Ana Cristina Pereira, in Jornal Público
Dirigente da UMAR diz que houve "aproveitamento político" já que isenção das taxas moderadoras foi referida como avanço
Não basta aprovar um decreto-lei a isentar as vítimas de violência doméstica de taxa moderadora, na senda de uma cultura de cidadania contra este tipo de crime. "É preciso dar-lhe seguimento", nota Elisabete Brasil, da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR). Como nunca houve um despacho do Ministério da Saúde a esclarecer os termos e as condições em que uma pessoa é considerada vítima de violência doméstica, a isenção consagrada no Decreto-Lei 2001/2007 "é ineficaz", nalguns casos "é como se não existisse".
Subsistem as mais diversas interpretações sobre o acesso ao direito de isenção: nuns hospitais basta a palavra da mulher, noutros é preciso uma sentença judicial. A notícia avançada pelo PÚBLICO quarta-feira não trouxe novidade à UMAR, que convive com essa realidade.
Elisabete Brasil fala em "aproveitamento político", já que a medida foi "diversas vezes referida como um significativo avanço no que respeita às estratégias de protecção às vítimas de violência doméstica". Já antes a organização emitira um comunicado neste sentido: "A inconsequência das medidas de protecção às vítimas de violência tem de ter um fim. Não há solução útil se as pessoas a quem se dirige não podem beneficiar."
Sob pena de se entrar "numa burocracia", a jurista recusa a imperatividade de queixa, como defende a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Elza Pais. A violência doméstica é um crime público. "Qualquer entidade pode denunciar, sendo que as entidades que prestam serviço público têm um dever acrescido de denunciar", lembra. Posto isto, "a vítima não deve pagar nada". Nem a taxa moderadora. Nem a consulta.
Pela legislação em vigor, como há um terceiro responsável, o Serviço Nacional de Saúde pode facturar agressões (domésticas ou não). Significa isto que o hospital pode constituir-se parte civil no processo penal para forçar o agressor a pagar a conta da consulta ou de outros serviços. Alguns remetem a nota de débito à vítima.
O hospital deve "intervir junto das autoridades, tornando-se assistente do processo que se venha a abrir", salienta Elisabete Brasil. E não havendo um processo-crime, como tantas vezes acontece nos casos de violência doméstica? "Deve ser previsto o recurso à comissão do Ministério da Justiça para o adiantamento de indemnização a vítimas de crime violento", defende aquela dirigente associativa.