas moderadoras foi referida como avanço


Não basta aprovar um decreto-lei a isentar as vítimas de violência doméstica de taxa moderadora, na senda de uma cultura de cidadania contra este tipo de crime. "É preciso dar-lhe seguimento", nota Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Como nunca houve um despacho do Ministério da Saúde a esclarecer os termos e as condições em que uma pessoa é considerada vítima de violência doméstica, a isenção consagrada no Decreto-Lei 2001/2007 "é ineficaz", nalguns casos "é como se não existisse".

Subsistem as mais diversas interpretações sobre o acesso ao direito de isenção: nuns hospitais basta a palavra da mulher, noutros é preciso uma sentença judicial. A notícia avançada pelo PÚBLICO quarta-feira não trouxe novidade à UMAR, que convive com essa realidade.

Elisabete Brasil fala em "aproveitamento político", já que a medida foi "diversas vezes referida como um significativo avanço no que respeita às estratégias de protecção às vítimas de violência doméstica". Já antes a organização emitira um comunicado neste sentido: "A inconsequência das medidas de protecção às vítimas de violência tem de ter um fim. Não há solução útil se as pessoas a quem se dirige não podem beneficiar."

Sob pena de se entrar "numa burocracia", a jurista recusa a imperatividade de queixa, como defende a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Elza Pais. A violência doméstica é um crime público. "Qualquer entidade pode denunciar, sendo que as entidades que prestam serviço público têm um dever acrescido de denunciar", lembra. Posto isto, "a vítima não deve pagar nada". Nem a taxa moderadora. Nem a consulta.

Pela legislação em vigor, como há um terceiro responsável, o Serviço Nacional de Saúde pode facturar agressões (domésticas ou não). Significa isto que o hospital pode constituir-se parte civil no processo penal para forçar o agressor a pagar a conta da consulta ou de outros serviços. Alguns remetem a nota de débito à vítima.
O hospital deve "intervir junto das autoridades, tornando-se assistente do processo que se venha a abrir", salienta Elisabete Brasil. E não havendo um processo-crime, como tantas vezes acontece nos casos de violência doméstica? "Deve ser previsto o recurso à comissão do Ministério da Justiça para o adiantamento de indemnização a vítimas de crime violento", defende aquela dirigente associativa.