4.2.08

Quase 40 por cento dos idosos passam mais de oito horas sós

Catarina Gomes, in Jornal Público

No total, 21 por cento depende de terceiros na vida diária, situação que é pior nos mais velhos e nos homens


A Quase 40 por cento dos portugueses a partir dos 65 anos passam oito ou mais horas dos seus dias sozinhos. "A solidão dos nossos idosos é assustadora", constata Anabela Mota Pinto, uma das autoras de um estudo nacional que define o perfil de envelhecimento da população portuguesa, da autoria de médicos da Faculdade de Medicina de Coimbra, em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa da Universidade Nova de Lisboa. O estudo sairá em livro no próximo mês.

O objectivo era ousado. Tratava-se de saber como envelhecem os portugueses. Os investigadores recolheram dados de todo o país (excluindo ilhas) para tentar conhecer a sua qualidade de vida física e emocional. Isso implicou ir ao pormenor. Aos 2672 inquiridos foram feitas perguntas diversas: tem animal de estimação? Anda sem ajuda? Prepara as suas refeições sozinho? Sente-se triste ou alimenta-se bem? A lista é grande.

A população estudada começa nos 55 anos, altura em que se começa a notar mais alguns sinais de envelhecimento. Para os seis autores do estudo, "o envelhecimento saudável" pressupõe "manutenção da actividade física, socialização, adaptação às alterações associadas ao envelhecimento e, sobretudo, manter a satisfação de viver", lê-se no trabalho a que o PÚBLICO teve acesso.

Se é verdade que 24,85 por cento dos inquiridos com mais de 65 anos vivem sozinhos, são bastantes mais as pessoas desta idade (36,5 por cento) que passam os seus dias sozinhos durante oito ou mais horas por dia. A coordenadora do estudo e professora da Faculdade de Medicina de Coimbra, Catarina Oliveira, afirma que "a solidão no idoso é um factor com grande peso negativo na sua vida", porque "compromete a parte emocional: a pessoa alimenta-se pior, deixa de cozinhar para si, em vez de comer sopa come pão...".

Quando lhes perguntam se se sentem tristes ou deprimidos, 19,4 por cento respondem que é esse o seu estado emocional metade do tempo. "Os idosos em Portugal estão muito pouco aproveitados", defende Anabela Mota Pinto, outra das autoras do estudo, professora na mesma instituição coimbrã.

Boa cabeça

O curioso é que o estudo até demonstra que os inquiridos mantêm bons índices de autonomia - cerca de 80 por cento não precisam de ajuda nas suas tarefas diárias - e "boa cabeça"- só 5,8 por cento dos analisados tiveram uma avaliação cognitiva "desfavorável" -, mas, depois, "passam horas e horas sozinhos", em vez de terem uma intervenção na sociedade e serem aproveitados para ajudar, nota a médica.
Se o problema for visto em termos de sexo, percebe-se que a situação da solidão afecta ainda mais as mulheres. Tomando a amostra no seu todo (a partir dos 55 anos), elas passam 40,5 por cento de grande parte do seu tempo (oito ou mais horas) sem companhia, eles 26,2 por cento, uma consequência de uma esperança de vida maior no feminino, adianta Catarina Oliveira.

Mas se elas vivem mais tempo, dizem os dados que vivem pior: estão mais sozinhas, têm menos anos de escolaridade, mais problemas de locomoção, mais propensão para quedas, pior saúde física e emocional e saem-se pior na avaliação cognitiva.

Apesar de elas terem pior saúde, tanto em termos objectivos como subjectivos, as mulheres mantêm-se mais autónomas face aos homens. Uma diferença que não é difícil de entender quando se olha, por exemplo, para alguns dos itens que avaliam a chamada "dependência instrumental", onde se pergunta ao inquirido se prepara refeições sozinho, se trata da roupa, tarefas relacionadas com o desempenho de actividades domésticas.

Autonomia feminina

A menor autonomia dos homens desta idade é uma consequência da própria estrutura social, em que o trabalho doméstico foi recaindo sobretudo na mulher, notam as investigadoras. Contas feitas, neste estudo "os homens apresentaram cerca de 6,85 vezes mais possibilidade de serem dependentes funcionais face às mulheres", lê-se.
A acumulação da profissão com as tarefas domésticas nas mulheres, daí decorrendo maiores níveis de stress, é uma das razões para "as mulheres ficarem com incapacidades mais cedo", refere Anabela Mota Pinto.

Mas há também explicações físicas para a saúde das mulheres ser pior. Até à menopausa, têm protecção hormonal; a partir desse período das suas vidas, aumenta o risco de doenças, como a osteoporose, a hipertensão, a doença de Alzheimer, explica Catarina Oliveira.

Para os dois sexos, 70 anos é a altura estimada de fronteira para o aparecimento de factores de dependência funcional. No total, 21 por cento da população estudada depende de terceiros em actividades da vida diária, situação que é pior nos mais velhos, nos homens e na região do Alentejo.

Nos indicadores de saúde física desfavorável, os piores resultados estão entre os mais velhos (com idades superiores a 75 anos), as mulheres e a Região Centro. Na avaliação das diferenças regionais que o estudo faz, há muita variedade, mas o certo é que as situações mais desfavoráveis aparecem reiteradamente no Norte, no Centro e no Alentejo.

5,8% teve uma avaliação cognitiva desfavorável. A maioria "está boa da cabeça" mas não é aproveitada pela sociedade