17.12.09

Governo não ouviu parceiros nos impactos do salário mínimo

Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público

A CIP alegou falta de condições, mas não apresentou números. Reconhece-se que 500 euros é um salário "baixo", mas é o possível


É tido como imprescindível ou gerador de desemprego. Mas o aumento do salário mínimo de 450 para 475 euros em 2010 será hoje discutido em concertação social sem que se tenha feito algum estudo de impacto nas empresas. A contraproposta patronal para 460 euros foi encontrada a partir do aumento fixado pelo Governo para as pensões de reforma. E os sindicatos apoiam-se nos números oficiais que calculam a subida dos encargos salariais entre 0,06 e 0,1 por cento da massa salarial.

Na base da polémica está o acordo firmado em Dezembro de 2006 entre todas as confederações patronais e sindicais, para a evolução a médio prazo do salário mínimo.

O documento reflecte o equilíbrio encontrado então. Frisa-se a urgência de valorização dos trabalhadores de baixos salários, mas sem atingir os sectores mais frágeis. Quantificou-se a progressão do salário mínimo de 403 euros em 2007 até 450 euros em 2009 e 500 euros em 2011. E firmou-se que os valores intermédios seriam "sujeitos a análise e parecer anual pela comissão tripartida", com representantes dos parceiros sociais e do Governo, que apreciaria os impactos da evolução do salário mínimo nos sectores e regiões.

Mas a comissão nunca funcionou. Já depois do primeiro-ministro ter anunciado no Parlamento que o salário mínimo em 2010 seria de 475 euros, a comissão técnica reuniu-se então pela primeira vez e o representante do Ministério do Trabalho alegou que não a convocara antes porque não havia elementos novos.

Foi após o anúncio que se gerou a polémica. A Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) congregou a crítica patronal de que o processo tinha sido eminentemente político, próprio de um Governo em minoria que quer agradar. A comissão técnica deveria ter-se reunido primeiro para averiguar das condições de aplicação do acordo de 2006.

Mas a própria CIP não fez as suas contas. Adiantou uma contraproposta de aumento para 460 euros em 2010, menos 15 euros do que o anunciado pelo Governo. Ao PÚBLICO, o vice-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, António Saraiva, reconhece que um salário de "475 euros, mesmo 500 euros em 2011, é baixo (...) Não sabemos como é que alguém, estando a vida como está, vive até com 500 quanto mais com 475 euros". Mas, em contexto de crise, qualquer aumento fragilizaria ainda mais as fracas empresas (ver entrevista nas páginas seguintes).

Como surgiu o valor de 460 euros? Não teve a ver com o montante que as empresas poderiam aguentar. Não foi o limite pedido pelas associações sectoriais da CIP, queixando-se de que havia empresas em que o novo salário mínimo iria abranger 60 a 90 por cento do pessoal. Como o objectivo do Governo era combater a pobreza, então a CIP acompanhou-o e quis aumentar o salário tal como o Governo aumentou as pensões (2,05 por cento).

O secretário-geral da CGTP critica precisamente esse enfoque. Ao valorizar o combate à pobreza, quase qualifica os trabalhadores de indigentes (ver entrevista na pág. 4). Na realidade, o impacto dos 460 euros não é substancialmente menor do anunciado pelo Governo. O PÚBLICO calculou por excesso, com base nos números do Governo e da CIP, o impacto numa massa salarial subavaliada. O aumento anunciado do salário mínimo assume valores longe da dimensão alegada. Mesmo a proposta da CIP ficaria em quase dois por cento de aumento da massa salarial.

Mas a CIP já admite o aumento de 475 euros e tenta - no que é qualificado pelos sindicatos de escandaloso - obter contrapartidas. António Saraiva espera do Governo um entendimento "neste caminho de diálogo".