Catarina Selada e Inês Vilhena da Cunha, in Jornal Público
Trend Hills no Canadá, Fiskars na Finlândia, Havant no Reino Unido, são exemplos de uma tendência que está a levar a classe criativa a viver e a trabalhar em zonas rurais
- A fixação de criativos pode ser um factor indutor do desenvolvimento das áreas rurais, zonas de baixa densidade ou pequenos centros urbanos.
- Para tal, as áreas rurais deverão reunir activos endógenos locais (atractivos naturais e histórico-culturais), vantagens construídas (atractivos artísticos e culturais) e boa acessibilidade (proximidade de um centro urbano).
- A presença de indústrias criativas induz efeitos multiplicadores para o desenvolvimento de outros sectores das economias rurais.
- As políticas públicas podem integrar a "criatividade" nas medidas de combate à desertificação e despovoamento dos territórios e de desenvolvimento das economias rurais.
A criatividade é considerada um fenómeno urbano. A classe criativa concentra-se nas grandes cidades, onde se assiste ao desenvolvimento dos clusters ligados à música, publicidade, arte, design, moda, antiguidades, literatura, filmes, software de entretenimento ou televisão e rádio. Contudo, a atracção e fixação de ocupações criativas podem funcionar como motores da capacidade de inovação e do desenvolvimento económico de áreas rurais e pequenos centros urbanos. Podem também contrariar o despovoamento e desertificação das zonas de baixa densidade, muitas vezes entregues ao abandono devido ao êxodo da sua potencial base de talentos para as áreas urbanas.
Falamos essencialmente de zonas rurais acessíveis que conjugam activos endógenos com vantagens competitivas construídas, atraindo um grupo particular de criativos, como famílias de jovens talentos, adultos criativos em fase de mudança de carreira ou reformados activos.
Atractivos distintivos
Esta classe criativa procura locais marcados por fortes atractivos naturais para viver e trabalhar. Uma paisagem distintiva e pitoresca, associada a montanhas, vales, rios, lagos, florestas e um clima ameno são alguns dos ingredientes que atraem ocupações criativas. No fundo, os talentos procuram cada vez mais um estilo de vida saudável associado à qualidade do lugar, onde confluem preocupações com a alimentação, o desporto, a saúde, o ambiente e a sociedade.
Aliados aos atractivos naturais, surgem os atractivos históricos e culturais. O património arquitectónico e arqueológico, civil, militar e religioso (castelos, cruzeiros, igrejas, conventos, aquedutos, pontes, pelourinhos, noras) e o património intangível (memórias colectivas, testemunhos, lendas, estórias) enchem o "imaginário" de uma população criativa que procura a identidade e o capital simbólico do local.
Atracção de criativos
Os activos específicos do território são complementados por atractivos construídos que interessam à classe criativa. Por um lado, infra-estruturas de conhecimento, instalações de apoio à actividade cultural e artística, museus, galerias de arte, centros de design, hotéis, estúdios para artistas ou incubadoras de artes. Por outro, eventos temporários como exposições, festivais e workshops associados às indústrias criativas. Estas vantagens derivam, muitas vezes, de estratégias específicas de desenvolvimento local centradas na atracção e fixação de criativos e na projecção de uma imagem do território associada à cultura e às artes.
Acresce que a presença da classe criativa pode, ela própria, gerar novos atractivos. Um local que atraiu artistas e designers pode tornar-se apelativo para indivíduos que se identifiquem com as comunidades artísticas ou que queiram explorar o mercado das artes. Também residentes e visitantes podem ser aliciados por restaurantes, bares ou lojas que se desenvolveram em resposta aos padrões de consumo da classe criativa.
Rural remoto vs acessível
O factor acessibilidade é também determinante para a atractividade das áreas rurais. A dicotomia entre o "urbano" e "rural" dá actualmente lugar à dicotomia entre "acessível" e "remoto". A proximidade de um centro urbano traduz-se num factor decisivo para a atracção de indústrias e recursos humanos criativos e para o crescimento das zonas de baixa densidade, numa lógica de desenvolvimento policêntrico do território.
Nesta linha, estatísticas do Reino Unido evidenciam que o emprego no sector criativo em relação ao emprego total, em 2004, era de 4,6 por cento nas áreas rurais mais remotas e subia para 5,5 por cento nas áreas rurais mais acessíveis, sendo a média nacional de 6,2 por cento (ver gráfico). Apesar de as indústrias criativas em áreas rurais terem sofrido um forte crescimento nas últimas décadas, ainda não ultrapassam os números das áreas urbanas. Trend Hills no Canadá, próximo da cidade de Toronto; Fiskars na Finlândia, a 85 km de Helsínquia, e Havant no Reino Unido, perto de Brighton, são alguns exemplos de comunidades artísticas, culturais e do design que têm vindo a ser desenvolvidas internacionalmente.
Indústrias criativas
As indústrias criativas induzem a criação de emprego, o aumento da produtividade e o desenvolvimento económico dos meios rurais e zonas de baixa densidade. No entanto, o potencial deste sector gera ainda efeitos multiplicadores noutras áreas da economia rural, promovendo a diversificação empresarial.
A inovação induzida pelo sector criativo constitui-se como um input determinante para a competitividade de indústrias tradicionais como o artesanato, a gastronomia, a agricultura ou o turismo. Falamos quer de inovação tecnológica (software, tecnologias de informação e comunicação), organizacional (serviços de design) e de marketing (comunicação, marca), quer de inovação institucional (governação, instituições) e cultural (atitudes, estilos de vida). Neste contexto, o turismo assume significado particular, usufruindo dos produtos, serviços e experiências inovadoras proporcionados pelo meio rural e pela classe e indústrias criativas.
A par da revitalização do tecido empresarial está a regeneração do ambiente construído, ao nível da reutilização e readaptação das estruturas existentes à nova vocação destes territórios. Esta perspectiva surge associada a um desenvolvimento assente num modelo descongestionado e rural por oposição às grandes áreas urbanas.
Acção pública local
A política pública, de âmbito local, regional ou nacional, tem um papel importante a desempenhar no desenvolvimento das economias rurais, promovendo a adopção de estratégias de atracção de classe criativa e o crescimento das indústrias criativas.
Desde o conhecido documento de mapeamento das indústrias criativas no Reino Unido do Department of Culture Media and Sport de 1998, que este cluster passou a ser considerado prioritário nas estratégias das agências de desenvolvimento regional (RDA) inglesas. Como exemplo, podemos apontar o estudo da RDA de East Midlands, publicado em Janeiro de 2008: Creative Industries in the Rural East Midlands - Regional Study Report.
Nesta linha, o meio rural e os pequenos centros de baixa densidade em Portugal, plenos de atractivos naturais e históricos e com um dos climas mais amenos da Europa, acolhem facilmente estratégias locais de atracção e fixação de ocupações e negócios criativos.
Municípios nacionais, nos quais se destaca a vila de Óbidos, já se encontram a desenvolver iniciativas de comunidades criativas onde tradição se mistura com inovação. No âmbito da projecção internacional e do marketing territorial destas áreas de pequena escala, por que não apoiar a criação de redes de cooperação orientadas para a promoção de indústrias criativas nas áreas rurais?